Gálatas 2.20 — QUEM VIVE EM MIM

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Lemos Gálatas 2.20 e fazemos deste verso o texto áureo de nossa vida:
 
“Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gálatas 2.20)
No entanto, o que significa esta linda expressão: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”?
 
Eu lhe convido a ler comigo alguns outros textos próximos desta mesma idéia.
 
1
Primeiro, ouçamos Jesus dizer:
 
“Da mesma forma como o Pai que vive me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa”. (João 6.57)
“Todo aquele que vive pecando é escravo do pecado”. (João 8.34)
“Se alguém me ama, obedecerá à minha palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele”. (João 14.23)
 
Quando lemos a história de Moisés, vemos um homem cheio de equívocos sobre si mesmo e ao mesmo tempo vemos o que uma pessoa que aprende com Deus pode vir a ser.
Na primeira vez que ficamos sabendo de Moisés, ele está matando uma pessoa, razão por que teve que fugir. Moisés era alguém que, indignado com a violência, reagia com violência. Moisés vai deixando o Espírito de Deus tomar corpo dentro do seu corpo, ao ponto de o autor bíblico dizer que ele “era homem mui manso [“paciente”, na NVI], mais do que todos os homens que havia sobre a terra. (Números 12.3) O explosivo Moisés se tornou o manso Moisés, transformação que pode acontecer em todo aquele que ama a Deus e aprende com Ele.
Quando foi chamado para uma missão no Egito, que culminaria com o êxodo, Moisés achou que ele iria libertar o povo; por isto, temeu e refugou, perguntando: “Quem sou eu para apresentar-me ao faraó e tirar os israelitas do Egito?” (Êxodo 3.11) No entanto, quando Deus diz quem faria a libertação (Disse Deus: “Estenderei a minha mão e ferirei os egípcios com todas as maravilhas que realizarei no meio deles. Depois disso ele os deixará sair” — Êxodo 3.20), ele aceitou a tarefa. Moisés se torna um vencedor quando sai da autossuficiência de si mesmo para a total dependência de Deus.
Lemos vários discursos de Moisés, o homem que disse que não sabia falar. Talvez não soubesse mesmo, mas aprendeu. Ele estava cheio de Deus e fala dEle com entusiasmo, como um Senhor com quem falava como quem fala ao seu amigo (Êxodo 33.11a — “O Senhor falava com Moisés face a face, como quem fala com seu amigo”).
Deus era o centro da vida de Moisés.
O centro da vida de Jesus não era Jesus; era Seu Pai. Cristo vive em nós quando o centro de nossa vida é Cristo e não nós mesmos. Se é Ele Quem importa em primeiro lugar, Ele vive em nós. Quem conhece e ouve as palavras de Jesus, mesmo aquelas mais incômodas, como o seu alimento diário, vive por causa de Jesus.
Cristo vive naquele que é seu escravo, não escravo do pecado. Podemos pensar, pensar, pensar, mas ou o pecado nos domina ou Jesus nos controla. Ou somos escravos de nós mesmos ou escravos de Jesus. A quem temos escolhido?
Cristo vive naquele que obedece às suas palavras. A comunhão com Jesus começa com o conhecimento da sua palavra, com a audição da sua palavra e com a obediência a sua palavra. 
Esta é a batalha do discípulo. Queremos ouvir a Jesus, mas o nosso eu quer ouvir a nós mesmos. Tendemos a pôr os ouvidos no nosso próprio coração, mas sabemos que precisamos pôr os nossos ouvidos no coração de Jesus. É o pulsar deste coração que realmente nos faz viver felizes.
Jesus é o nosso modelo no nosso relacionamento com Deus.
 
2
Agora, vivamos o que o apóstolo Paulo escreveu aos romanos:
 
“Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor”. (Romanos 14.8)
“Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim”. (Romanos 7.17)
“Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim”. (Romanos 7.20)
“Pois se vocês viverem de acordo com a carne, morrerão; mas, se pelo Espírito fizerem morrer os atos do corpo, viverão, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”. (Romanos 8.13-14)
 
Estes versos lançam fora todo o cinismo, como o de uma mulher que procurou um advogado.
Ela era viúva  e um vizinho se aproximou dela, dizendo-se apaixonado. Prometeu que iria casar com ela e ela o colocou dentro de casa. Após a primeira noite, em que compartilharam a mesma cama, ele foi embora e disse que não queria casar mais com ela.
A vizinhança ficou sabendo que os dois tiveram um caso. Ela ficou envergonhada. Por isto, procurou o advogado, em busca de uma reparação por danos morais à sua honra. Em sua justificativa, ela disse: “Eu sou evangélica e a situação ficou muito difícil para mim na minha igreja”.
Seu pecado não a incomodava. Tendo vivido uma situação desagradável, queria agora ganhar dinheiro com o seu próprio pecado.
À primeira leitura dos seus argumentos sobre o pecado, o apóstolo Paulo nos deixa à vontade. Ele admite que é um pecador. Ele reconhece que o pecado ainda o domina. Ficamos, então, à vontade. Como pecadores, estamos na companhia do apóstolo Paulo.
No entanto, o apóstolo Paulo nos deixa constrangidos. Quando pecamos, somos escravos do pecado, como disse Jesus (João 8.34). Então, precisamos morrer para o pecado. Queremos?
É constrangedor: ou pertencemos ao pecado ou pertencemos a Deus. Ou somos habitados por Deus ou somos habitados pelo pecado.
Precisamos mortificar (matar) nossos atos naturais. Alguém nos ofende, ofendemos. Alguém nos seduz, seguimos. Alguém nos magoa, magoamos. Todo mundo faz, fazemos.
É claro que não conseguimos não pecar, mas não podemos desistir de viver sem pecar.
 
3
Dirigindo-se aos gálatas, Paulo nos orienta:
 
“É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela Lei, pois “o justo viverá pela fé””. (Gálatas  3.11)
“Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito”. (Gálatas  5.25)
 
Um dos nossos piores inimigos e o senso de justiça própria, que gera revolta quando as coisas dão errado. 
Um homem teve o seu casamento destroçado. Ele dizia que fez tudo certo, mas as coisas não deram certo. Separado, durante um tempo viveu como um crente, mas não encontrou uma namorada para retomar sua vida conjugal. Então, se cansou. Ele dizia que não valia a pena ter feito as coisas certas e que não era justo ele continuar sozinho, ele que sempre foi obediente a Deus, e que agora iria resolver as coisas do seu jeito. E seguiu seu instinto vida afora.
 
Devemos tomar cuidado. Não somos capazes de não pecar.
Ótimo: então vamos continuar pecando, já que não conseguimos não pecar…
Não, não é isto o que a Palavra de Deus afirma. O que a Bíblia nos diz é que somos incapazes de não pecar, mas devemos mortificar nossos desejos pecaminosos, sejam quais forem. 
O que a Bíblia nos diz que a fé nos capacita a não pecar, no sentido, de não desejar pecar e de evitar as situações que nos facilitem pecar.
Um dos nossos pecados é achar que podemos não pecar por nós mesmos, 
Outro dos nossos pecados é achar que, como não conseguimos não pecar, então que pequemos sem culpa.
O que precisamos é nos agarrar ao desejo de viver pelo Espírito de Deus, não por nossa carne. Nossa canção deve ser: “não eu, mas tu, Senhor”. É neste sentido também que pertencemos ao Senhor.
 
4
O mesmo Paulo orienta a Timóteo sobre a fonte de uma vida autêntica, que melhor compreendemos lendo Tiago.
 
“Quanto ao que lhe foi confiado, guarde-o por meio do Espírito Santo que habita em nós”. (2Timóteo 1.14)
 
“Adúlteros —  grita Tiago contra aqueles que querem viver dois amores ao mesmo tempo, lembrando Deuteronômio 32.21a (em que Deus diz: “Provocaram-me os ciúmes com aquilo que nem deus é e irritaram-me com seus ídolos inúteis”) –, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus. Ou vocês acham que é sem razão que a Escritura diz que o Espírito que ele fez habitar em nós tem fortes ciúmes? (Tiago 4.4-5)
 
O conflito continua. No meu coração. Nos nossos. Sobretudo, se a decisão envolve dinheiro. As se memorizássemos o que Jesus disse: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. (Mateus 6.24) Ah se prestássemos a atenção à reação de algumas pessoas a esta declaração de Jesus: “Os fariseus, que amavam o dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam de Jesus”.  (Lucas 16.14) Os fariseus e tantos de nós somos habitados pelo dinheiro. Muitos dizemos: o que importa é dinheiro no bolso.
O Espírito Santo habita em nós, mas o pecado também habita em nós. Nosso coração é o palco de uma batalha espiritual. Nossa tarefa é escolher o lado nesta luta. Se escolhemos o Espírito Santo, ele triunfará. Se escolhemos o pecado, ele nos vencerá.
Se escolhemos o Espírito Santo, alegramos o Espírito Santo. Se, escolhemos o pecado, entristecemos o Espírito Santo habitante em nós (“Não entristeçam o  Espírito Santo de Deus, com o qual vocês foram selados para o dia da redenção” — Efésios 4.30)
O “ou, ou” é dramático. Ou alegramos ou entristecemos o Espírito Santo. Não tem meio termo, como nossas vidas parecem achar.
 
5
Termino com um texto paulino que é perfeitamente sinônimo de Gálatas 2.20:
 
“Mas graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em Cristo e por nosso intermédio exala em todo lugar a fragrância do seu conhecimento; porque para Deus somos um aroma de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem”. (2Coríntios 2.14-15)
 
Na minha infância conheci um homem exemplar, como pai e como cristão. A máscara, no entanto, do irmão José (nome fictício) caiu quando meu pai conheceu um homem que era funcionário da mesma loja em que trabalhava o irmão José. Um dia a conversa entrou pelo campo da fé.
— Você conhece o José? — perguntou meu pai.
— Conheço.
— Ele também é da minha igreja.
A resposta, desagradável, foi:
— Conheço o José. Nunca imaginei que fosse crente.
Anos mais tarde, José foi se revelando. Abandonou a família, largou a igreja e foi viver a vida que, parece, sempre quis, sem nenhum aroma de Cristo. 
 
Não somos justificados por nós mesmos, isto é, não vencemos o pecado por nós mesmos. É impressionante como nos esquecemos disto, quando fazemos listas do que é e do que não é pecado… para os outros, quando lamentamos os pecados… dos outros, quando fazemos uma hierarquia de pecados, em que os piores são os que os outros cometem e os menos graves são os nossos.
Não pecamos? Foi Deus quem nos conduziu no itinerário da santidade. Foi o Espírito que habita em quem venceu, não a nossa carne. A carne não vence a carne. A carne perde para a carne, sempre.
O perfume que sai de nós não foi produzido por nós: foi produzido pelo Espírito Santo. A marca do nosso perfume é “Jesus Cristo”.
 
6
Então, voltamos ao texto áureo de Paulo aos Gálatas:
“Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gálatas 2.20)
 
Se você foi “crucificado com Cristo”, você morreu para si mesmo. Se morreu, você não vive mais. Você se belisca e vê que está vivo. Sim, você vive. Na verdade, não é você quem vive, é Cristo quem vive em você.
Esta vida que você vive se desenvolve no corpo, isto é, na sua vida cotidiana, na sua história. E você só vive esta história pela fé que tem em Jesus Cristo como Filho de Deus, como seu Salvador, como seu Senhor.
É crucificado com Cristo aquele que morreu para si mesmo, para que Cristo viva.
É crucificado com Cristo aquele que sabe que é amado por Jesus e recebe este amor, sabendo que vive por causa deste amor.
É crucificado com Cristo aquele que deixou na cruz o seu eu, feito de desejos e vontades.
É crucificado com Cristo aquele que deixou sua vida na cruz, para viver a vida de Jesus, possível por causa da habitação do Espírito Santo.
É crucificado com Cristo aquele que recusa o domínio do pecado sobre a sua vida.
É crucificado com Cristo aquele que tem alegria em ser habitado pelo Espírito Santo.
É crucificado com Cristo aquele que, sabendo que no seu coração se trava uma batalha espiritual, entre o Espírito Santo e o pecado, escolheu o lado do Espírito Santo.
É crucificado com Cristo aquele que fica constrangido quando peca.
É crucificado com Cristo aquele que tem prazer em dar prazer ao Espírito Santo.
É crucificado com Cristo aquele que não olha para os pecados dos outros, mas para os seus.
É crucificado com Cristo aquele que se deixa conduzir pelas mãos de Jesus para a vitória da santidade.
É crucificado com Cristo aquele em quem Cristo vive.
 
Cristo vive em você, se a sua fé é nele e para ele, não em você mesmo, não em alguma pessoa.
Cristo vive em você, se você é cristão em tempo integral, não em tempo parcial, quando está na igreja, quando está lendo a Bíblia
Cristo vive em você, se você aceita com a mente e com o coração que Ele morreu em seu lugar, embora você merecesse morrer e só não morreu por causa do magnífico amor de Jesus que o substituiu.
Cristo vive em você, se você matou sua autossuficiência na cruz.
Cristo vive em você, se você morreu com Ele na cruz, tendo o seu pescoço quebrado, seu topete derrubado, seu coração de pedra trocado por uma coração de carne, seu orgulho mortificado, e sua vida agora é conduzida por Jesus Cristo (cf. PIPER, John. Do Not Nullify the Grace of God. Disponível em
Cristo vive em você, se você se olha no espelho e diz “Cristo vive em mim” ou dialoga com uma pessoa e tem a coragem de se expor assim: “Cristo vive em mim”.
Cristo vive em você, se é Ele toca a música que você toca. No cinema, quando um grande músico aparece tocando uma música, há um truque: o ator aparece, mas é outra pessoa que toca, uma pessoa que sabe tocar. Nós somos como estes atores: não sabemos música, mas, se formos humildes, e deixarmos o músico tocar, a melodia encantará o mundo.
 
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Posso eu cantar assim? Pode você garantir assim?
“Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gálatas 2.20)

ISRAEL BELO DE AZEVEDO