O defensor do ateísmo é filho de um pastor batista fundamentalista

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Traduzimos uma interessante reportagem que mostra bem as consequencias de um tipo de visão religiosa do mundo. Foi publicado originalmente site canadense National Post.
 
 
Nate Phelps cresceu na “família mais odiada da América”(Escrito por Kevin Libin, publicado no site National Post – Canadá em 19/03/2010)Quando a celebridade não-crente Richard Dawkins terminou seu discurso para centenas de seguidores seus na Convenção Americana de Ateus, reunida em abril do ano passado no Emory Center, em Atlanta (Georgia, EUA), a cena seguinte foi protagonizada por um homem do qual virtualmente ninguém no auditório tinha ouvido falar. Subiu à plataforma um motorista de taxi de Canbrook, Colúmbia Britânica (Canadá), de meia idade e olhos tristes, cujo nome é Nate Phelps. Ele tinha vindo falar sobre como sua infância numa família religiosa o levou ao ateísmo.
 
Nate Phelps não é de uma típica família de frequentadores de igreja, mas daquela que um documentário da BBC chamou de “a família mais odiada da América”.  Seu pai, Pastor Fred Phelps, lidera a Igreja Batista de Westboro, em Topeka, Kansas (EUA). A família, e um punhado de seguidores, promoveu aproximadamente inúmeras demonstrações, a maior parte nos EUA, umas poucas no Canadá e uma no Iraque, protestando diante de sinagogas e monumentos do Holocausto, interrompendo funerais de soldados americanos mortos em ação, e de meninas Amish assassinadas. Eles são mal afamados por seu ódio e crueldade. Seus cartazes insistem que “Deus odeia Gays,” e odeia a América também, por tolerar a homossexualidade. Eles entoam “Agradeça a Deus pelo 11 de setembro!” e pelas bombas que matam os soldados americanos. Em 2008, no Winnipeg (Canadá), tentaram infiltrar-se no funeral de Tim McLean, que foi brutalmente assassinado e decapitado em um ônibus da empresa Greyhound, considerando o crime como uma punição divina para os pecados dos canadenses, mas recuaram por temer por sua segurança. Marcham com largos sorrisos nas faces, lado a lado com suas crianças, deleitando-se nos insultos que proferem.
 
Esta é a família na qual nasceu Nate Phelps há 51 anos, e da qual se afastou há 33 anos. Na ocasião, seu pai ainda não tinha se especializado em protestos de rua, mas usava uma bateria de aparelhos de fax para disseminar no mundo seus textos descaradamente odiosos. Dos 12 filhos de Fred Phelps, apenas Nate e outros dois desertaram. O resto permaneceu e estabeleceu família em Westboro, inculcados pela pregação intolerante, “armagedonista”, do pai.
 
Esta semana Nate Phelps estava em Calgary (Canadá), falando no Centro para a Investigação da Universidade de Calgary. Até um ano atrás, dirigia um táxi no interior da Colúmbia Britânica, questionando silenciosamente a Deus em suas horas de folga e embebedando-se dos argumentos anti-religiosos de Dawkins, Christopher Hitchens e Sam Harris. Hoje, duvidando da fé, e como um refugiado da mais extrema e repugnante faixa do Cristianismo, tornou-se, acidentalmente, uma figura no movimento ateísta norte-americano.
 
“Não estou inclinado a aceitar que a verdade de meu pai é a verdade definitiva, porque é uma verdade bastante limitada, se é que é verdade”, disse Nate. “Mas é quase tão difícil para mim aceitar o Cristianismo majoritário como a verdade, porque a essência da mensagem ainda está lá. Que aqueles milagres aconteceram; que aquele homem que supostamente viveu há 2.000 anos atrás fez isto por nós; e esta é a base sobre a qual viveremos a eternidade. Estes são conceitos difíceis de olhar e dizer ‘sim, isto faz perfeitamente um bom sentido.'”
 
A história pessoal de Nate não é fácil. Seu pai, conta ele, era um tirano que acreditava piamente no ensino bíblico de “não poupar a vara”, espancando seus filhos com tiras de couro e ferramentas sem cabo, com a finalidade de evocar níveis máximos de sofrimento merecido. Com a idade de 7 anos, Nate recitava todos os 66 livros da bíblia em 19 segundos; seu pai, impaciente com a inabilidade dos filhos em acompanhar prontamente sua pregação, exigia isto. O pastor era um homem intolerante, violento.
 
Nate tem lembranças esmaecidas dos avós que, corajosos, trouxeram-lhes presentes de Natal, mas foram expulsos por causa de sua adoração pagã, e de suas tentativas de moderar o filho cada vez mais fanático. As crianças eram forçadas a regimes físicos excêntricos, punitivos, como correr 16 quilômetros por dia e comer leite coalhado em lugar do jantar, a tratar seus corpos como templos, conforme o ensino bíblico. Na versão do Calvinismo do Pr. Phelps, quase todos os seres humanos estavam predestinados, desde antes do seu nascimento, a viver a eternidade no lago de fogo. Não havia o que se pudesse fazer quanto a isso. Era aterrorizante.
 
“O que permaneceu comigo todos estes anos foi o (efeito) psicológico”, disse Nate. “É a mensagem, a informação que recebe na juventude que você carrega consigo pelo resto da vida.”
 
Todavia, existia uma inegável integridade na mensagem de seu pai, crê Nate. Era uma interpretação literal da Bíblia; uma interpretação rígida. Toda a desumanidade, todo o seu conteúdo, porém, podiam ser justificados pelas Escrituras.
 
Mas à medida que amadurecia, ele notava hipocrisias: os castigos eram, a Bíblia diz, um dever de pais amorosos, todavia seu pai vomitava somente ódio contra seus filhos. Havia todo um julgamento cruel de um Deus irado contra o mundo, mas nada da misericórdia de Jesus.
 
Um coquetel de “dúvidas, contradições e medos” levou Nate a deixar o lar exatamente à meia-noite do dia em que fez 18 anos. Sua família diz que ele é um “rebelde contra Deus”, condenado ao inferno; seus laços com o irmão e a irmã que também deixaram a família são, no máximo, forçados.  Pensa ele que eles gostariam de ter um relacionamento, mas são sabem como. Há “problemas de confiança”, diz.
 
Ele tentou manter suas ligações com o Cristianismo, indo ocasionalmente a igrejas tradicionais na Califórnia, onde se estabeleceu primeiramente. Mas elas lhe pareceram “pálidas e fracas” em comparação com o fervor que sentia no ambiente de Westboro. Casou-se e teve filhos. Sua fé começou a morrer.
 
“Eu não pensava em ter filhos. Na verdade conservava em alguma parte do meu íntimo essa noção de que seria punido.” Por abandonar a igreja de seu pai e por seu desprezo à vontade paterna. “Quando lhe é dito, repetidamente, por toda a vida que há uma força lá fora, uma força maligna que irá derrubá-lo, que irá fazer-lhe mal se você se desviar… era inconsciente, mas durante anos eu acreditava que iria pagar um preço.”
 
Em um Natal, tentando explicar à suas três crianças o que são o céu e o inferno, elas explodiram em lágrimas ante a perspectiva da punição eterna. Relembrando seu próprio terror infantil ante a ira de Deus, abandonou o Cristianismo de uma vez por todas.
 
Tendo-se divorciado e passado a morar com uma mulher canadense que encontrou na Internet, foi por acidente que Nate achou-se compartilhando o palco com Richard Dawkins. Um encontro casual em seu táxi com um estudante de jornalismo da Universidade da Colúmbia Britânica levou a um artigo no jornal da universidade. Quando o artigo foi republicado na web, Nate foi logo contatado por colegas ateus de toda a América do Norte. Vieram então os convites. Ele está escrevendo suas memórias e trabalhando com a Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência em planos para influir na votação de leis que impeçam os responsáveis de negar tratamento médico aos filhos por razões religiosas.
 
Entretanto, Nate não parece inteiramente confortável na pele de um pregador, como seu pai, ainda que seja para pregar o secularismo moral ao invés do ódio divino. Sente-se constrangido com o antagonismo anti-religioso de Hitchens e Harris; sabe que há muitos, alguns em circunstâncias desesperadoras, que encontram consolo e fortalecimento em sua fé. “Condenaria isso?” pergunta. “Tenho uma séria dificuldade com a idéia de simplesmente afirmar ‘Vamos descartar isso tudo’, porque há valores. Eu vejo valores.”
 
Sem dúvida, Nate tem uma excepcional empatia por almas atribuladas buscando conforto, pois ele mesmo foi uma delas. Após uma infância isolada no mundo rancoroso de Fred Phelps, foi diagnosticado de transtorno de estresse pós-traumático. Passou um tempo em um hospital psiquiátrico. Teve depressão. Falar sobre sua infância às vezes ajuda, às vezes torna as coisas piores ainda.
 
Tendo vindo de um recanto miserável do universo cristão, ele reconhece que não representa o que a maioria das pessoas experimenta em relação à fé. Ele ouviu falar de muitos ateus com histórias similares, todavia admite que isso resulta da natureza auto-seletiva do lado mais ativista do movimento. E tem refletido se é correto alguém com a sua experiência anormal ser usado como evidência contra a religião em qualquer circunstância. Mas, diz ele, se a vivência na Igreja Batista Westboro ou levou a alguma parte, não foi ao ódio – aos gays ou judeus, ou nem mesmo, como uma reação à maldade de seu pai, à religião. Foi por perceber a Bíblia de uma maneira tão severa, tão literal, que o fez ver sua falta de lógica, que o dispôs a pesar a evidência em favor da existência de Deus como próxima da evidência contra a sua existência, e a achar que a prova contra a fé “fala por si mesma.” Foi testemunhando a realidade da fé verdadeira, indiscutível, diz ele, que abriu seus olhos para a dúvida.
 
“Eu não estou 100% firmado em nada”, admite Nate. “Mas crescer naquele meio ambiente certamente deu-me a motivação para buscar as respostas do lado de fora, para encontrar a verdade fora dele.”
 
(Tradução de Sylvio Macri)