O espiritismo, que se apresenta como uma “doutrina filosófica e moral” (KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita) e também como a terceira e mais completa revelação de Deus (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo.), oferece-se como “a chave da verdadeira felicidade”, de onde, segundo suas palavras, deriva “seu poder irresistível”. (KARDEC, Allan. Viagem espírita em 1862 e outras viagens de Kardec.)
Esta revelação foi codificada por Allan Kardec em cinco livros: “O Livro dos Espíritos” (1857), “O Livro dos Médiuns” (1861), “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1864), “O Céu e o Inferno” (1865) e “A Gênese” (1868). Neles Jesus é considerado um profeta, com a diferença que ele “constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava”. (KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, p. 180)
Apesar disto, Kardec assume que as bases da sua doutrina estão assentadas no Evangelho, dele nada suprimindo, mas completando e elucidando (KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo). Diz ele: o espiritismo “é uma doutrina puramente moral, que absolutamente não se ocupa dos dogmas”. Como deixa “a cada um inteira liberdade de suas crenças”, não aconselha a mudança de religião. Ele não “pertence particularmente a nenhuma religião, ou, melhor dizendo, está em todas elas”. (KARDEC, Allan. Viagem espírita em 1862 e outras viagens de Kardec) Seu propósito é dar “aos homens tudo o que é preciso para a sua felicidade aqui na Terra, porque lhe ensina a se contentarem com o que tem”. (KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita)
Eis a confissão de fé feita por Allan Kardec:
“Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom;
crer na alma e em sua imortalidade;
na preexistência da alma como única justificação do presente;
na pluralidade das existências como meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral;
na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos;
na felicidade crescente com a perfeição;
na eqüitativa remuneração do bem e do mal, segundo o princípio: a cada um segundo as suas obras;
na igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura;
na duração da expiação limitada à da imperfeição;
no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal;
crer na continuidade das relações entre o mundo visível e o mundo invisível;
na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados;
considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterno;
aceitar corajosamente as provações, em vista de um futuro mais invejável que o presente;
praticar a caridade em pensamento, em palavras e obras na mais larga acepção do termo;
esforçar-se cada dia para ser melhor que na véspera, extirpando toda imperfeição de sua alma;
submeter todas as crenças ao controle do livre exame e da razão, e nada aceitar pela fé cega;
respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam, e não violentar a consciência de ninguém;
ver, enfim, nas descobertas da Ciências, a revelação das leis da Natureza, que são as leis de Deus:
eis o Credo, a religião do Espiritismo, religião que pode conciliar-se com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir todos os espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ligue todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal.
(KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita. Disponível em
De modo mais sintético, o espiritismo propõe crenças comuns às religiões em geral e crenças bastante particulares.
De modo comum, o espiritismo:
. crê na existência de Deus;
. valoriza a razão, tendo como corolário a defesa da liberdade religiosa
. estimula à prática da caridade e de vidas moralmente irrepreensíveis.
Não temos os cristãos qualquer dificuldade em afirmar estes postulados. Cremos na existência do Deus Todo-poderoso e amoroso, justo e bom. Valorizamos a razão e as descobertas científicas. Defendemos o direito de todas as pessoas professarem a religião que entendem ser verdadeira, sem restrição de espécie alguma. Cremos no amor ao próximo, em todas as difíceis conseqüências, e no compromisso de uma visa digna do Evangelho, numa vida que dê frutos que evidenciem o nosso arrependimento.
De modo particular, o espiritismo — e aí nossas discordâncias se visceralizam — propõe a idéia da a eternidade da alma (ou espírito), o que desemboca nos pressupostos:
. das reencarnações sucessiva e infinita, visando a reparação do mal causado na terra e o aperfeiçoamento do espírito;
. da continuidade das relações entre os mundo visível e invisível, derivando dai a comunicação dos mortos com os vivos.
A AUTORIDADE DOS ESPÍRITOS
Não deriva o espiritismo sua autoridade da Bíblia Sagrada, como fazem os cristãos, mas do ensino dos espíritos, entendidos como “seres inteligentes da criação, que povoam o Universo, fora do mundo material, e constituem o mundo invisível. Não são seres oriundos de uma criação especial, porém, as almas dos que viveram na Terra, ou nas outras esferas, e que deixaram o invólucro corporal”. (KARDEC, Allan. O Livro dos médiuns ou Guia dos médiuns e dos evocadores.) O corpo é visto “apenas uma vestimenta grosseira que reveste temporariamente o Espírito, verdadeira cadeia que o prende à gleba terrena e da qual fica feliz em se libertar”. (KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo, p. 204)
Numa frase, “o Espírito mais não é do que a alma sobrevivente ao corpo; é o ser principal, pois que não morre, ao passo que o corpo é simples acessório sujeito à destruição”. (KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo)
Em resumo, “o Espírito não é, pois, um ser abstrato, indefinido, só possível de conceber-se pelo pensamento. É um ser real, circunscrito que, em certos casos, se torna apreciável pela vista, pelo ouvido e pelo tato”. (KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos: princípios da Doutrina Espírita. Em outro livro, no entanto, Kardec diz: “Pela sua essência espiritual, o Espírito é um ser indefinido, abstrato, que não pode ter ação direta sobre a matéria, sendo-lhe indispensável um intermediário, que é o envoltório fluídico, o qual, de certo modo, faz parte integrante dele. KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. ) Esses Espíritos “povoam infinitamente os espaços infinitos”, estando ao lado das pessoas, observando-as”. (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 113)
Sua tarefa é servir como ministro de Deus, dependendo do estágio de evolução que tenham alcançado”, (KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo) uma vez que uns chegaram “ao ponto mais elevado da escala, deixaram definitivamente os mundos materiais”, enquanto outros, “pela lei da reencarnação, ainda pertencem ao turbilhão da Humanidade terrena”. (KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita.)
Por isto, segundo Kardec, “sem as comunicações dos Espíritos, não haveria Espiritismo. (…) Saída da universalidade do ensino dos Espíritos, tem o valor de uma obra coletiva, e é por isto mesmo que em tão pouco tempo ela se propagou por toda Terra, cada um recebendo por si mesmo, ou por suas relações íntimas, instruções idênticas e a prova da realidade das manifestações”. (KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita.)
A partir daí, o espiritismo desenvolve a idéia de “vida espiritual” como a verdadeira vida, porque é a vida normal (não terrena do Espírito). A outra vida é a vida terrestre, que é transitória e passageira, como se fosse um tempo de morte, porque vivida no corpo, o invólucro do Espírito. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo.) “A vida espiritual é a vida normal do Espírito: é eterna”. (KARDEC, Allan. Obras póstumas.)
A REENCARNAÇÃO
Visando um meio para a reparação do mal causado na vida terrestre e autoaperfeiçoamento do ser, o espiritismo propõe a existência de reencarnações sucessivas e infinitas.
Segundo o espiritismo, “um Espírito volta várias vezes a tomar novo corpo carnal sobre a Terra, nasce várias vezes a fim de tornar a conviver nas sociedades terrenas, como Homem, exatamente como este é levado a trocar de roupa muitas vezes”. (PEREIRA, Yvonne A. Memórias de um suicida.)
A REENCARNAÇÃO COMO LÓGICA — Na visão de Allan Kardec, a reencarnação é processo pelo qual o espírito, que é livre no mundo espiritual, vem ao mundo para aprender. Segundo o Espiritismo, Deus impõe aos Espíritos “a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação”. (KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, p. 136)
A reencarnação é oferecida “como uma necessidade absoluta, como uma condição inseparável da Humanidade; em uma palavra, como uma lei natural”. As sucessivas reencarnações justificam “todas as desigualdades e todas as injustiças aparentes que a vida apresenta”. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 26)
A “lógica da justiça de Deus” fica demonstrada com a punição; ele não pune o bem que se faz e nem o mal que não se faz; se somos punidos, é porque fizemos o mal; se não o fizemos nesta vida, seguramente o fizemos em outra”. Assim, “o homem nem sempre é punido, ou completamente punido em sua existência presente, mas nunca escapa às conseqüências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea; se não for punido no hoje, o será no amanhã, e, sendo assim, aquele que sofre está expiando os erros do seu passado”. Desse modo, “pela pluralidade das existências e da destinação da Terra como mundo expiatório, se explicam os absurdos que a divisão da felicidade e da infelicidade apresenta entre os bons e os maus neste mundo. (…) Se nos elevarmos pelo pensamento, de modo a incluir uma série de existências, compreenderemos que cada um tem o que merece, sem prejuízo do que lhe está reservado no mundo dos Espíritos, e que a justiça de Deus nunca falha. O homem não deve se esquecer nunca de que está num mundo inferior, ao qual está preso devido às suas imperfeições.
Ao nascer, “o homem traz aquilo que adquiriu; nasce como se fez. Cada existência é para ele um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi: se está sendo punido, é porque fez o mal”. As tribulações da vida “são, ao mesmo tempo, expiações do passado, que nos castigam, e provas que nos preparam para o futuro. Rendamos graças a Deus que, em sua bondade, dá ao homem a oportunidade da reparação e não o condena irremediavelmente pela primeira falta”. Ao longo das “suas diversas existências corporais é que os Espíritos se livram, pouco a pouco, de suas imperfeições”. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 36)
O objetivo da reencarnação é o melhoramento progressivo da humanidade. “Sem isto, onde a justiça?”, pergunta Kardec. (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 157) “As encarnações sucessivas são sempre muito numerosas, porquanto o progresso é quase infinito” (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 157) A certeza do espiritismo é que a reencarnação “é a única que corresponde à idéia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam”. (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 158)
Na conclusão de Kardec, “sem a reencarnação somos detidos a cada passo, tudo é caos e confusão; com a reencarnação tudo se esclarece, tudo se explica da maneira mais racional”. (KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita.)
No dizer de outro autor, “a reencarnação afirmada pelas vozes do além-túmulo é a única forma racional por que se pode admitir a reparação das faltas cometidas e a evolução gradual dos seres. Sem ela, não se vê sanção moral satisfatória e completa; não há possibilidade de conceber a existência de um Ser que governe o Universo com justiça”. (DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor: os testemunhos, os fatos, as leis.)
Para Allan Kardec, a reencarnação está demonstrada na Bíblia, ao contrário das leituras cristãs tradicionais. Assim, por exemplo, a promessa de Jesus de que são “Bem-aventurados os aflitos, pois serão consolados” deixa claro que “os sofrimentos são como crises salutares que levam à cura, e é a purificação que garante a felicidade nas existências futuras”. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 54) “A cada nova existência, o Espírito dá um passo para diante na senda do progresso. Desde que se ache limpo de todas as impurezas, não tem mais necessidade das provas da vida corporal.” (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 157)
O fundador do espiritismo está seguro que João Batista era uma reencarnação de Elias. Ele toma João 3.1-12 como abono. Para ele, Jesus confirmou a crença na ressurreição, quando disse que ninguém pode entrar no reino de Deus se não nascer de novo da água e do Espírito. Afinal, “o que nasceu da carne é carne indica claramente que só o corpo procede do corpo e que o Espírito é independente dele”. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 57)
Quando a diz que o Espírito sopra onde quer, a Bíblia demonstra que “se o Espírito, ou alma, fosse criado ao mesmo tempo que o corpo, se saberia de onde veio, uma vez que se conheceria seu começo. De todos os modos, esta passagem é a confirmação do princípio da preexistência da alma e, por conseguinte, da pluralidade das existências”. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 58) Assim, “negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo”. (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 59)
CRÍTICA Á IDÉIA DA REENCARNAÇÃO — O argumento pela reencarnação se dá na frente lógica e na interpretação bíblica.
O uso que Allan Kardec e demais autores espíritas fazem da Bíblia é bastante particular.
Vejamos alguns textos: (cf. EDDY, Paul R. Reincarnation and the Bible. Disponível em
João 3.3,7 — Allan Kardec insiste que a expressão “nascer de novo” comporte a idéia de sucessivas reencarnações. Visto literalmente ou metaforicamente, fica claro que Jesus está mostrando a Nicodemos a necessidade um nascimento espiritual, não biológico.
Mateus 11.14; 17.11-13 — Nestes textos há uma referência a João Batista como o Elias que haveria de vir, o que levou alguns autores espíritas a derivar que João era uma reencarnação de Elias. Quando lemos os Evangelhos, notamos que o próprio João Batista acabou com esta possibilidade interpretativa quando disse taxativamente que não era Elias (João 1.21). João era um profeta do mesmo estilo de Elias e só.
João 9.1-3 — Os discípulos perguntam a Jesus, diante de um cego, pelas causas de sua doença: quem pecou: ele ou seus pais. Os reencarnacionistas deduzem que os discípulos criam nessa doutrina. Os discípulos pensavam em algo próximo a maldição hereditária, não em reencarnação. Em sua resposta, Jesus rechaçou as idéias do carma e da reencarnação.
Galatas 6.7-7 diz: “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá”. O verso não abona a idéia do carma. Antes, fala de Deus como um ser pessoal, que chama as pessoas à responsabilidade. A seguir, o verso fala da ressurreição (não da reencarnação), mostrando a diferença entre a carne e o espírito.
Para aceitarmos a doutrina da reencarnação, precisamos aceitar que a alma (ou espírito) preexiste ao ser humano, isto é, que o espírito vaga no espaço (ou habita algum depósito) e num determinado momento entra no corpo de uma pessoa. O corpo é apenas o invólucro do espírito (ou alma). Conquanto esta idéia esteja em Platão e em religiões anteriores ao cristianismo, não há evidência na Bíblia para esta preexistência. A alma surge com o surgimento da vida. Não preexistia. Todos os seres humanos são criados. Só Deus é eterno. Escreveu o apóstolo Paulo: “Deus é o bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que é imortal e habita em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode ver. A ele sejam honra e poder para sempre. Amém”. (1Timóteo 6.15-16) “A evidência científica indica a concepção humana como ponto de origem do ser humano individual”. (GEISLER, Norman. Enciclopédia apologética. São Paulo: Vida, 2002, p. 748.)
Quanto à vida futura, precisamos concordar que, após a morte, o espírito permanece num estado de “erraticidade”, vivendo “no plano espiritual”, em cidades compostas de estruturas próprias, enquanto se preparam para as novas encarnações. Assim, “de acordo com sua necessidade de aprendizado e crescimento espiritual, receberiam programações de vida, genes, potencialidades, enfim, para suportar as provas e expiações por que teriam de atravessar em sua próxima (…) encarnação)” No entanto, a Bíblia diz que os mortos nada sabem e nada fazem, como aprendemos em Eclesiastes 9.5-6. (BRAGA, Maurício Carlos da Silva. Porque não sou mais espírita. Disponível em )
Para aceitarmos a doutrina da reencarnação, precisamos recusar a realidade da ressurreição, ensinada e mostrada na Bíblia. “A pedra fundamental do espiritismo é de que não morreremos, mas apenas desencarnaremos. Continuaremos vivos, encarnando e desencarnando, indefinidamente, até atingirmos a perfeição! Pela doutrina espírita, não há uma só morte, mas várias e indefinidas, assim como não há um só juízo, mas vários, de certa forma, já que após cada desencarnação há uma definição do novo destino ou da nova vida que o espírito vai seguir em direção a uma almejada perfeição”. (BRAGA, Maurício Carlos da Silva. Porque não sou mais espírita. Disponível em )
A leitura de Hebreus 9.27-28 é totalmente esclarecedora: “Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo, assim também Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam”. O destino do homem é a morte, única na sua experiência, e depois virá para ele o juízo final, que acontecerá no último dia (João 6.54) e não numa sucessão interminável de dias. Em outras palavras, nascemos uma vez, vivemos uma vez, morremos uma vez e seremos julgados uma vez.
Se a reencarnação, segundo o ensino espírita, acontece múltiplas vezes, em corpos diferentes, em corpos mortais, a ressurreição, segundo a Bíblia, acontece uma vez, no mesmo corpo, num corpo imortal.
Como aprendemos a partir de uma história ensinada por Jesus, quando uma pessoa vai para o seu destino, há um abismo intransponível entre os dois mundos (Lucas 16.26).
Para aceitarmos a doutrina da reencarnação, precisaríamos estar convencidos de que o homem tende a ser moralmente melhor. No entanto, “não há evidência irrefutável de que qualquer melhoria moral significativa tenha ocorrido durante os milhares de anos que conhecemos”. (GEISLER, Norman. Enciclopédia apologética. São Paulo: Vida, 2002, p. 748.)
Para aceitarmos a doutrina da reencarnação, precisamos conviver com a idéia de que somos culpados por nosso sofrimento e continuaremos culpados e merecendo a punição. A Bíblia ensina que somos culpados pelos pecados que nós cometemos, mas podemos ser perdoados completamente se pedirmos perdão a Deus com a disposição de não mais pecarmos. A punição não nos aperfeiçoa. Quem nos aperfeiçoa é Deus, quando o convidamos para dirigir as nossas vidas.
Na verdade, a reencarnação não resolve o problema do sofrimento, ao dizer, como os amigos de Jó. que é merecido. Diante de um bebê com uma doença crônica, um cristão diz que não sabe porque isto lhe aconteceu, enquanto o espírita diz que esse bebê está pagando pelo que fez numa vida passada, embora não se lembre dela. Assim, “os inocentes não são realmente culpados porque o carma das vidas passadas está causando o sofrimento”. (GEISLER, Norman. Enciclopédia apologética. São Paulo: Vida, 2002, p. 747)
Para aceitarmos a doutrina da reencarnação, precisamos incorporar a idéia do carma e negar o valor da morte de Jesus como sendo expiatória (isto é: em nosso lugar). A reencarnação precisa da idéia do carma, segundo o qual o que uma pessoa semeia nesta vida pagará na próxima. Como ensina o espiritismo, “o carma é uma lei inexorável, sem exceções. Pecados não podem ser perdoados; devem ser punidos. Se alguém não paga nesta vida, tem que pagar na próxima”. Diferentemente, segundo o cristianismo, o perdão é possível. Jesus mesmo perdoou aqueles que o crucificaram. (BRAGA, Maurício Carlos da Silva. Porque não sou mais espírita. Disponível em ) Segundo o espiritismo, “ninguém escapa à lei do progresso, que cada um será recompensado segundo o seu merecimento real e que ninguém fica excluído da felicidade suprema, a que todos podem aspirar, quaisquer que sejam os obstáculos com que topem no caminho”. (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 191) O conselho de Allan Kardec é: “Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário”. (KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos, p. 491)
Temos, portanto, que escolher entre o carma e a graça, entre o mérito e a cruz. A cruz torna a reencarnação completamente desnecessária. O homem não precisa pagar pelos seus pecados. Jesus já fez este pagamento na cruz. Ele não morreu equivocado. Ele morreu para que pudéssemos ser perdoados, sem esforço, mas como um presente da graça. A reencarnação anula o sacrifício de Jesus na cruz.
Se, como propõe o espiritismo, a própria pessoa paga pelos seus pecados (através do “resgate” verificado ao longo das reencarnações) e cresce até adquirir o direito ao convívio com Deus por ter atingido a perfeição, então Jesus “não quitou nossos pecados com Sua morte na cruz, não é nosso intercessor único junto ao Pai e não virá nos buscar no dia da execução do juízo, até porque nem juízo final haveria”. (BRAGA, Maurício Carlos da Silva. Porque não sou mais espírita. Disponível em )
A MEDIUNIDADE
O outro pilar do espiritismo é a proposta de que existe uma continuidade nas relações entre os mundo visível e invisível, derivando dai a comunicação dos mortos com os vivos.
O ENSINO ESPÍRITA — Diz Allan Kardec: “A comunicação entre os dois mundos, o corporal, material ou visível e o incorpóreo, imaterial ou invisível, é uma premissa básica do Espiritismo, que seria apenas um espiritualismo irreal e duvidoso, se a negasse ou a repudiasse”. (KARDEC, Allan. Viagem espírita em 1862 e outras viagens de Kardec.) A mediunidade “é a fonte primordial dos ensinos espíritas”. Seu exercício constitui “sem dúvida, importante contribuição dos espíritas que a elas se dedicam, à consolidação da fé raciocinada e ao retorno, à normalidade, das condições psíquicas alteradas daqueles que, enleados nas tramas da obsessão disfarçada e tenaz, procuram, agoniados, os centros espíritas, ou são a eles encaminhados”. (KARDEC, Allan. Viagem espírita em 1862 e outras viagens de Kardec.)
A lógica espírita é a seguinte: uma vez “que as almas estão por toda parte, não será natural acreditarmos que a de um ente que nos amou durante a vida se acerque de nós, deseje comunicar-se conosco e se sirva para isso dos meios de que disponha? Enquanto vivo, não atuava ele sobre a matéria de seu corpo? Não era quem lhe dirigia os movimentos? Por que razão, depois de morto, entrando em acordo com outro Espírito ligado a um corpo, estaria impedido de se utilizar deste corpo vivo, para exprimir o seu pensamento, do mesmo modo que um mudo pode servir-se de uma pessoa que fale, para se fazer compreendido? (KARDEC, Allan. O Livro dos médiuns, p. 25) Em resumo, “os espíritos não são seres à parte, dentro da criação, mas as almas dos que hão vivido na Terra, ou em outros mundos, e que despiram o invólucro corpóreo; donde se segue que as almas dos homens são Espíritos encarnados e que nós, morrendo, nos tornamos Espíritos”. (KARDEC, Allan. O Livro dos médiuns, p. 77)
Allan Kardec chama de espíritos as almas que, segundo ele, povoam o espaço. “Os Espíritos são simplesmente as almas e nada mais”. (KARDEC, Allan. O Livro dos médiuns, p. 23) Esses espíritos se comunicam por médiuns, que lhes servem de instrumentos e intérpretes. (KARDEC, Allan. O Livro dos médiuns, p. 77) Essa mediunidade, crê Kardec, é “dada a todos, a fim de que os Espíritos possam levar a luz a todas as camadas”. Ela é um gesto da bondade de Deus, que coloca bons espíritos para ajudar as pessoas, que não precisam buscar conselhos longe. (KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo, p. 247)
Segundo outro autor, “a mediunidade é o instrumento de comunicação entre os dois planos de vida e, no mesmo plano material, é um poderoso vetor de transmissão educacional de orientação, aconselhamento, ânimo, instruções, advertências, correções, etc.” (LOBO, Ney. Filosofia espírita da educação e suas conseqüências pedagógicas e administrativas.)
A mediunidade é apresentada como um instrumento de consolo: “A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos, que deixaram antes de nós a Terra. Pela evocação, aproximamo-los de nós, eles vêm colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Cessa assim, por bem dizer, toda separação entre eles e nós. Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles. Para nós, grande satisfação é sabê-los ditosos, informar-nos, por seu intermédio, dos pormenores da nova existência a que passaram e adquirir a certeza de que um dia nos iremos a eles juntar”. (KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, p. 528)
A mediunidade implica reconhecer que Deus, então, não se comunica diretamente com as pessoas, porque elas não são dignas. Ele transmite “suas ordens por intermédio dos Espíritos imediatamente superiores em perfeição e instrução.” (KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, p. 205) Esses espíritos rodeiam os seres humanos, podendo conhecer ate os nossos mais secretos pensamentos. (KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, p 305)
Kardec crê que os Espíritos vão ao encontro da alma porque têm afeto. Ao fazê-lo, “felicitam-na, como se regressasse de uma viagem, por haver escapado aos perigos da estrada, e ajudam-na a desprender-se dos liames corporais. É uma graça concedida aos bons Espíritos o lhes virem ao encontro os que os amam, ao passo que aquele que se acha maculado permanece em insulamento, ou só tem a rodeá-lo os que lhe são semelhantes. É uma punição.” (KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, p. 230)
Neste contexto, Allan Kardec responde se as orações dos homens podem mudar a natureza das coisas, sobretudo as que provocam sofrimento: “As vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas há que têm de ser suportadas até ao fim; mas Deus sempre leva em conta a resignação. A prece traz para junto de vós os bons Espíritos e, dando-vos estes a força de suporta–las corajosamente, menos rudes elas vos parecem. (…) A prece nunca é inútil, quando bem feita, porque fortalece aquele que ora, o que já constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes”. No entanto, “não é possível que Deus mude a ordem da natureza ao sabor de cada um”. (KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, p. 395)
INTERPRETAÇÕES DA BÍBLIA — Alguns textos bíblicos são citados por autores espíritas para validar o fenômeno mediúnico.
Em Genesis 15.15, lemos que Abraão iria “reunir-se em paz com seus antepassados” e seria “sepultado após uma velhice feliz”. De Jacó se diz que “expirou e se reuniu com seus antepassados” (Gênesis 49.33). Jesus se refere àqueles que vão se sentar “à mesa no Reino do Céu junto com Abraão, Isaac e Jacó. (Mateus 8.11). Diz ele ainda: “E, quanto à ressurreição, será que não leram o que Deus disse a vocês: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’? Ora, ele não é Deus dos mortos, mas dos vivos”. (Mateus 22.31-32). Outros textos têm a ver com a recomendação de se discernir os espíritos, como o de 1João 4.1: “Não acrediteis em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus”.
A conclusão de um desses autores é a seguinte: “Não haveria sentido algum dizer que uma pessoa, após a morte, irá se reunir com seus antepassados, se não se acreditasse na sobrevivência do espírito. Além disso, para que ocorra a possibilidade de alguém poder “sentar à mesa no Reino do Céu junto com Abraão, Isaac e Jacó” teria que ser porque esses patriarcas estão tão vivos quanto nós”. (IPPB. Mediunidade na Bíblia. Disponível em http://www.ippb.org.br/modules.php?op=modload&name=News&file=article&sid=3888)
Ora, a expressão “antepassados” aparece em centenas de passagens bíblicas. Em Gênesis, ir aos antepassados é uma clara figura de linguagem para morte. Não há qualquer regra de interpretação que permita outra leitura.
Quanto a Abraão, Isaque e Jacó, Jesus ensina que estão no céu e não em algum deposito de almas. Vão comparecer diante de Deus para o apoteótico julgamento final e enquanto isto não se comunicam com os seres humanos. É neste sentido que Deus é Deus dos vivos, não no sentido de que os mortos continuam vivos.
Com relação à palavra “espírito”, ela tem vários significados na Bíblia. No caso de discernimento, refere-se com absoluta certeza (derivada na leitura de todo o Novo Testamento e não de um versículo isolado) a seres humanos e tem a ver com a percepção do entendimento das intenções humanas na adoração e no convívio fraternal. Há outro sentido: todas as vezes que Jesus expulsa demônios, ele expulsa espíritos imundos. Em nenhum momento, ele fala de espíritos bons. Nos outros lugares, Jesus emprega a palavra como sinônimo de consciência.
No que se refere à consulta aos mortos a Bíblia é claríssima. Citemos três instruções:
. “Não recorram aos médiuns, nem busquem a quem consulta espíritos, pois vocês serão contaminados por eles. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês”. [Em outra versão: “Não vos voltareis para os que consultam os mortos nem para os feiticeiros; não os busqueis para não ficardes contaminados por eles. Eu sou o Senhor vosso Deus.] (Levítico 19.31)
. “Não permitam que se ache alguém entre vocês que queime em sacrifício o seu filho ou a sua filha; que pratique adivinhação, ou se dedique à magia, ou faça presságios, ou pratique feitiçaria ou faça encantamentos; que seja médium, consulte os espíritos ou consulte os mortos. O Senhor tem repugnância por quem pratica essas coisas, e é por causa dessas abominações que o Senhor, o seu Deus, vai expulsar aquelas nações da presença de vocês”. (Deuteronômio 18.10-12)
. “Quando disserem a vocês: “Procurem um médium ou alguém que consulte os espíritos e murmure encantamentos, pois todos recorrem a seus deuses e aos mortos em favor dos vivos?” (Isaías 8.19)
Quanto a estas proibições, assim tão enfáticas, uma explicação espírita é a seguinte. “Os espíritos dos mortos eram considerados, por muitos, como deuses. Levando-se em conta que era necessário manter, a todo custo, a idéia de um Deus único, Moisés, sabiamente, institui a proibição de qualquer evento que viesse a prejudicar essa unicidade divina. As consultas deveriam ser dirigidas somente a Deus, daí, por forças das circunstâncias, precisou proibir todas as outras. (…) Moisés não era totalmente contra o profetismo (mediunismo), apenas era contrário ao uso indevido que davam a essa faculdade”. (IPPB. Mediunidade na Bíblia. Disponível em http://www.ippb.org.br/modules.php?op=modload&name=News&file=article&sid=3888) Na mesma linha de explicação, ainda segundo os espíritas, no caso de Saul, seu erro não foi consultar um morto, mas não consultar um profeta, como Deus esperava.
A experiência da transfiguração em que Moisés e Elias aparecem a Jesus (Mateus 17.1-9) é interpretada como uma “ocorrência inequívoca de comunicação com os mortos” IPPB. Mediunidade na Bíblia. Disponível em