A ILEGALIDADE DA LEI (Luiz Sayão)

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Quando os fundamentos estão sendo destruídos, que pode fazer o justo? (Sl 11.3)
 
As palavras deste salmo davídico revelam uma preocupação das mais relevantes para o contexto contemporâneo. O salmo descreve uma situação de profunda decadência moral e social no antigo Israel. Não se sabe com certeza o contexto histórico, mas isso pouco altera a mensagem do texto.
O salmista está desesperado com o triunfo dos ímpios que ameaçam o justo abertamente. Há até mesmo um sentimento de incapacidade diante da maldade dominante. O sentimento beira o ceticismo: que pode fazer o justo? Alguns estudiosos entendem que o texto possa ser traduzido por “o que justo teve condições de fazer?” A idéia contrasta com a esperança que surge no versículo 4, que afirma que o justo, o grande Deus, o SENHOR, “está no seu santo templo”.
A mensagem do salmo 11 revela um contexto que se assemelha à nossa realidade. A maioria dos cristãos evangélicos tem historicamente desenvolvido uma ética individualista voltada para questiúnculas internas da realidade eclesiástica. O grande problema é que enquanto vivemos nesse mundo irreal, a sociedade abandonada ao secularismo infértil e mortal, torna-se cada vez mais perversa e má.
Um exemplo claro disso é a boa preocupação que temos de obedecer à lei. Um bom cristão é aquele que obedece ao estado, que exerce o seu direito, dado por Deus (Rm 13.4). Por isso, os cristãos sérios e sinceros pagam seus impostos, procuram obedecer às leis e agem como bons cidadãos. Todavia, o mesmo texto bíblico estabelece bases para os limites da obediência civil. Em Atos 5.29, proibidos de anunciar o evangelho, Pedro e os apóstolos afirmam: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!” Diante disso, precisamos ampliar o foco de nossa análise ética para entender que “quando os fundamentos estão sendo destruídos” as coisas precisam ser encaradas de modo diferente.
Infelizmente, as leis têm sido tão mal utilizadas, que, em muitos casos, viraram armas de opressão e de destruição. É importante ressaltar que a maioria das atrocidades humanas aconteceu e acontece ‘dentro da lei’. É com base ‘na lei’ que milhares de cristãos são assassinados em países islâmicos, fazendo eco aos outros milhares que morreram sob as ditaduras de inspiração marxista. Foi com base ‘na lei’ que Hitler perseguiu e matou cristãos, ciganos e judeus. ‘A lei’ tem dado direito de matar a milhões de assassinos do mundo que tiram a vida de bebês no ventre da mãe. Em alguns lugares isso já é um direito, um ‘sinal de civilidade’ e ainda é pago pelo estado. Com base na sua ‘lei’ os EUA desrespeitam o ONU e mantêm sua política imperialista no mundo. Com base na ‘lei’, os países muçulmanos tratam as mulheres como seres de ‘segunda classe’. Com base na ‘lei’, os políticos brasileiros votam seus próprios salários e aposentadorias e um salário ‘prá lá de mínimo’ para o povo. A grande verdade é que grande parte da lei hoje serve aos interesses de poderosos cada vez mais ricos. Nunca se viu tanta concentração de poder e de riqueza nas últimas décadas no Brasil e em todo o mundo. Grande parte da humanidade agoniza para sobreviver, enquanto que os mais ricos investem ‘legalmente’ em produtos para cachorros e gatos, em ‘iates’ e em ‘diversão’. A verdade é que a escravidão é um fato ainda hoje. A verdade é que o mundo está sufocando numa luta contra as três maiores fontes de riqueza perniciosas da atualidade: ‘tráfico de armas’, ‘tráfico de gente ligado à prostituição’ e ‘tráfico de drogas’. O perigo muito real é que por força do poder e do dinheiro muitas destas coisas poderão ter o apoio da  ‘lei’. Assim como já é ‘lei’ em alguns lugares o ‘casamento homossexual’, ‘a pesquisa com células-tronco’, ‘o aborto’, ‘a eutanásia’, “a guerra ‘justa'” e etc. A lei está virando ilegal! Pelo menos diante de Deus.
Foi por esta razão que o escritor cristão francês, Jacques Ellul, chegou a propor uma ‘anarquia cristã’. Sua idéia é que os cristãos não poderiam confiar jamais em sistema político nenhum, mas teriam sempre de protestar contra o mal, como verdadeiros exemplares do legítimo ‘sal da terra’. Talvez Ellul tenha exagerado em sua proposta. Todavia, está na hora de alguma coisa ser feita, pois a maldade toma conta do mundo. Pelo menos, uma coisa o justo não pode fazer: ‘Agir como se nada estivesse acontecendo’. Precisamos de muita oração, muita prática da justiça em nossa vida pessoal e de um protesto coerente e adequado (sem ser politicamente vendido ou orientado) contra tanta impiedade. Misericórdia, ó Deus.
Diante disso, que dizer de nossos irmãos evangélicos? Ah! Os evangélicos… Bem, os evangélicos foram cantar um corinho … ou, melhor, lançar um CD … Falando nisso … será que ‘posso pregar sem gravata?’ … o crente deve usar barba? … Será que a bateria pode ficar perto do púlpito? … Usar chinelo na igreja atrapalha a comunhão e o testemunho … ?
 
Luiz Sayão