Tenho falado e ensinado em diversos ambientes eclesiásticos e teológicos: batista, luterano, presbiteriano, metodista, pentecostal, assembleiano, quadrangular, etc. Hoje em dia, percebo que há uma abertura geral em quase todas as igrejas para ouvir idéias doutrinárias e teológicas diferentes. Até mesmo as editoras evangélicas têm publicado livros das mais variadas correntes teológicas. No final das contas, a abertura é tão grande que há pouco exame e discernimento do que está à disposição. Algumas editoras chegam até a ter uma linha contraditória. Quando há algum distanciamento entre alguns grupos evangélicos, isso ocorre por razões de outra natureza e não teológica. É mais uma demarcação de território do que uma discussão de idéias.
A verdade é que no Brasil os contornos teológicos são flácidos, o problema maior, porém, é a fragilidade teológica. Sem conhecimento de filosofia, história, línguas originais, exegese e teologia propriamente dita não é possível fazer teologia de verdade. Infelizmente o que acontece é uma transposição direta de modelos teológicos norte-americanos (conservadores e liberais) e europeus (principalmente alemães). Eu diria que há uma teologia nacional incipiente, que ainda não se cristalizou nem adquiriu forma. Todavia, o movimento é crescente, e creio que chegará a bons resultados. Para que isso aconteça é preciso aproximar a igreja da teologia: nosso povo precisa pensar mais. Outro problema é que muita gente toma decisões teológicas por reação emocional e não por consciência e aprofundamento; cresce o número de pastores que só é contra alguma coisa, sem saber o que ele mesmo é.
Na reflexão teológica não pode haver limites para questionamento e argumentação. Não há como fazer ciência ou teologia com policiamento. A tarefa é árdua. Infelizmente, há em muitos setores o pressuposto obscurantista ou agnóstico de que pensar teologicamente não tem valor; para tais pessoas, o importante é sermos apenas superficialmente amigáveis. É a teologia do “deixa disso”, ou o desprezo da teologia. Além disso encontramos também muita teologia malfeita: quem a faz nem percebe as contradições internas do sistema. Um capítulo da teologia malfeita é a teologia mal intencionada, ou seja, a teologia controlada por uma agenda. É o caso de uma teologia política, os direitistas por exemplo nunca criticam os EUA e seus erros absurdos, já os esquerdistas nunca criticam Cuba e os crimes de regimes marxistas. É um dado viciado! Somente uma discussão franca e aberta pode ajudar o necessário ajuste de idéias.
No meio de toda esta confusão uma tendência teológica preocupante e problemática surgiu nos EUA e já influencia o Brasil. A raiz está no que é chamado de teologia do processo. O movimento começou a ter força nos EUA nos anos 30. Seus principais representantes são Charles Hartshorne, Alfred Whitehead e John Cobb. Em resumo é “o elogio do movimento”.
Esses teólogos enfatizaram que a realidade é um fluxo permanente, e que o próprio Deus está inserido neste fluxo; acabaram adotando uma perspectiva panenteísta (Deus se confunde com a natureza, ainda que seja maior do que ela), afastando-se da teologia cristã histórica. Portanto, a idéia deles é que Deus é um ser mutável e que está num processo evolutivo. Essa teologia influenciou muitos pensadores, inclusive judeus. Merecem destaque o popular Rabino Harold Kushner (autor de Por que coisas más acontecem a pessoas boas, e até certo ponto, Abraham Heschel. Na busca de uma refutação de uma metafísica estática, a teologia do processo define como categoria absoluta o fluxo do tempo. Deus está subordinado a ele, e deixa de ser Deus no sentido bíblico do termo. É uma teologia bem liberal.
Filho da teologia do processo, surge depois o movimento do teísmo aberto. Foi um reflexo da teologia do processo no meio protestante americano. Começou no meio adventista com Richard Rice, e tem como principais defensores teólogos americanos como John Sanders e Clark Pinnock, que foram muito questionados e quase excluídos da Evangelical Theological Society.
O teísmo aberto representa forte reação exagerada contra o calvinismo. A idéia básica desses teólogos americanos é que Deus decidiu abrir mão de sua soberania e da sua onisciência e resolveu não saber e controlar o futuro. Em resumo, Deus “abriu mão de ser Deus”. Na verdade, eles rejeitam a teologia histórica evangélica e ignoram centenas de textos bíblicos que afirmam atributos essencias de Deus (Sl 139). Por incrível que pareça, o intuito original das duas tendências teológicas era positivo. A idéia original era resolver o problema do mal. Como Deus pode ser considerado bom diante de tanta maldade do mundo? O interesse desses teólogos era “livrar” Deus de ser responsabilizado pelo sofrimento que há no mundo. No entanto, o resultado foi catastrófico e trouxe mais problemas do que soluções. A solução simples foi: “Deus precisa deixar de ser Deus, tornando-se menos onipotente e onisciente para que não seja responsabilizado pelo sofrimento do mundo”. Essa teologia americana, “prática” e “simples”, e superficial, é na verdade uma teologia radical, polarizada, que ignora a dialética hebraica bíblica e que desconhece a realidade do mistério.
Como gosto de dizer: Precisamos evitar “a teologia do saci-pererê” (a teologia de uma “perna só”, de uma tendência só, radical). É preciso fugir dos radicalismos: Uns dizem que Deus é só razão, outros afirmam que ele é só emoção. Uns insistem que Deus faz tudo, anulando a ação do ser humano, outros afirmam que Deus não pode fazer nada sem nossa autorização (nós é que decidimos … e ainda chamam Deus de Senhor!!!). Uns preferem um Deus mais coletivo, sociológico; outros afirmam que ele é o Deus individual. Há quem veja Deus como inserido na realidade concreta do mundo; outros o colocam no “milésimo céu”, em sua espiritualidade e distância absolutas. A verdade é que toda teologia radical terá sérios problemas e graves conseqüências. Devemos entender que “duas paralelas só se encontram no infinito”, que toda moeda “tem duas faces” e que a realidade é mais dialética ou “poli-alética”. Na Bíblia, há tensões com as quais precisamos conviver. Se cairmos para um extremo, logo adotaremos uma heresia.
Uma teologia equilibrada trará muitos benefícios para todos:
Em primeiro lugar, seremos mais humildes em nossa afirmação de “conhecimento do sagrado”. Em segundo lugar, aprenderemos a separar questões fundamentais de problemas irrelevantes e pouco importantes. Em terceiro lugar, desenvolveremos uma tolerância e um senso fraternidade e amor cristãos indispensáveis.
A verdade é que precisamos amadurecer nesta direção, pois a igreja brasileira tem mais condições culturais de elaborar uma teologia menos radical do que a teologia da maioria do chamado “primeiro mundo”. Devemos fugir da teologia do saci-pererê, evitando que nossas igrejas saiam por aí, pulando de uma perna só, caindo em bobagens teológicas como o “teísmo aberto”.
Luiz Sayão