BENDITOS SÃO OS AVÓS

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Para o vovô Flauzino, o poeta com quem aprendi que aparência não é nada, e também o que é a morte;
Para a vovó Maria, pelos caranguejos que me preparou, pensando que eu gostava (e eu gostava)

 

Em qual criança
o coração não bateu mais forte na proximidade
da casa do avó,
prenúncio de um tempo de carinho maior,
numa casa construída para o exercício da liberdade?
 
Que lembrança
não ficou da roupa nova e do novo brinquedo,
presentes dos avós
para serem desfrutados logo em grupo e a sós,
ausente qualquer medo?
 
Que infância
teve quem a comida predileta
não estava na mesa da vovó,
espaço do bom e do melhor,
como se ela do nosso gosto fosse exegeta?
 
Quem esperança
não terá de uma vida boa,
vendo-a sob os olhos dos avós,
vivendo-a desde agora e após
ao som do horizonte da palavra que abençoa?
 
Os pais gostam da palavra “nada”
e os avós amam a palavra “tudo”.
O pai repreende o filho
e o avó repreende o pai.
Pai quer tudo agora,
mas avô deixa para depois.
Se os avós “estragam”, é por pouco tempo,
quando a educação dos pais é para sempre.
 
Ter pais é fundamental
e ter avós é essencial,
porque é essencial
uma casa onde se entre correndo,
um colo que se ganha não merecendo,
um beijo que se receba ao chegar e ao sair,
uma mesa de onde as coisas podem cair,
um abraço de banho ainda não tomado,
um tênis bem enlameado,
uma boneca destruída,
uma piscadela correspondida,
uma arvore que não precisa esperar o natal,
umas férias com a cara da cidade celestial,
uma laranja já entrege descascada,
uma carne no prato já bem cortada,
histórias que embalam, mesmo que repetidas,
mãos que seguram, mesmo que enfraquecidas,
sorrisos que perdoam nossos pecados,
preocupações que nos fazem sentir amados.
 
Ser avô é fazer de conta que se é criança.
Ser avô é plantar no neto a boa lembrança.
Ser avô é cultivar o valor da infância.
Só é avô quem sabe que há esperança.
 
Deixem vir a nós
os benditos avós!
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
(julho de 2010)