Carinho para os recenseadores

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A cada período de dez anos os brasileiros somos contados.
Há contados porque há quem conte.
Eu também já contei.
Fui recenseador em  1970. Nessa época, saí pela área rural de Cianorte (no interior do Paraná) a serviço do IBGE. Eu usava um formulário (sem prancheta), com muitos espaços para preencher. Eu me inscrevi na prefeitura e não me lembro de ter feito alguma prova. Recebi as orientações e saí literalmente a campo. Meu interesse era a remuneração e também um senso de missão. Estávamos numa época em que o civismo era uma questão de estado, com o seu “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Fui mesário nas eleições e adorei. Outros tempos: outros interesses.
O que mudou no Brasil, de lá para cá, além da informatização da coleta de dados?
Não tive qualquer dificuldade para fazer o meu trabalho, feito a pé. O grau de desconfiança nas pessoas era muito menor. Os golpistas deviam ser em menor número também.
Quando olho para as duas épocas, como se eu fosse de outra, noto uma área em que a mudança foi profunda. No meu trabalho, passando por sítios e atravessando portões e porteiras, mourões e arames, pântanos e planices, encontrei uma família em que um dos membros era, como depois se diria, especial. Só depois vim a saber o nome da diferença: síndrome de down. Por isto, o rapaz vivia completamente recluso. Ninguém podia saber. 
Toda vez que, na rua ou num centro de compras, eu encontro meninas, rapazes e adultos down circulando abraçados com seus pais ou irmãos, eu me lembro de que fui recenseador.
Aquela efêmera experiência me mostra que o Brasil mudou. Para melhor. 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO