Nós somos capazes de atitudes autodestrutivas
Nós as temos por acharmos que elas não nos destroem.
Nós somos capazes de produzir, guardar, acumular, sedimentar mágoas contra uma pessoa.
Este processo leva anos e, a cada dia, morde os nossos músculos, carcome os nossos corações e estiola as nossas almas.
Se a pessoa contra quem guardamos a mágoa ensaia um gesto de aproximação, nós recusamos. Informada de nosso sofrimento, essa pessoa pode até nos pedir perdão. Simplesmente, nós não acreditamos em sua sinceridade.
Por vezes, num relance de generosidade, até tentamos, mas o corpo não nos acompanha, os pés pesam, os braços nos amarram.
O ódio entrou um dia lábios adentro, aninhou-se no nosso estômago e nós o alimentamos todos os dias. A palavra que nos feriu (mesmo que o nosso desafeto sequer tenha consciência que a proferiu) turbina a nossa memória e produz até lembranças de fatos que nunca existiram. O gesto que nos trouxe a dor original é ampliado como uma onda de calor que visita a floresta inflamável.
Olhamos para o nosso malfeitor e perguntamos a Deus (quando não o maldizemos) porque ele ainda está vivo.
Se temos fé, clamamos a Deus por justiça, embora, no fundo, queiramos o mal do nosso inimigo. Talvez nos contentaremos, se formos vingados, mas nem isto é certo. Até nós lhe viramos o rosto, evitamos estar onde está, negamos-lhe a palavra.
Queremos que a verdade, no caso a nossa verdade, venha à tona e mostre a nossa correção e a nossa bondade. Até lá nós recusamos
Então, a cada dia sorrimos menos.
A cadia dia confiamos menos.
A cada dia brincamos menos.
A cada dia abraçamos menos.
A cada dia vivemos menos.
A cada dia oramos menos.
A cada dia são menores as chances de reconciliação.
A cada dia nos embrutecemos mais.
A cada dia nos fechamos mais.
A cada dia morremos mais.
Na verdade — sejamos sinceros –, calculamos mal. Odiamos num momento, talvez esperando que o nosso ofensor rasteje em nossa direção. Como nem sempre isto acontece, o ódio sobrevive o dia, a semana, os meses, os anos, as décadas. Se mais vivêssemos, sobreviveria os séculos.
Achamos que estamos vivendo, mas estamos morrendo.
Viver demanda coragem.
Coragem de perdoar.
Perdoar demanda coragem.
Coragem de perder.
Perdoar é perder para viver.
A morte mora na mágoa. A vida pulsa no perdão, a casa da liberdade.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO