Sou eu, Senhor, o que comeu o livro amargo
pensando que fosse sempre e todo e tão só dulçor.
Confesso que, no início, minha fé conheceu estrago:
como poderia algo tão indigesto vir do Senhor?
Não sou de obedecer, não gosto, tu me conheces,
mas comi folha por folha, em sombria degustação:
quanto comia (oh, minha alma, por que não esqueces?)
menos entendia eu da tua estranha instrução
Passado o susto (e eu deveria dizer rancor),
foi ficando suave e leve o sabor,
não mais um livro, mas sorvete
de fino chocolate ao puro leite.
Agora a tudo tuas palavras prefiro.
Se foram doces, sorverei.
Se foram ásperas, engolirei.
É por elas que meu gosto afiro.
Sei que nelas nunca há engano.
Jamais me produzem dano.
Não são lisonjas as palavras
que, por me amares, lavras.
Se me parecerem teu dedo em riste,
saberei que serão para o meu bem.
Por um tempo podem me deixar triste,
porque depois é alegria que me mantém.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO