A FÉ ONTEM, HOJE E SEMPRE (Felipe Fanuel)

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(Sb 18, 6-9[1] / Hb 11,1-2)

 Temos o privilégio hoje de ler um texto que fala sobre fé. Fala sobre aquilo que, como bem notou um cantor popular, “não costuma faiá”(sic).[2] Sim! A fé não falha.

A fé é aquele nosso cantinho. Aquele nosso refúgio. Aquela luz no finalzinho do túnel, que insiste em não se apagar. E a fé está sempre ali, no lugar que é só dela.

É impossível viver sem fé. Aliás, todo mundo tem fé. Ninguém consegue fechar os olhos para a esperança. Por mais difícil que esteja a vida, a fé vai sempre nos levar a acreditar que desistir é a pior solução.

Ninguém perde a fé, já que é sempre preciso crer na possibilidade de algo novo acontecer no meio das dificuldades da vida.

E isso só acontece porque eu tenho memória. A fé nos lembra de tudo o que Deus nos fez em outros momentos difíceis. É o passado dando vida ao presente.

Isso mesmo. Parece que nós sofremos de uma amnésia natural. Se eu observar o tamanho da minha cabeça, verei que a cachola é um pouco limitada. Temos o hábito apagar certas informações com o tempo, até por limite de espaço mesmo.

A fé existe exatamente para nos lembrar daquilo que a gente já esqueceu. E a Palavra de Deus é um remédio contra a amnésia, contra a perda de memória. Através das Sagradas Escrituras, somos lembrados que “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e eternamente”. (Hb 13,8)

Vejam como a grande libertação de Israel da opressão no Egito é lembrada em um dos textos que lemos. Vejam que maravilha é não esquecer de tudo o que o Senhor fez por nós. Vejam as sagradas palavras que jamais podem ser apagadas da nossa memória. Vejam as sagradas palavras que não morreram ontem, mas continuam as mesmas hoje e eternamente. Vejam um Deus que libertou, liberta e sempre nos libertará de todo o mal. Diz assim o texto. Vejam vocês:

 A noite da libertação fora predita a nossos pais, para que, sabendo a que juramento tinham dado crédito, se conservassem intrépidos. Ela foi esperada por teu povo, como salvação para os justos e como perdição para os inimigos. Com efeito, aquilo com que puniste nossos adversários, serviu também para glorificar-nos, chamando-nos a ti. Os piedosos filhos dos bons ofereceram sacrifícios secretamente e, de comum acordo, fizeram este pacto divino: que os santos participariam solidariamente dos mesmos bens e dos mesmos perigos. Isto, enquanto entoavam antecipadamente os cânticos de seus pais. (Sb 18, 6-9)

Como a fé dos antigos fortalece a minha fé! Cada vez que lembro do meu querido avô, assobiando a melodia de um hino aos domingos de manhã, sou encorajado a fazer o mesmo. Aliás, um dia desses fui pregar em uma igreja e me contive para não chorar quando cantamos um hino[3] de que ele gostava muito. Fiquei pensando: “O que o vovô diria se me visse chorando na frente da igreja, na hora da pregação? Ele não gostaria de ver isso!” Meu avô se foi, mas a sua fé permanece viva. Ele é sempre será o meu herói da fé.

Como é bom lembrar desses heróis e heroínas da fé. Homens e mulheres que marcaram a nossa vida e que plantaram aquele “grão de mostarda” dentro de nós. Lembram do grãozinho sobre o qual Jesus falou? Basta um grãozinho de fé, uma luzinha lá no final do túnel, para a gente acreditar que é possível mover montanhas, (Mt 17,20) que a esperança é a última que morre.

Convido você a ouvir as doces palavras divinas, que mexem com o meu coração cada vez que penso nisso: “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem.” (Hb 11,1)

Aqui a fé aponta também para o futuro. Por meio da fé posso esperar algo que ainda não vejo. Tenho esperança.

A fé é o passado dando vida ao presente. Mas é também o presente com olhos no futuro. Isso quer dizer que com a fé, a gente pode erguer a cabeça e olhar para frente.

Assim como aquela difícil noite jamais será esquecida pelos hebreus, quando os seus filhos mais velhos foram salvos da morte, assim também jamais deixaremos de lembrar que Jesus nos chamou da morte para a vida, ao dizer: “Vinde a mim todos vós que estais cansados sob o peso do fardo, e eu vos darei descanso.” (Mt 11,28)

Eu acredito no “des-canso” do Senhor. Acredito porque sou lembrado de que “até aqui o Senhor nos socorreu”. (1Sm 7,12) Ele é a Pedra do nosso Socorro, não a pedra no meio do caminho.

Que as nossas noites difíceis sejam sempre lembradas! Que as nossas libertações jamais sejam esquecidas! Bendita seja a lembrança que Deus nos dá de seu “abrigo no dia da angústia”! (Na 1,7) Bendita seja a fé!

Termino orando com Tomás de Kempis, monge agostiniano, nascido em 1380. Seu livro Imitação de Cristo tem sido uma das obras mais significativas sobre fé que já li. Gostaria de compartilhar apenas uma oração, que está pregada no meu armário há alguns meses. As palavras desta oração têm feito parte da minha vida neste ano de 2010.


Oração contra os maus pensamentos
[4]
Senhor meu Deus, “não Vos aparteis de mim, vinde em meu socorro” (Sl 70,12), porque me assaltaram pensamentos vários e grandes temores agitam minha alma. Como escaparei ileso, como poderei vencê-los?
“Eu irei à tua frente — diz o Senhor — e humilharei os poderosos da terra” (Is 45,2); abrir-te-ei as portas do cárcere e te revelarei mistérios recônditos.
Fazei, Senhor, conforme dizeis e que vossa presença dissipe todos os maus pensamentos.
Esta é a minha única esperança e consolação: a Vós recorrer em toda tribulação, em Vós confiar, invocar-vos de todo o coração e com paciência aguardar a vossa consolação.

Amém.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Texto deuterocanônico.

[2] “Andar Com Fé”, de Gilberto Gil.

[3] Trata-se do hino “565 – Separação”, do Cantor Cristão.

[4] KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 93.