INTOLERÂNCIA E PRECONCEITO? DE QUEM? (Luiz Sayão)

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A generalização é conhecida: “Os religiosos são cheios de preconceitos”. Cuidado com religião! Qual a razão dessa discriminação? Há um preconceito disseminado que vê “a religião” como artigo de perfumaria. Uma espécie de “esquisitice” de alguns. Um gosto pessoal, que podemos respeitar por amor à liberdade. No entanto, toda pessoa instruída sabe que idéias religiosas não são nada científicas. Senti isso de perto nos anos de Universidade. Por isso, na sociedade secular, humanista, que tem um pressuposto oposto ao da fé, particularmente do cristianismo, a religião é cuidadosamente vigiada. Por exemplo, os jornais e veículos de comunicação a ignoram. Não há uma coluna sobre religião. Não há espaço para religiosos, exceto se houver razões políticas. Todo tipo de ideologia merece espaço na educação formal, mas falar de religião é proibido: Não pode! Nos EUA até dizer “Feliz Natal” já se tornou um problema. A União Européia tentou extirpar Deus da sua constituição. Conseguir entrar em um país como religioso, inclusive nos EUA e na Europa, é expôr-se à mais vergonhosa humilhação. Jogadores de futebol que expressam sua fé em campo precisam ser repreendidos. Não há curso sobre religião nas universidades, nem numa prestigiada USP. Mesmo que mais de 90% do povo brasileiro se afirme religioso, isso é problema deles. Até os cursos de teologia enfrentam uma grande batalha para serem reconhecidos. Até pouco tempo, um teólogo não podia ser reconhecido como tendo diploma superior.

Por que será que isso acontece? De onde vem essa marginalização? A origem de tudo é histórico-dogmática. De acordo com os dogmas do século XIX, a religião deve ser vista como fenômeno irracional, uma espécie de etapa evolutiva inferior. Os positivistas, por exemplo, a viam como o primeiro de três estágios da história humana. A etapa científica era o culminar de um processo que havia passado pelas fases religiosa e filosófica. A verdade, porém, é que a fé religiosa é uma das experiências tão autênticas quanto à arte. Nunca foi encontrado um só povo em toda a história humana que não tenha desenvolvido algum tipo de religião. Apesar disso, a religiosidade humana tem sido considerada neurose ou fruto da ignorância. Os preconceituosos anti-religiosos do século XIX, como os positivistas, ficariam perplexos diante do declínio do racionalismo e do ateísmo estéril e do crescimento do misticismo religioso nas sociedades industrializadas de hoje.

As principais interpretações hostis à religião, especialmente ao Cristianismo podem ser resumidas. Ludwig Feuerbach, herdando o agnosticismo metafísico de Kant e o ceticismo de David Hume, entendeu o fenômeno religioso como essencialmente psicológico. Feuerbach afirmava que Deus fora inventado pelo homem. Deus seria uma espécie de projeção psicológica de todas as qualidades mais excelentes do ser humano. A consciência de Deus é autoconsciência. Não foi Deus quem criou o homem, mas foi o homem que criou a divindade. Já Sigmund Freud, o pai da psicanálise, escreveu uma obra chamada “O Futuro de Uma Ilusão”. Nela Freud esboça suas críticas à religião. Para Freud a religião era uma neurose desenvolvida pela sublimação dos instintos; Deus não passa da projeção da figura do pai. O religioso é uma espécie de “doente da alma”. Outro crítico feroz da religião foi Karl Marx. Rejeitando o judaísmo e posteriormente o cristianismo, o ateu Marx definiu a religião como o “ópio do povo”. Para ele, o fenômeno religioso era apenas uma arma dos opressores, útil para a manipular as classes dominadas. No caso de Friedrich Nietzsche, filho de pastor, a idéia era o oposto! Ele via a religião como uma defesa dos fracos contra os fortes. O ódio de Nietzsche pelo cristianismo se expressava na crítica de que a fé cristã elogia o pobre, o humilde, o necessitado e destina o rico e poderoso à condenação; a religião era portanto uma arma ideológica dos miseráveis e inferiores contra os aristocratas e superiores.

Mesmo que o cenário contemporâneo de estudo da religião tenha se libertado dos preconceitos do século XIX, a realidade prática ainda não mudou. Vale mencionar a abordagem do filósofo e pastor Sören Kierkegaard que ajudou a tirar a religião da marginalização cultural. Ele entendia que a religião não se limitava à lógica. Kierkegaard definia o estágio superior da experiência humana como o estágio religioso. Só se chega a ele por meio da intuição e da fé. O homem crê em Deus não pela razão, mas apesar dela. Defendia uma fé subjetiva e apaixonada. A verdade religiosa era de natureza distinta das verdades objetivas da ciência. Todavia, era uma verdade tão sublime que o cristão ousa morrer por ela, enquanto que por uma lei da ciência, por exemplo, ninguém jamais morreria. Outro destacado estudioso do assunto foi Rudolf Otto. Entendendo a categoria do sagrado como o numinoso, isto é o inefável, indefinível, Otto o via como não-racional. A relação com o sagrado estabelece uma dualidade: a repulsão e a fascinação. A repulsão é o mysterium tremendum, que envolve o aspecto de temor e repulsa do sagrado; o fascínio, mysterium fascinans diz respeito à bondade, à graça e a tudo que atrai no sagrado. Poderíamos ainda mencionar outros como Mircea Eliade, Paul Tillich e Schleiermacher, que ajudaram a reconhecer o fenômeno religioso como autenticamente humano e essencialmente positivo.

A discussão sobre esse assunto é vital, pois hoje o problema principal do mundo é religioso. Os adeptos da religião dominante do ocidente, o humanisto ateísta, há muito trabalham para “varrer” o cristianismo do Ocidente. As idéias de amor, perdão, graça, repressão voluntária das paixões más, e o valor intrínseco do ser humano, vindas da religião de Jesus de Nazaré incomoda e perturba a sociedade pós-cristã que adora o “deus-dinheiro” e vê grandes perdas financeiras caso a consciência ética cristã tenha espaço e prejudique as “indústrias da morte, do sexo e da alienação”. Centenas de milhares de cristãos foram assassinados por sua fé no século XX. Não sai em nenhum jornal! O caso do afegão Abdul Wakil Omeri no Afeganistão é rotineiro! Todavia, agora as coisas se complicaram. Há uma grande guerra pela frente! Os humanistas ateus estão tendo confrontos com o mundo islâmico. Acostumados a vilipendiar por filmes, seriados e documentários o cristianismo, agora estão diante de um grande impasse. Como será o conflito dessas duas grandes religiões, que jamais concordariam com as palavras do homem de Nazaré: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa vocês receberão? Até os publicanos fazem isso!  (Mt 5.43-46)

Está na hora da sociedade, principalmente a classe dominante brasileira, discutir religião e tirá-la da marginalidade. Seguir cegamente as diretrizes falidas do humanismo ateu do século XIX, que semeou ideologias que colecionam centenas de milhões de homicídios (contando guerras, abortos e homicídios), não dará em nada. Não se pode tapar o sol com a peneira, principalmente “o Sol da Justiça”.

Afinal, como diz a Bíblia:

Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade. (Ec 3.11)

Diz o tolo em seu coração: “Deus não existe”. Corromperam-se e cometeram atos detestáveis; não há ninguém que faça o bem. (Sl 14.1)

(LUIZ SAYÃO)