Diferentes os evangélicos queremos ser, menos num ponto. Precisamente naquele que, talvez, fizesse a grande diferença.
Nestas próximas eleições, é possível que ajamos como todos os mortais, com muita vontade de não votar ou de anular o voto ou de votar em branco. Este é o padrão que faz circular os desejos neste país desigual na justiça e igual no cinismo.
Os que temos esperança podemos justificar o cinismo. Afinal, sabemos que as estruturas humanas, porque humanas, jamais serão redimidas enquanto o Redentor não voltar. Sabemos e é verdade.
No entanto, Aquele que proclamou esta verdade, curou os doentes. Seus contemporâneos o questionaram, porque ele não poderia curar todos os doentes no mundo, mas ele, mais sábio do que nós, curou os que se encontraram com ele. Ele alimentou alguns pobres, embora não tenham mitigado a fome de todos os pobres da Palestina. Não que o quisesse, ele sabia que os pobres seriam uma realidade no mundo.
O seu Deus, que é o nosso Deus, fez o mundo para a felicidade. Jesus-Deus veio ao mundo para tornar as pessoas felizes. No seu coração, desde a eternidade, seu projeto nunca mudou. Ele sempre quis que as crianças morressem na velhice, que os trabalhadores do campo pudessem viver do campo e que os trabalhadores urbanos pudessem sobreviver da força do seu trabalho. O projeto foi traduzido para nosso entendimento pelo profeta Isaías (65, 17-25). Lê-lo como uma antecipação do milênio é uma violência que faria chorar o autor e o Autor do desejo.
Que a verdade ali expressa só se concretizará quando o tempo foi concluído é uma verdade. Que nos compete cruzar os braços e torcer pelo pior é brincar (no pior sentido do verbo) de ser cristão. A prática de Jesus, que é o nosso modelo, nega qualquer expulsão da felicidade para o reino dos céus, que Ele veio fazer chegar.
Enquanto o reino não se completa, devemos anunciá-lo e demonstrar os seus frutos. Agir diferente é fazer Deus mentiroso.
Como fazer isto?
Ainda não inventaram possibilidade melhor que a política, esta arte do consenso pela qual os povos se governam. Pode ser difícil mudar o mundo pela política, mas será muito mais difícil ainda sem ela.
O “nojo” (com desculpas pela expressão) que sentimos pela política, pelo modo sórdido com que, geralmente, é exercida, devia ser de nós mesmos. Como temos escolhido as pessoas em que depositamos nossos votos? Como temos acompanhado o cumprimento do mandato que nós lhe delegamos? Por duro que seja, é preciso dizer: os políticos brasileiros não são piores dos que os eleitores brasileiros.
Enquanto sentimos nojo dos ratos que fazem a festa no porão ou no sótão de nossa casa, eles proliferam. Se demorarmos a agir, eles descem ou sobem para dentro da casa e fazem a festa. De igual modo, sentir nojo da política não basta. É preciso matar este modo de fazer política.
Há dois modos de fazê-lo: uma revolução, interrompendo-se a ordem das coisas postas, ou a democracia do voto. A primeira envolve complicadores imprevisíveis. A segunda demanda tempo, mas é a menos complicada.
O tempo será menor ou maior dependendo da consciência crítica dos eleitores. No Brasil, tem durado séculos, porque o voto é vendido (ou comprado), no caso específico, por um sinal em frente à igreja, por um ônibus para uma excursão, pelo nome de uma rua a um pastor morto, por um discurso maneiroso no púlpito, pela promessa de um emprego para um parente.
Como somos iguais nos padrões clientelísticos que imperam na sociedade, não fazemos diferença. Como somos iguais nos padrões do desinteresse, achando que nós os representamos (e não o contrário), não fazemos diferença. Como somos iguais nos padrões de acreditar num salvador (logo nós que já temos Um), não fazemos diferença.
É uma pena.
Lendo e agindo pelo livro que coloca a partitura da canção de nossa vida, podíamos fazer a diferença. Mesmo errando, devíamos votar naquele candidato que estivesse compromissado, na teoria e na prática, com os valores desejados por Deus no seu reino, mesmo que eventualmente não seja contado no rebanho do Sumo Pastor. Se for, melhor.
Devíamos votar no candidato, seja qual for o cargo em disputa, cuja vida parece indicar a intenção de servir, não de ser servido. Podemos errar e nas próximas eleições podemos devolvê-lo ao esquecimento de onde nunca deveria ser lembrado.
Devíamos proceder assim e já faríamos alguma diferença.
Devíamos, não. Devemos e já faremos alguma diferença.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
(Texto escrito em 1994)