DIA DE AÇÕES DE GRAÇAS
PARA QUE NOSSO SACRIFÍCIO DE GRATIDÃO SEJA ACEITO
(Levítico 22.29-30)
Encontramos em Levítico um convite bastante estranho à nossa cultura, mas de valor universal:
“Quando vocês oferecerem um sacrifício de gratidão [sacrifício de ação de graças — ARA] ao Senhor, ofereçam-no de maneira que seja aceito em favor de vocês. Será comido naquele mesmo dia; não deixem nada até a manhã seguinte. Eu sou o Senhor” (Levítico 22.29-30).
Certamente o verso 30 nos surpreende, ao dizer que se devia comer no mesmo dia a oferta oferecida ao Senhor.
Lembremo-nos que no Antigo Testamento os sacrifícios eram de dois tipos: feitos de carne (logo, cruentos, com a morte do animal sacrificado) e de frutos da terra (logo, incruentos), constituindo de frutos da terra, como grãos e seus derivados (pães e bolos) e vinho.
Os sacrifícios de ações de graças consistiam no oferecimento de carne (pelo sacrifício de animais) e de alimentos derivados dos grãos.
A leitura de Levítico 7.12-15 nos ajuda no entendimento do assunto:
“Se alguém a fizer por gratidão, então, junto com sua oferta de gratidão [animal sacrificado], terá que oferecer bolos sem fermento e amassados com óleo [azeite], pães finos [coscorões — ARA] sem fermento e untados com óleo [azeite], e bolos da melhor farinha bem amassados e misturados com óleo [azeite].
Juntamente com sua oferta de comunhão por gratidão, apresentará uma oferta que inclua bolos com fermento.
De cada oferta trará uma contribuição ao Senhor, que será dada ao sacerdote que asperge o sangue das ofertas de comunhão.
A carne da sua oferta de comunhão por gratidão será comida no dia em que for oferecida; nada poderá sobrar até o amanhecer” (Levítico 7.12-15).
Esses alimentos eram comidos pelo sacerdote e pelos cultuantes. A razão para que fosse ingerido no mesmo dia tem um componente higiênico, para que ninguém comesse alimento estragado (Levítico 7.18).
Podemos pensar num outro motivo, de natureza espiritual: o que foi oferecido é para ser dividido, distribuído, não guardado. Imaginemos: o ofertante chega com o seu animal e seus bolos. Uma parte é queimada; outra parte fica para o sacerdote; a terceira parte é para ser comida (festivamente) por todos. No entanto, quem levou pode reter… para amanhã. Não: se foi oferecida, não lhe pertence mais. A instrução é didática, para ensinar o que é uma oferta de ações de graças.
A partir daí, podemos derivar outras aplicações, mas antes precisamos registrar, para que os cristãos não esqueçam. Os sacrifícios foram abolidos ainda ao tempo do Antigo Testamento. Quando o segundo templo foi destruído (ano 70 d.C), os sacrifícios foram extintos, permanecendo, no entanto, entre os samaritanos (onde ainda persiste). Já antes do fim do segundo templo, os sacrifícios começaram a ser criticados pelo seu formalismo, já que sua prática não implicava necessariamente em atitude do coração. Por isto, muitos profetas protestaram:
. “Para que me oferecem tantos sacrifícios?”, pergunta o Senhor. “Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos. Não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes!” (Isaías 1.11).
. “Desejo misericórdia, e não sacrifícios; conhecimento de Deus em vez de holocaustos” (Oseias 6.6).
Jesus tem a mesma visão, quando ensinou: “Vão aprender o que significa isto: ‘Desejo misericórdia, não sacrifícios’. Pois eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Mateus 9.13).
Os cristãos nunca praticaram qualquer tipo de sacrifício, cruento ou incruento. Os cristãos, no entanto, reconhecem que é preciso um sacrifício para a expiação da culpa, mas este sacrifício foi feito por Jesus Cristo na cruz. Ali, “por meio de um único sacrifício”, Jesus “aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados” (Hebreus 10.14).
Não há que se falar em sacrifício, portanto, exceto num sentido simbólico (ou poético), nunca real.
Usamos a palavra, mas com outro sentido, que preserva a intenção dos antigos sacrifícios. O apóstolo Pedro fala na dimensão espiritual desses sacrifícios depois do ministério de Jesus Cristo: “vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo” (1Pedro 2.5).
Com estas lembranças, podemos retornar às instruções em Levítico.
“Quando vocês oferecerem um sacrifício de gratidão [sacrifício de ação de graças — ARA] ao Senhor, ofereçam-no de maneira que seja aceito em favor de vocês. Será comido naquele mesmo dia; não deixem nada até a manhã seguinte. Eu sou o Senhor” (Levítico 22.29-30).
O que é sacrifício de gratidão?
1. Sacrifício de gratidão é oferta feita como uma forma agradecer. Ação de graças é gesto de quem não espera receber de Deus. Como recebeu, agradece a Deus. Quem dá louvor a Deus não o faz para receber mais; é porque já recebeu
2. Sacrifício de gratidão é oferta feita com confiança. É por isto que Levítico instrui que não se deve guardar o que Deus deu. Ele dará de novo. Isto é confiança. Deus é nosso pastor e nos conduziu por pastos verdejantes e continuará conduzindo. Quem agradece sabe que nada lhe faltou: nada lhe faltará.
3. Sacrifício de gratidão é alegria pela salvação. Graças à salvação oferecida na cruz, não é preciso mais sacrifício. O sacrifício que precisava ser feito foi feito por Jesus.
4. Sacrifício de gratidão implica em confessar os nossos pecados. O autor aos Hebreus nos pede: “Por meio de Jesus, portanto, ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hebreus 13.15).
5. Sacrifício de gratidão deve ser contínuo. O mesmo autor aos Hebreus que lemos nos convida a que “ofereçamos CONTINUAMENTE a Deus um sacrifício de louvor” (Hebreus 13.15). Quando nos encontrarmos com Jesus na nossa casa final, repetiremos dia e noite sem cessar: “Santo, santo, santo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir” (Apocalipse 4.8).
6. Sacrifício de gratidão se manifesta na partilha do que se tem. A Bíblia é clara: “Não se esqueçam de fazer o bem e de repartir com os outros o que vocês têm, pois de tais sacrifícios Deus se agrada” (Hebreus 13.16).
7. Sacrifício de gratidão é um olhar para as pessoas como homens e mulheres a quem Deus ama e que devem recebidas com simpatia e, se necessário, compaixão e, sempre, também gratidão. Enquanto escrevia este texto, recebi a seguinte mensagem eletrônica: “Meditando na vida, no meu coração cresceu um forte desejo de te escrever para agradecer. (…) Agradecer por sua presença marcante em muitos momentos decisivos na minha vida. Agradecer por sua amizade. Tenho muito apreço por você e pela relevância de sua vida nas nossas”.
Ouso sugerir: assim que puder, escreva um email para alguém, nestes termos, telefone, convide para um lanche. Agradeça o presente da amizade, com palavras e mais que palavras.
8. Sacrifício de gratidão é olhar para todas as coisas da vida, sobretudo as mais simples e comuns, como dádivas de Deus.
Li há muitos anos uma crônica de Leonardo Boff:
“Há uma caneca de alumínio. Daquele antigo, bom e brilhante. O cabo já está partido, mas dá-lhe um ar de antiguidade. Nela já beberam os 11 filhos, desde pequenos a grandes. Ela acompanhou a família nas muitas mudanças que fez. Da aldeia para a vila, da vila para a cidade. Houve nascimentos. Houve mortos. Ela participou de tudo. Andou sempre conosco. É a continuidade do mistério da vida na diferença das situações vitais e mortais. Ela permanece. Sempre brilhante e antiga”. (BOFF, Leonardo. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos. Petrópolis: Vozes,1992, p. 16)
Desde então dou graças a Deus pelo meu travesseiro, alto, para aliviar minha hérnia de hiato; pelo meus dois pares de sapato, sempre da mesma marca, nas cores preta e marrom; pela minha coleção das obras de Machado de Assis. Já dei graças pela minha máquina de escrever, porque detesto escrever a mão. Ainda dou graças pelo meu ouvido 100%, que compensa a nulidade do outro. Sim, eu dou graças por coisas, mesmo sabendo que são apenas coisas, mas coisas de Deus na minha vida.
Por isto, escrevi para esta mensagem esta oração:
“Eu te agradeço, Senhor, pela manhã
que me vê despertar sobre dois pés
que me fazem deixar o dócil leito
que me aconchegou como bebê em seu peito
que me põem no prazer das águas do chuveiro
que acordam, limpam e renovam meu corpo por inteiro
Eu te agradeço, Senhor, pela cadeira
em que, ainda anoitecido, me assento
para o esperado primeiro alimento
pela água que ainda fumega na chaleira
pela caneca que harmoniza o leite com o café
pela faca que distribui nos pães as margarinas
pelo jornal que tão cedo posso ler
pelos lábios que sorvem estas matinais vitaminas
Eu te agradeço, Senhor, pelo beijo
que um “bom dia” me deseja
ou um “Deus-te-abençoe” me diz
pela porta que se fecha atrás de mim
pelo corredor que me leva adiante
pelo elevador que me poupa esforço
pelo janitor que a saudação não disfarça,
pelo expositor de manchetes de graça
pelo condutor do ônibus e do vagão
pelos degraus que subo ou desço
pelas calçadas, de pedras portuguesas ou brasileiras
até aquelas em que (ai!) tropeço
Eu te agradeço, Senhor, todo suado
pelo trabalho, mesmo o que me deixa estressado
pelo almoço, em pé ou sentado
pelo cafezinho, suave ou encorpado
pelo descanso, que me deixa reanimado
Eu te agradeço, Senhor, por ter voltado
aos meus e à minha casa, feliz e cansado
Eu te agradeço, Senhor, pelo lazer
pelo descanso, pela comunhão perene
pelo telefone que me deixa conectado
pelo videogame, pelo twitter, pelo facebook, pelo msn
pelos sites e por todos os e-mails trocados
pelo jornal, pela novela e pelo futebol televisionado
Eu te agradeço, Senhor, pelo Livro sagrado
em cujas paginas sou docemente orientado.
Eu te agradeço, Senhor, por este teclado
e por este sono que está ficando pesado
para me dizer que logo precisarei despertar
e com todo o meu fôlego te festejar:
ALELUIA! “
(LOUVOR PELAS COISAS)
9. Sacrifício de gratidão é o reconhecimento do prazer da leitura Palavra de Deus. Nós somos abençoados, privilegiados, desafiados, animados, confortados, orientados pela Bíblia, este volume impresso que temos em casa e carregamos por ai.
Quero agradecer então também por uma noite destas. Recostado numa deliciosa cadeira estofada reclinável pela qual sonhei a vida inteira e que minha esposa me convenceu a comprarmos, abri, ao acaso, a Bíblia. Li uma passagem, tantas vezes percorrida, e não consegui ler o resto da conhecida história:
“Quando Daniel soube que o edital [que o condenava a morte, na boca de leões na cova] estava assinado, entrou em sua casa, no seu quarto em cima, onde estavam abertas as janelas que davam para o lado de Jerusalém; e três vezes no dia se punha de joelhos e orava, e dava graças diante do seu Deus, como também antes costumava fazer”. (Daniel 6.10)
Eu fiquei chocado: o condenado dava graças a Deus! O condenado agradecia a Deus três vezes ao dia e de joelhos!
10. Sacrifício de gratidão é um transbordamento de alegria, cantado magistralmente pelo salmista, mas, antes, preciso falar de dois instrumentos: trombeta, lira, harpa, tamborim, instrumento de corda, flauta e címbalo.
Trombeta é o shofar (instrumento de sopro em forma de chifre).
Lira e harpa são instrumentos de corda; a lira era o principal instrumento do templo (desde Davi, que o tocava bem), sendo tocado com uma palheta; a harpa (ou saltério [vi um no Museu Imperial de Petrópolis] tem cordas estendidas e pedais.
Tamborim (ou adufe) é tambor, instrumento de percussão tocado com as duas mãos frontais, muitas vezes usado na dança de roda.
Instrumento de corda é a citara, também tocada com palheta e derivada da lira.
As flautas são bem conhecidas ainda hoje
Os címbalos (ou sistros) são pratos de metais com diferentes potências.
Então, podemos ler com todo vigor:
“Aleluia! Louvem a Deus no seu santuário, louvem-no em seu magnífico firmamento.
Louvem-no pelos seus feitos poderosos, louvem-no segundo a imensidão de sua grandeza!
Louvem-no ao som de trombeta, louvem-no com a lira e a harpa,
louvem-no com tamborins e danças, louvem-no com instrumentos de cordas e com flautas,
louvem-no com címbalos sonoros, louvem-no com címbalos [instrumento parecido com o cravo] ressonantes.
Tudo o que tem vida louve o Senhor! Aleluia!” (Salmo 150)
Que o compromisso do poeta bíblico, que e o meu, seja o seu também:
“Oferecerei a ti um sacrifício de gratidão e invocarei o nome do Senhor” (Salmo 116.17).
ISRAEL BELO DE AZEVEDO