Todos nós ficamos impressionados com o lindo texto de Gênesis 22, cuja história nos relata a prova máxima da fé de Abraão. Até certo ponto temos inveja de tamanha fé. Quantos fatos tremendos aconteceram na vida deste patriarca na sua jornada pelo deserto. A começar pela saída da sua parentela, do meio de um povo de costumes e crenças mergulhadas na adoração da Lua e iniciando, já em tenra idade, uma nova fé, baseada num Deus diferente, que se não pode ver ou associado com nenhum objeto. Este homem já velho recebeu por seis vezes a visita física de anjos nas suas tendas por onde habitou e ouviu a voz nítida de Jeová, em ocasiões inesperadas; conquistou e provou seu respeito a reis diversos ao seu redor através de guerras que venceu; cavou poços e pagou fiança por eles; trouxe seu dízimo a um tal Melquisedeque e foi abençoado por ele; teve seu nome mudado; negou por duas vezes que era casado; recebeu promessa de ter um filho na sua velhice com Sara, sua mulher, mas acabou engravidando uma de suas escravas; conseguiu impedir a destruição de Sodoma, até que seu sobrinho Ló fosse retirado da cidade, dentre outros fatos marcantes da sua historia, incluindo o nascimento inédito de seu filho, tão prometido.
É difícil mas não impossível para nós, humanos, tentar entender o plano de Deus, crer e ter fé suficiente para explorar a riqueza do seu significado. Num texto desses em que o nosso raciocínio tende a buscar um final feliz, a gente se depara com um episódio fatal. Deus quer agora Isaque de volta e pede a Abraão que sacrifique seu único filho. O texto não nos revela questionamentos, a não ser o cenário de subida deprimente de pai e filho rumo ao Monte Moriá. É difícil acreditar que não houvesse diálogo entre pai e filho. Qual pai não responde ao filho? Da parte de Abraao talvez a conversa tivesse gosto diferente — o de sangue, de despedida, de ponto final.
Para Isaque, o sacrifício a ser realizado não estava completo, faltava alguma coisa. Embora novo, o filho tinha experiência suficiente de ter participado, junto com o pai, de rituais anteriores, ao ponto de perceber que o cordeiro, parte integrante do sacrifício, estava faltando. O pai era velho, sim, mas lúcido e acreditado pela família e empregados; tinha voz e autoridade o bastante para impor um milagre. "Pai, estou vendo o fogo e a lenha, mas onde esta o cordeiro para o holocausto?" (Gênesis 22.7).
Creio que muito de nós fomos abençoados com a resposta de fé de Abraão ("Deus provera"), que nos ensina a crer no Jeová que providencia; no Jeová que nos surpreende com saídas misteriosas. Glória Deus por isso! Mas enquanto Abraão exercita uma fé capaz de reverter o quadro presente, profetizando no tempo futuro, nós, igreja de Cristo, abençoada em Isaque, temos o privilegio de confessar que Deus já proveu, no tempo passado, o Cordeiro para o holocausto.
Tanto Abraão como nós empenhamos a mesma medida de fé para crer no milagre do sacrifício. O grau de demanda é o mesmo. Quer seja para crer na provisão de um cordeiro num futuro próximo, quanto para crer num Deus que já o providenciou na cruz do Calvario. O sacrifício de Jesus como válvula de escape foi o plano de Deus desde o principio e requer fé para se tornar realidade pessoal.
Penso que temos de evitar questionar a fé dos grandes patriarcas achando ser impossível alcançar aquela fé de homens famosos que a Biblia relata, quando Deus quer manifestar essa mesma fé em nós, no tempo presente, hoje. O esforço e a medida de fé antes e depois do sacrifício são os mesmos. A pergunta de Isaque, feita milênios atrás "onde esta o cordeiro para o holocausto?", ganha hoje uma nova perspectiva.
Nós, isaques, filhos de Abraão, perguntamos para nós mesmos a mesma pergunta numa versão diferente "Temos o Cordeiro para o holocausto, mas onde estão o fogo e a lenha?" A dimensão da providência alcançou em nos um nível mais alto de reconhecimento. O nosso desempenho no entendimento desse sacrifício total demanda a nossa partipacao, a de crer que Deus nos deu o "Cordeiro que tira o pecado do mundo" (João 1.29). Cabe-nos providenciar fogo e lenha. Que Deus nos ajude a descobrir os mistérios deste fogo e lenha, indispensáveis ao nosso sacrifício presente.
Que saibamos nos suprir de sabedoria e poder do Espirito de Deus nesta subida que empenhamos quando abraçamos a fé. Já estamos quase no topo da montanha. Um pouco mais de meditação na Palavra, um pouco mais de oração, um pouco mais de evangelismo, um pouco mais de contribuição, um pouco mais de visita a hospitais, hospícios e cadeias. Lenha e fogo. Um pouco mais de compreensão, um pouco mais de tolerância, um pouco mais de obediência, um pouco mais de amor, um pouco mais de esperança. Lenha e fogo. Se imitarmos Salomão, seremos sábios o suficiente para enxergar que para o sacrifício completo são necessários fogo e lenha, quando expressou: "Sem a lenha, o fogo se apagará" (Provérbios 20:.26).
Quantos de nós subimos diariamente ao Monte Moria ou estamos há anos empenhados nesta subida? Quantos de nós, na tentativa de fazer a entrega daquilo que e mais valioso na nossa vida ao Deus eterno, iniciamos uma caminhada longa que demanda renúncia, esforços e sacrifícios físicos e espirituais. Talvez não abrimos a nossa boca (para as pessoas de fora), mas, no nosso íntimo, gememos, gritamos, pulamos e esperneamos, desesperados por ouvir, no topo da montanha, o que Abraão ouviu: "Agora sei que temes a Deus" (Genesis 22.12)
Lenha e fogo. Talvez sejam o que faltam para o nosso sacrifício, hoje.
DINAURA BARCELOS