DEUS É BOM (Alcenir Ancelmé da Mota)

Quando nos deparamos com uma situação como a que está ocorrendo na região serrana, em que famílias inteiras perdem suas vidas e em que bens materiais, frutos de uma vida de trabalho, são soterrados num piscar de olhos, com a destruição e a miséria assumindo proporções gigantescas, como encontrar palavras que devolvam a esperança e a alegria aqueles que sobreviveram a tragédia? Como fazê-los acreditar em Deus? Como crer no cuidado de um Deus bom?

 

O salmo 34 pode nos ajudar nesta difícil tarefa.

 

O salmista inicia prometendo que bendirá o Senhor todo o tempo da sua vida e que seus lábios não farão outra coisa a não ser louvar a Deus. Que até a sua alma se gloriará no Senhor. Depois, faz um pedido no minimo intrigante. Ele pede para que os oprimidos ouçam bem o que ele está dizendo e que juntos a ele proclamem a grandeza de Deus e exaltem o seu nome. A pergunta que não quer calar é: por que os oprimidos fariam isto? Eles estão sendo oprimidos, estão sofrendo, sem que ninguém olhe para eles.

 

O poeta bíblico justifica o seu convite ao informar que buscou ao Senhor e foi respondido, que ficou livre de todos os seus temores. Ele se coloca como um pobre homem que clamou e o Senhor o ouviu e libertou de todas as suas tribulações. O salmista sente-se rodeado por anjos que o protegem em todo seu viver. Para ele, os leões podem passar necessidade e fome, mas os que buscam o Senhor de nada têm falta. Ele está tão convicto do seu sentimento que convida a todos para que provem e vejam como o Senhor é bom. Como é feliz o homem que nele se refugia.

 

O salmista provou e constatou que Deus é bom, não porque tenha uma vida sem atropelos, sem problemas familiares, de saúde e financeiros. Para ele, o Senhor é bom mesmo quando ele fica enfermo, desanimado, muitas vezes frustrado e até depressivo. O homem por trás deste salmo descobriu que o justo, aquele que foi justificado por Deus, pode passar por muitas adversidades, mas o Senhor o livra de todas; nenhum dos seus ossos será quebrado. Esse livramento pode ocorrer. Para os que ficam é difícil de entender, através da própria morte, pois nem mesmo a morte nos separa do amor de Deus.

 

Uma vez, ouvi o testemunho do irmão de uma religiosa que foi morta em um assalto. Diante de vários repórteres, ele olhou para o corpo da irmã e disse: “Deus deve ter piscado”. Será que Deus dormiu na madrugada em que várias famílias foram surpreendidas com uma enxurrada de lama, pedras e troncos? Será que Deus é um sádico que se delicia com o sofrimento de suas criaturas? Será que Deus não é bom?

 

O salmo 34 mostra que Deus não pisca, que Ele não dormita um só segundo. No meio da sua dor e luta o salmista percebeu que não estava só. Quando buscou ajuda no Senhor ele encontrou, a sua busca por proteção ele obteve no Deus bom. Sim; Deus é bom mesmo quando tudo parece indicar o contrário, mesmo em meio a morte.

 

Dentre os vários testemunhos desta catástrofe na região serrana do Rio de Janeiro, os jornais noticiaram que uma família (um pai, uma mãe, e uma menina de oito anos), foi salva, agarrada a um pequeno limoeiro. Ao voltarem no local do desastre, a mãe afirmou:” Sei que foi a mão de Deus que nos segurou.”

 

Ouvi de um pregador a história de um rei que vivia num reino muito distante; ele era o mais poderoso de toda província; era respeitado e temido por todos, mas lhe faltava algo. Ele não acreditava na existência de Deus, muito menos em um Deus bom. Este rei tinha um servo muito temente a Deus e que acreditava piamente na existência de um Deus todo poderoso e bondoso. Ele sempre dizia que Deus era bom e o rei replicava dizendo Deus não existe, como pode ser bom se nem ao menos existe? O servo não se cansava de dizer sempre as mesmas palavras.

 

Num dia de sol o rei acordou muito disposto a caçar e convocou o seu servo para acompanhá-lo, como de costume. Chegando na mata o rei se afastou do seu servo e foi atacado por um leão. Ao ouvir os gritos do rei, o servo correu e ainda conseguiu matar o animal e salvar a vida do seu senhor, que ficou sem um dos dedos da mão. Retornaram ao castelo e o servo disse: Deus é bom. O rei teve um ataque de cólera ao ouvir mais uma vez esta frase e mandou que o servo fosse preso imediatamente no calabouço por causa da sua insensibilidade.

 

Passados alguns dias, o rei, ao se recuperar daquele ataque, resolveu realizar uma nova caçada. Ele foi apanhado com toda a sua comitiva por uma tribo de canibais. Eles despiram e depilaram todos os prisioneiros e os amarraram em um tronco para serem avaliados pelo chefe da tribo. Quando o rei foi examinado, o chefe da tribo percebeu que em uma de suas mãos estava faltando um dos dedos e mandou que o libertassem, pois a tribo não sacrificava pessoas com defeito. Ao chegar ao palácio, o rei desesperado manda que tirem o seu servo do calabouço. Então o servo vai à presença do rei e ouve:

  • Você tinha razão; Deus existe e é bom, mas como ele deixou você ficar este tempo todo preso sendo bom?

     

Ao que o servo responde: Se eu não estivesse naquele calabouço, com certeza eu teria ido com o senhor nesta caçada, e olha, meu rei; mostrando as mãos, eu não tenho nenhum defeito. Certamente teria sido comido pelos canibais.

 

Essa história mostra que coisas ruins que nos acontecem podem, com o passar do tempo, transformar-se em coisas boas. Existem momentos em que as palavras do apóstolo Paulo em Romanos (“sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam”) se tornam sem sentido, mas as experiências de vários personagens bíblicos como José e o próprio salmista ratificam este ensinamento que parece não se enquadrar em determinadas situações. Os oprimidos, os sofredores, os doentes, os desabrigados e todos os necessitados, são convocados a se alegrarem e proclamarem a grandeza do Senhor, porque ele é sempre bom.

 

ALCENIR ANCELMÉ DA MOTA