Jeremias 2.13 — ONDE ESTÃO AS NOSSAS FONTES?

 
Um salmista define com clareza como deve ser o nosso relacionamento com Deus: "Pois em ti [oh Deus] está a fonte da vida; graças à tua luz, vemos a luz" (Salmo 36:9)
Sem dúvida, concordamos, mas é mesmo Deus a fonte da alegria da nossa vida?
Jeremias foi duro com a sua gente, quando disse:
 
"O meu povo cometeu dois crimes: eles me abandonaram, a mim, a fonte de água viva; e cavaram as suas próprias cisternas, cisternas rachadas que não retêm água". (Jeremias 2.13)
 
"Oh Senhor, Esperança de Israel, todos os que te abandonarem sofrerão vergonha; aqueles que se desviarem de ti terão os seus nomes escritos no pó, pois abandonaram o Senhor, a fonte de água viva". (Jeremias 17.13)
 
Cada um de nós precisa se perguntar sobre o que ou quem é a fonte da sua vida.
Não é tarefa fácil responder a esta pergunta. Nossa primeira tendência é dizer que Deus é a fonte de nossa vida.
Precisamos saber que há varias fontes que querem nos dessedentar. Precisamos saber que quem bebe delas tem o seu nome escrito no pó (Jeremias 17.3).
 
1. Autonomias
À primeira fonte o profeta Jeremias chama de "cisternas próprias" (Jeremias 2.13). Nós as cavamos quando seguimos o nosso próprio pensamento, elaborando a nossa própria ética e até nossa própria religião.
As cisternas próprias são cisternas rachadas. Entre tantas cisternas rachadas, podemos mencionar duas.
Em nossa autonomia (literalmente, lei própria, autorregulação), podemos beber de nossa própria sabedoria. Como podemos ser sábios aos nossos próprios olhos, como nos adverte o apóstolo Paulo ("Não sejam sábios aos seus próprios olhos" — Romanos 12.16b)
Quando somos apresentados a um tema ou a um problema, somos tentados a buscar em nós mesmos a resposta ou a solução. Nossa sabedoria é pretensamente o resultado de uma avaliação racional das hipóteses para um problema. Temos a capacidade de pensar e, pensando, alçamos nosso pensamento à condição de senhora, a quem entronizamos. Tendemos a pensar que a razão é livre e que o que ela conclui é sempre o certo. Podemos, então, nos guiar com segurança por ela.
A partir daí, o certo é o que achamos o que é certo. Fazemos o que julgamos ser o melhor. Tornamo-nos nossos próprios pastores. Ouvimos, mas não escutamos. Lemos, mas não damos importância. Vivemos do nosso jeito. Somos impastoreáveis.
Decidindo assim, esquecemos que nossa razão, por mais livre que seja, é influenciada por aquilo que nos ensinam, através de livros, músicas, filmes e cursos. Esquecemos também que o pecado atinge nossa razão e limita e sua liberdade.
Nossa sabedoria é cisterna rachada.
 
Em nossa autonomia, podemos beber de nossas próprias experiências. Nossas experiências acabam sendo transformadas em um "gabarito". Tudo o que ouvimos, passamos pelo nosso gabarito. Tudo o que vemos, passamos por nosso gabarito. 
O que há de errado com o nosso gabarito? O nosso "gabarito" é o "nosso" gabarito; devia servir só para nós mesmos, não para os outros. O nosso gabarito nos leva a julgar os outros. É o nosso gabarito que nos faz falar mal dos outros.
Há ainda um outro problema. Imaginemos que as experiências ruins venham sendo transformadas em experiências amargas. Se isto acontece, a vida passa a ser pensada amargamente. Ninguém presta. Nada vale a pena. 
Nossas experiências são cisternas rachadas.
 
2. Hieronomias
Há um outro tipo de cisterna rachada. É feita de hieronomias (leis sagradas, literalmente), que nos leva a seguir outras vozes, que tomamos como sendo necessariamente vindas de Deus.
Quando temos uma decisão a tomar, quantas vezes desejamos que, durante a noite, Deus nos revele a sua vontade por meio de um sonho bem claro. Algumas pessoas fazem desses sonhos o modo de Deus lhes falar.
Lembremos que os sonhos reveladores da vontade de Deus acontecem; nós os temos na Bíblia. Deus falava a José do Egito e a Daniel da Babilônia em sonhos, muitas vezes, mas não apenas através de sonhos. O mesmo ocorreu com Gideão e com Salomão, por meio de quem Deus falou uma única vez (Juízes 7.15 e 1Reis 3.15). No Novo Testamento, os sonhos fazem parte do anuncio do nascimento e da infância de Jesus, mas não são parte integrante do seu ministério. Por ocasião do seu julgamento, quem sonha com Ele tem, na verdade, um pesadelo, como acontece com a esposa de Pilatos (Mateus 27.19).
A Bíblia nos orienta a sermos críticos dos sonhadores. No Pentateuco, aprendemos: “Se aparecer entre vocês um profeta ou alguém que faz predições por meio de sonhos e lhes anunciar um sinal miraculoso ou um prodígio, e se o sinal ou prodígio de que ele falou acontecer, e ele disser: ‘Vamos seguir outros deuses que vocês não conhecem e vamos adora-los’, não dêem ouvidos às palavras daquele profeta ou sonhador. O Senhor, o seu Deus, está pondo vocês à prova para ver se o amam de todo o coração e de toda a alma. Sigam somente o Senhor, o seu Deus, e temam a ele somente. Cumpram os seus mandamentos e obedeçam-lhe; sirvam-no e apeguem-se a ele. (Deuteronômio 13.1-4) Não precisamos de sonhos: temos os mandamentos de Deus. 
Jeremias é muito crítico. Narra ele: “Ouvi o que dizem os profetas, que profetizam mentiras em meu nome, dizendo: ‘Tive um sonho! Tive um sonho!’ Até quando os profetas continuarão a profetizar mentiras e as ilusões de suas próprias mentes? Eles imaginam que os sonhos que contam uns aos outros farão o povo esquecer o meu nome, assim como os seus antepassados esqueceram o meu nome por causa de Baal. O profeta que tem um sonho, conte o sonho, e o que tem a minha palavra, fale a minha palavra com fidelidade. Pois o que tem a palha a ver com o trigo?”, pergunta o Senhor. (…) "Sim, estou contra os que profetizam sonhos falsos”, declara o Senhor. “Eles os relatam e com as suas mentiras irresponsáveis desviam o meu povo. Eu não os enviei nem os autorizei; e eles não trazem benefício algum a este povo”, declara o Senhor". (Jeremias 23.25-28, 32)
Deus, soberano que é, pode usar sonhos para nos revelar sua vontade, mas isto é algo extraordinário. Temos ordinariamente os mandamentos de Deus, bem claramente apresentados na Bíblia. Eles em geral nos bastam. Cristãos maduros não vivem de sonhos, mas da Palavra de Deus.
 
Além dos sonhos, há as revelações vindas de profetas de Deus e revelações vindas de profetas de si mesmos.
Deus revela coisas a pessoas? Revela. A Bíblia nos conta que a Simeão de Jerusalém "fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que ele não morreria antes de ver o Cristo do Senhor" (Lucas 2.26). A Pedro, o apóstolo, foi revelado que em breve ele morreria ("sei que em breve deixarei este tabernáculo, como o nosso Senhor Jesus Cristo já me revelou" — 2Pedro 1.14)
O apóstolo Paulo fala da revelação com um dom do Espírito Santo para a edificação da igreja (não de indivíduos). 
No Antigo Testamento, essas revelações eram comunicadas pelos profetas de Deus. Esses profetas tiveram que conviver com profetas de si mesmos, profetas da lisonja, profetas sempre de vitórias e de bênçãos, que falavam o que queriam aqueles que lhes pagavam ou davam fama.
Ainda hoje há profetas. Há. Nos dois sentidos. Ainda hoje há profetas de Deus e profetas de si mesmos. Somos chamados a discernir antes de os seguir. Não precisamos de gurus, mas não descartemos os profetas, desde que ouvidos com discernimento.
Como discernir os profetas? Os embates do profeta Jeremais contra os profetas falsos do seu tempo são muito elucidativos. Jesus nos diz que os profetas devem ser reconhecidos por seus frutos (Mateus 7.16). Podemos resumir os cuidados para este discernimento:
 
Um profeta de Deus busca a edificação da igreja e não de indivíduos.
Um profeta de Deus não profetiza em troca de ofertas. Ele ou ela não explora os que os procuram.
Um profeta de Deus não ama a fama que sua profecia traz.
Um profeta de Deus consulta primeiro a Deus antes de falar em nome de Deus.
Um profeta de Deus conhece profundamente a Bíblia, à qual jamais contradiz, já que nela está o completo Conselho de Deus (Atos 20.27).
Um profeta de Deus sabe que revelação é para situações especiais, porque é a Bíblia que nos conduz em nosso dia a dia. Pela Bibiia, somos orientados com quem casar: não precisamos que ninguém nos diga. Pela Bíblia, somos orientados como nos comportar no trabalho: não precisamos que ninguém nos diga. 
Um profeta de Deus reconhece que Deus fala diretamente a quem que falar, tendo ou não o dom da profecia, esta que é sempre para os outros.
Um profeta de Deus deve ser ouvido com a Bíblia aberta.
 
3. Teonomia
Somos orientados a não abandonar o nosso Deus, que é fonte de água viva. Somos avisados para não cavar cisternas, que logo racharão. Somos convidados a considerar o Senhor Deus como sendo a nossa esperança (Jeremias 2.13; 17.13)
Nossa prática deve ser a do salmista: "Então irei ao altar de Deus, a Deus, a fonte da minha plena alegria. Com a harpa [símbolo de louvor] te louvarei, oh Deus, meu Deus!" (Salmo 43.4) Indo ao Senhor Deus, nós nos alimentaremos dEle. 
Beber da fonte divina não é um convite á ignorância intelectual. 
Leremos tudo o que a filosofia nos diz. Leremos os filósofos para entender o mundo para, com este conhecimento, nos envolvermos na transformação do mundo (conforme o grito de Marx)
Observaremos tudo o que a ciência nos propõe. Fruiremos o que a ciência tem de melhor, para uma vida melhor.
Atentaremos para tudo o que a experiência de vida nos sugerir.
No entanto, não beberemos destas fontes como sendo as fontes de nossa alegria. Antes, "com alegria vocês tirarão água das fontes da salvação" (Isaías 12.3). Deus é a fonte de nossa salvação.
Em todas as circunstâncias, seremos autocríticos. Ao interpretarmos a Bíblia, duvidaremos de nossa interpretação. Ao tomarmos uma decisão, prestaremos atenção para ver se estamos agindo segundo a mente de Cristo. Nunca esqueceremos que o nosso coração é enganoso. Sempre teremos em mente que, estando em pé, podemos cair. Nós nos abriremos para ler e ouvir aqueles que têm algo a dizer, dentro e fora do mundo da fé.
Em todas as circunstâncias, seremos críticos. Não creremos em qualquer coisa. Não descreremos de uma afirmação ou experiência, só porque é diferente do que cremos. Não creremos em uma afirmação ou experiência só porque é diferente do que cremos. Em tudo seremos como os bereanos, examinando o que ouvimos ou lemos. Eles fizeram isto com o apóstolo Paulo. Devemos fazer com quem quer que seja.
Em todas as circunstâncias, nós nos alimentaremos da Fonte, que é o próprio Deus, a quem podemos chegar por meio da oração e da Bíblia. Orar a Deus e ler a Sua Palavra é estar diante dEle como quem aprende, não como quem ensina.
Então, leremos e estudaremos a Bíblia, interpretando-a livremente, sob a orientação do Espírito Santo de Deus. Se não lemos a Bíblia, tudo o que fazemos é certo. Se não lemos a Bíblia, tudo o que pensamos é certo. O temor do Senhor é fonte de vida e nos afasta das armadilhas da morte (Provérbios 14:27)
Há muitos cristãos com sede.
Há muitos cristãos com sede porque não vão à fonte.
E o oferecimento é tão claro, nas palavras de Jesus: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei de beber gratuitamente da fonte da água da vida" (Apocalipse 21.6).
 
Há muitos cristãos com fome, logo subnutridos espiritualmente, porque não vão à fonte.
O autor aos Hebreus (5.7-11) nos deixa esta admirável advertência: 
"Durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão. Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu; e, uma vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da salvação eterna [por isto, Ele é a alegria dos homens] para todos os que lhe obedecem, sendo designado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. Quanto a isso [o fato de Jesus vir cumprir o que Abraão começou], temos muito que dizer, coisas difíceis de explicar, porque vocês se tornaram lentos para aprender [Há coisas difíceis em si mesmas e há coisas difíceis por nossa falta de aplicado ao estudo da Palavra de Deus.]. Embora a esta altura já devessem ser mestres [tantos anos de Escola Bíblica não tiram sequer o verniz de muitos], vocês precisam de alguém que lhes ensine novamente os princípios elementares da palavra de Deus. Estão precisando de leite, e não de alimento sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança, e não tem experiência no ensino da justiça. Mas o alimento sólido é para os adultos [para os que têm estudado e praticado a Palavra de Deus], os quais, pelo exercício constante, tornaram-se aptos para discernir tanto o bem quanto o mal"[Não somos capazes de fazer o que é certo por nós mesmos, mas pela habitação da Palavra de Deus]. (Hebreus 5.7-11)
 
Era com isto que se preocupava Jeremias.
"O meu povo cometeu dois crimes: eles me abandonaram, a mim, a fonte de água viva; e cavaram as suas próprias cisternas, cisternas rachadas que não retêm água". (Jeremias 2.13)
"Oh Senhor, Esperança de Israel, todos os que te abandonarem sofrerão vergonha; aqueles que se desviarem de ti terão os seus nomes escritos no pó, pois abandonaram o Senhor, a fonte de água viva". (Jeremias 17.13)
 
Ele pede que não abandemos o Senhor, isto é, desviando-nos da Fonte de Água Viva, que é o nosso Deus.
Ele pede que não cavemos nossos próprios poços, iludidos com a idéia de que neles há água que nos traga a alegria de viver.
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO