UMA GUERRA ENTRE SEIS REPÚBLICAS, QUATRO LINHAS E DOIS IRMÃOS (Rachel Belo)


 

 Ele tem duas medalhas de ouro em Mundiais e duas pratas Olímpicas. Na temporada 1989-1990, foi considerado o melhor novato da NBA jogando pelo Los Angeles Lakers.

O único jogador europeu a chegar aos mil jogos na NBA, Vlade Divac teve o número que jogava no Sacramento Kings, n.21, aposentado. Além dele, apenas mais um europeu conseguiu o mesmo feito: Dražen Petrović, n.3 do New Jersey Nets.

Para uma geração que conhece Pau Gasol, Steve Nash e Yao Ming e uma temporada 2010 com cento e sete jogadores estrangeiros, a história desses dois jogadores pode soar estranha.

Para uma geração que pouco conhece guerra civil e para a qual a separação do eixo soviético em 1992 parece um fato jurássico, a história desses dois jogadores pode quase cinematográfica.

Mas acima de tudo, a história desses dois jogadores deve ser um exemplo. Um exemplo que vai muito além das quatro linhas das quadras de basquete.

Vlade Divac nasceu em Fevereiro de 1968 na Sérvia. Dražen Petrović nasceu em Outubro de 1964 na Croácia. A Iugoslávia nasceu em 1929 e no final dos anos 80, agrupava seis repúblicas (Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro e Macedônia) sob o comando de Josip Broz Tito.

Independente politicamente – sendo um dos criadores do Movimento dos Países Não-Aliados, que tinha como objetivo manter uma postura neutra em relação aos conflitos dos grandes blocos (e aqui leia-se a Guerra Fria) – a Iugoslávia do período titoísto era uma potência nos esportes, principalmente no futebol (chegando as quartas de final da Copa do Mundo de 1990, na Itália) e no basquete.

Independente da política, Vlade, Dražen e jogadores croatas, bósnios, sérvios e montenegrinos, concentravam lado a lado em busca dos títulos que vinham sob a bandeira iugoslava.

Campões juvenis, em 1988 Vlade e Dražen conquistam nas Olimpíadas de Seul a medalha de prata. Na concentração Dražen era sempre o sério, de poucos sorrisos.

Vlade, o gigante de 2,16m, era a criança do grupo, admirado com o que colhia no basquete. Afinal, ser jogador não tinha sido, até então, o principal objetivo do sérvio. Propositalmente, eram companheiros de quarto.

Apesar das constantes ameaças de separação das seis repúblicas iugoslavas, dentro daquela quadra o que existia era um único time. Um time que, no Mundial de 1990, alcançou o lugar mais alto do pódio ao vencer os temidos times da Rússia e dos Estados Unidos.

Mas o título veio com um gosto amargo. Durante as comemorações, já sob os efeitos separatistas que invadiam o país, um torcedor entrou em quadra com uma bandeira croata.

Divac, então, tomou a bandeira do torcedor. Defendendo que aquele time representava e jogava como Iugoslávia – mais tarde, Divac chegou a dizer que faria o mesmo se a bandeira em questão fosse a sérvia. A cena rodou o mundo, transformando o jogador em vilão na Croácia e herói na Sérvia.

Vilão ou herói, não importava. Além de um torcedor a favor da política separatista, o que havia agora era um time já totalmente separado. “Demoramos anos para criar uma amizade e a perdemos em segundos,” resume o próprio protagonista da história.

De quase irmãos, Divac e Petrović se tornaram inimigos, separados por uma briga política que nada tinha a ver com o esporte – e principalmente, que nada deveria ter a ver com a amizade e camaradagem entre duas pessoas.

Já jogando na NBA, ambos viviam o sonho que haviam construído juntos desde as seleções de base de seu país. Só que a experiência não podia ser compartilhada. Pressões para que os jogadores não se falassem eram constantes e ameaças eram feitas cada vez que um deles visitava seus – agora diferentes países – locais.

Feliz, jogando no Lakers ao lado de Magic Johnson, Divac tentou por diversas vezes se reaproximar dos amigos croatas – entre eles Tony Kuboc e Dino Radja, jogadores que tempos depois também chegavam à NBA. Em quadra, algumas palavras eram trocadas, mas fora delas, não havia lugar para explicações.

Irredutível, Petrović dizia que era necessário esperar, dar tempo para que as coisas “em casa” se acalmassem. Esse tempo, no entanto, nunca veio. Em 1993, depois de um jogo pelas classificatórias para o campeonato europeu, o jogador desistiu de entrar no avião que levava a seleção croata para casa. Ao invés disso entrou em um carro com a namorada e um amigo.

Dražen Petrović morreu em uma estrada da Alemanha, no dia 07 de Junho de 1993, aos 28 anos.

“Eu sempre imaginei que um dia a gente fosse conversar sobre tudo isso e que essas coisas fossem ficar para trás,” confessa Vlade no documentário Once Brothers produzido pela ESPN internacional.

 Foram mais de vinte anos até que Vlade voltasse a Zagreb (capital da Croácia). Quem recebeu o sérvio foram as caras feiras que nas ruas encaravam o, ainda, traidor e as lágrimas de uma mãe consciente que uma guerra não é para ser lutada dentro da quadra, com uma bola de basquete.

 Ao visitar o túmulo do amigo, mais do que uma foto de ambos, Vlade deixou no local a esperança que uma conversa pudesse curar as feridas de uma guerra que não era de nenhum dos dois. E muito menos do esporte.

(Rachel Belo)