AUTOESTIMA POSITIVA OU AUTO-INDULGÊNCIA? (Sylvio Macri)

De vez em quando autores e pregadores cristãos dizem que é preciso ignorar críticas, avaliações, opiniões alheias sobre nós, por serem estas devastadoras, produzindo frustração, decepção, ou, por outro lado, raiva e ressentimento.  Dizem eles que preferem voltar-se para Deus, porque, aí sim, terão um tratamento melhor, uma avaliação mais justa.

O problema é que, invariavelmente, o que esses autores querem dizer é que, enquanto as críticas, avaliações, opiniões alheias são ruins e destrutivas, a de Deus será sempre boa e lisonjeira. Em outras palavras, Deus sempre produziria em nós uma autoestima positiva, enquanto que os nossos semelhantes críticos sempre produziriam uma autoestima negativa. Será?

Na verdade, essa gente está é exercendo auto-indulgência ou auto-complacência, que parece ser inata no ser humano. Desde crianças aprendemos a escamotear nossos malfeitos e alardear os dos outros. Mentimos sobre nossas transgressões e recusamo-nos a admitir nossos erros e defeitos. Mesmo quando desmacarados, negamos cinicamente nossas falhas. Argumentamos durante horas, às vezes dias e meses, a fim de provar que não fizemos ou não somos aquilo que todo mundo viu que fizemos ou somos.  Às vezes levamos uma vida inteira para descobrir que é mais fácil dizer: “Eu errei.”

Creio que a maneira mais adequada de saber o que Deus pensa de mim é lendo a sua Palavra. Leio a Bíblia todos os dias, no mínimo três capítulos, e cada vez mais percebo que definitivamente o Senhor não pode ter uma opinião lisonjeira sobre mim. Pelo contrário, o que vejo é que meus semelhantes até têm uma opinião melhor a meu respeito.  Para não me estender muito usarei como exemplo apenas uma pequena (grande) parte da Bíblia, o Sermão do Monte.

Ao longo dos anos de leitura, estudo e pregação dessa passagem, a expressão de Jesus “Eu, porém, vos digo” passou a ter um sentido especial para mim: apesar de eu amar o meu próximo ou ser capaz de resistir com paciência à oposição, isso ainda é muito pouco em relação ao que ele quer de mim; apesar de eu manter um alto padrão de pureza corporal e mental, isto também ainda é muito pouco em comparação ao que ele espera de mim; e assim por diante. Em outras palavras, Jesus está me dizendo: Seja qual for a avaliação que alguém ou você mesmo fizer de você, a minha será ainda mais exigente. Quando me volto para Deus, não consigo ser indulgente comigo mesmo, pelo contrário arrepio-me e tremo.

Nesse sentido identifico-me com Paulo, que dizia ser o pior dos pecadores (I Tm.1.15), e que ensinava que o homem em Cristo não deve pensar acerca de si mesmo mais do que convém, fazendo-o com equilíbrio (Rm.12.3). Com Paulo aprendi que não preciso da lisonja de Deus, aliás nem posso reivindicá-la. O que eu preciso é da sua graça, que me é amplamente suficiente. Preciso abandonar qualquer pretensão de ser capaz em algum sentido, preciso enxergar-me no espelho (Tg.1.23) e ver-me vestido de trapos de imundícia (Is.64.6), para então, completamente vazio de mim mesmo, receber a plenitude dessa graça, pois ela somente se aperfeiçoa na fraqueza (II Co.12.7-10).

Quanto aos demais, a Bíblia ensina: “Cada um considere os outros superiores a si mesmo.” (Fp.2.3). E também: “Não sejais sábios aos vossos próprios olhos.” (Rm.12.16). Aliás, tenho crescido muito ao dar atenção às críticas e exortações daqueles que me amam, e até mesmo dos que não me têm apreço nenhum. Elas têm-me ajudado a consertar o rumo da minha vida.

Portanto, a mente cristã não pensa em termos de autoestima, alta ou baixa, mas em termos de absoluta necessidade, de desesperante impotência, em face da graça que salva, restaura e cura. Como diz Paulo (I Co.15.10) , pela graça de Deus somos o que somos. E também o que seremos. E não mais o que éramos. E ponto final.

Sylvio Macri