
Antes das eleições de 2010 escrevi um texto que foi publicado em O Jornal Batista, sob o título “O que é de César e o que é de Deus”. Agora que passou a efervescência das eleições, desejo voltar a essa questão com mais calma e também com mais tempo.
Creio que o envolvimento negativo de pastores e igrejas batistas nessas eleições deu-se por ingenuidade, ignorância ou má fé. A ingenuidade foi por parte daqueles que se deixaram manipular pelos marqueteiros políticos, os quais tentam sempre pautar a campanha por um determinado tema, geralmente uma questão moralista, que possa polarizar as discussões. Desta vez o tema foi a religião e utilizaram amplamente a internet, explorando especialmente a prática do “hoax”, que é uma informação falsa plantada na rede. O uso do “hoax” (palavra inglesa que significa “farsa”) começou como uma brincadeira de alguns irresponsáveis anônimos, mas com o tempo tornou-se uma poderosa ferramenta para difundir mentiras, falsidades e interpretações levianas, e servir aos interesses mais escusos. O “hoax” pode ser um vídeo convenientemente editado, uma montagem fotográfica ou mesmo uma foto real colocada em um contexto tendencioso, uma falsa informação científica, uma notícia de jornal fictícia, etc. Como um “animal político”, segundo a classificação de Aristóteles, interesso-me por tudo que diz respeito à Política (assim mesmo, com maiúscula), mas mantenho um distanciamento crítico de tudo o que leio na mídia sobre o assunto, principalmente na internet, e nessa, o que circula sob a forma de e-mail. Por princípio, nunca repasso e-mails maliciosos, acusatórios ou preconceituosos sobre quem quer que seja, mesmo o mais corrupto de todos os políticos. Em virtude do uso desonesto da internet, comentaristas e cientistas políticos foram quase unânimes em afirmar que esta foi a campanha eleitoral mais “suja” da história do Brasil.
A ignorância foi por parte daqueles que desconhecem o passado histórico dos batistas, especialmente o princípios da liberdade religiosa e da separação entre Igreja e Estado, isto é, que César não é Cristo e Cristo não é Cesar. Há quatro séculos os batistas defendem a liberdade de, para a e da religião, Isto é, a liberdade de qualquer pessoa professar uma religião, a liberdade de qualquer religião existir em igualdade de condições com as outras e a liberdade de não se ter religião nenhuma, pensando e agindo diferentemente delas. Para que esta liberdade seja amplamente garantida é preciso que haja uma linha clara de separação entre a Igreja e o Estado, isto é, nenhuma ingerência, cooptação, instrumentalização ou domínio de um sobre o outro. Como pastor batista, aluno que fui de José dos Reis Pereira, o grande mestre de História Eclesiástica, aprendi a honrar a memória dos nossos heróis do passado, que foram perseguidos, torturados e até morreram em defesa dessa liberdade, inclusive nas mãos de nossos irmãos protestantes, que eventualmente constituíam a religião de Estado. Como dizia Roger Williams, um desses heróis, a ideologia da “nação cristã” é o pior tipo de idolatria. Ele sabia o que dizia, pois foi perseguido por causa dessa ideologia.
A má fé foi por parte daqueles que usaram o púlpito para divulgar informações não comprovadas, que manipularam dados irresponsavelmente, que produziram um clima “apocalíptico”, que fizeram acusações sem ouvir os acusados (e depois que estes se defenderam não lhes deram o mesmo espaço). Daqueles que tinham um candidato e não tiveram coragem de declarar publicamente o seu voto, entretanto seu discurso era uma indicação clara. Daqueles que tiveram alguma vantagem não confessada por defender essa ou aquela posição. Daqueles que, de esquerda ou direita, esquecidos da sua posição de pastores de rebanhos em que são representadas todas as correntes políticas, apresentaram um discurso ideológico, claramente comprometido com uma dessas correntes. Daqueles que se tornaram “cabos eleitorais de púlpito”, que “venderam” os votos de suas ovelhas em troca de um benefício qualquer para si ou para suas igrejas, contribuindo assim para a perpetuação do odioso “clientelismo” político e para a transformação de igrejas em verdadeiros “currais eleitorais”. Não é de bom senso nem de boa fé um pastor indicar, nem mesmo espontaneamente, um determinado candidato, pois com isso fere e constrange a consciência daquelas suas ovelhas que escolheram votar em outro, pois o voto é pessoal, livre e secreto. Pelas mesmas razões também não é de bom senso contra-indicar um candidato, a menos que haja sérios questionamentos sobre o caráter do mesmo.
As eleições foram legítimas e realizadas com lisura. A partir do fechamento das urnas poderemos ver se o que se disse dos então candidatos, agora democraticamente eleitos, se confirma, ou, como ocorreu em eleições anteriores, se desmente. Também teremos a oportunidade de ver se aqueles que tanto os combateram, agora, por puro oportunismo, os apoiarão, como acontece sempre. De qualquer forma, o bom senso e a história nos ensinam que púlpito não é lugar de campanha política, e que este é um assunto em que os pastores devem manter-se sempre eqüidistantes e imparciais.
Rio de Janeiro, 21/03/2011
Pr. Sylvio Macri