Gálatas 5.22 — A BENIGNIDADE COMO DOM DO ESPÍRITO SANTO (O fruto do Espírito, 3)

O FRUTO DO ESPÍRITO (3)

A BENIGNIDADE

(Gálatas 5.16-25)

A vida cristã é aquela vivida no Espírito Santo. Na verdade, a vida cristã só é possível no Espírito. Fora dEle, nossa vida é como a de qualquer pessoa.

A Bíblia fala de um homem que nunca deixava barato qualquer ofensa que recebesse, voluntária ou involuntária. Ele inaugurou o comportamento que ficaria conhecido como lei do talião, aquela do “dente por dente”, “olho por olho”. Seu nome era Lameque e sua história nos primeiros capítulos de Gênesis.

E disse Lameque às suas esposas: Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou. Sete vezes se tomará vingança de Caim, de Lameque, porém, setenta vezes sete. (Gênesis 4.23-24)

Terrível este Lameque! Quem lhe machucou foi punido com a morte. Alguém que, talvez involuntariamente, lhe pisou no seu pé pagou com a própria vida. Seu padrão era não permitir que o estilo de vida de Caim fosse esquecido. Lameque tinha orgulho de ser como seu ancestral, considerando-se uma pessoa justa, que fazia o bem a quem lhe fazia bem, mas trazia o mal a quem lhe trazia o mal. O retrato bíblico de Lameque é o retrato da natureza humana.
Se alguém é simpático conosco, somos simpáticos com ele. Se alguém é generoso conosco, procuramos uma forma de retribuir. Se alguém nos cumprimenta, nós os cumprimentamos. Não somos tão maus como Lameque. Sempre retribuímos na mesma medida, não com o excesso dessa exagerada personagem bíblica…

CONTRA A INDIFERENÇA PACÍFICA

A maioria de nós é adepta da “indiferença pacífica”. Jesus pregou a resistência pacífica ao mal, quando pediu que oferecêssemos o outro lado do rosto à bofetada. Nós inventamos a indiferença pacífica. Se Fulano não é simpático comigo, não serei simpático com ele e nada lhe fico devendo. Se Beltrano não pergunta o meu nome, também não pergunto o seu e estamos quites. Se Sicrano não me sorri, não sou eu lhe que vou abrir os dentes, para, talvez, receber uma cara feia de volta.
Se vivemos assim, precisamos ser incomodados pelo Espírito Santo, porque a indiferença não vem de Deus. Aqueles homens que, na história de Jesus, evitaram a calçada em que se debatia o homem ferido na estrada certamente não foram repreendidos pelos seus amigos, pois tinham feito como todo mundo faz. Quanto a nós, somos capazes de os condenar e, ao mesmo tempo, de agir como eles agiram, talvez esquecidos que eles foram indiferentes, pacificamente indiferentes, para tristeza de Jesus.
Podemos ser indiferentes e nos achar cristãos, quando o somos pela metade, porque somos apenas meio-cristãos quando a mensagem completa do Evangelho não nos está incomodando. Somos meio-cristãos quando vivemos do Cristianismo apenas a parte fácil.
Então, quando lemos a lista paulina do fruto do Espírito (em Gálatas 5), não podemos nos acomodar à indiferença pacífica, pois ali se descreve como deve viver um cristão, desabrochando em alegria-amor-benignidade-bondade-domínio/próprio-fidelidade-longanimidade-mansidão-paz.
A benignidade é uma dimensão do fruto do Espírito que não pode faltar ao cristão, como já recomendava a sabedoria hebraica:

Não se afastem de ti a benignidade e a fidelidade; ata-as ao teu pescoço, escreve-as na tábua do teu coração; assim acharás favor e bom entendimento à vista de Deus e dos homens. (Provérbios 3-4)

A NATUREZA DA BENIGNIDADE
Não é fácil conceituar o que é a benignidade, palavra que aparece (ela e suas variantes) 42 vezes na Bíblia. Na pena de Paulo, é uma palavra específica (“chrestotes”) diferente de misericórdia e de bondade.
Benignidade é a virtude que uma pessoa tem de fazer com que os outros se sintam à vontade em sua presença. Ela também se caracteriza pelo esforço demonstrado por alguém para evitar que algum mal venha sobre os outros.
Quando temos o Espírito Santo frutificando em nós, podemos alcançar duas dimensões essenciais, mas não únicas, da benignidade, uma no domínio do sentimento e outra no território do tratamento.

1. Benignidade de sentimento é “empatia”, que é o interesse que alguém tem em sentir o que seu próximo sente. Se o outro chora, o benigno chora. Se o outro ri, o benigno ri. Se o outro está angustiado, o benigno se angustia. Assim, em lugar de “não estar nem aí” pelo outro, o benigno se interessa não só pelas necessidades do outro, mas pelos seus sentimentos. Benigno, portanto, é aquele que se interessa pelos sentimentos dos outros.
Numa cultura que venera a privacidade, não é fácil pôr em prática a benignidade empática. Os gestos nesta direção sempre parecem uma invasão. Por isto mesmo é que precisamos prestar atenção no outro que, as vezes, nos manda secretamente pedidos de socorro. As mensagem secretas do seu próximo também interessam a quem é benigno, cujo prazer é apoiar o outro.
Quando o apóstolo Paulo nos recomenda carregar as cargas uns dos outros (“Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” — Gálatas 6.2), ele não se refere apenas aquelas cargas leves ou aquelas cartas explicitas, mas cargas, sejam elas pesadas, estejam elas escondidas no fundo do coração de quem sofre. Pede-nos, pois, a Bíblia algo muito difícil, pois já difícil carregar as cargas diante dos nossos olhos, quanto mais aquelas que dependem de sensibilidade, de observação, de empatia enfim. No entanto, no Espírito Santo pode nos capacitar neste sentido e sem nos transformar em chatos invasores de privacidade.

2. Se a empatia é difícil, a benignidade de tratamento é mais acessível, embora não necessariamente mais fácil. Estamos falando da simpatia, que tem a ver com o desejo de se relacionar, e com todos os esforços decorrentes deste desejo. Simpatia tem a ver com polidez, calor, aplauso, sorriso.
Polidez é cumprimentar o outro, procurando tornar a convivência agradável, de modo que, num encontro, ninguém precise fazer “cara de elevador”. Benignidade tem a ver com receptividade ao gesto do outro. Se alguém vem em sua direção, corresponda educadamente. Mais que polida, a benignidade é calorosa, na iniciativa de cumprimentar, procurar e abraçar, e na retribuição do cumprimento, da procura e do abraço.
Simpatia tem a ver com o reconhecimento das qualidades e das ações do outro. Deve se expressar em aplauso, em elogio, em palavras de incentivo.
Alguém lhe fez um bem? Diga-lhe que ele lhe fez um bem, algo como “que bom receber o seu telefonema!” ou “O seu cartão chegou num momento em que precisava ouvir o que você me escreveu!” Nós, os rápidos no gatilho para reclamar, devemos ser prontos também no agradecer e no elogiar. Sejamos benignos com os nossos amigos, aplaudindo-os nos seus grandes momentos.
Simpatia tem a ver a com o sorriso, este perfume que se vê. Há o sorriso que toma a iniciativa, mesmo sem saber qual será a resposta. Há o sorriso que responde o sorriso do outro. Quando dois rostos se abrem em sorrisos, um para o outro, a conversa flui melhor, a comunicação acontece, os relacionamentos se tornam possíveis. Para que esta cara fechada? Para que esta “cara de bad boy“? Para que esta cara de “poucos amigos”? Pratiquemos a benignidade do sorriso, que faz bem a outro e a nós também.
Deixe de ser grosso, para ser macio; deixe de ser amargo, para ser doce com os outros, mesmo que não haja platéia e nem uma câmera não esteja filmando. Mesmo quando tiver que ser firme diante da injustiça, não perca a ternura.
Os relacionamentos cheios de benignidade são mais uma ação do Espírito Santo em nós e por intermédio de nós.

A MATRIZ DE NOSSA BENIGNIDADE
Poderíamos resumir o que vimos dizendo, afirmando que ser benigno é tratar os outros como Deus os trata. É olhar para os outros como Deus os olha.
Trata-se de tarefa difícil, mas, como temos dito, o Cristianismo é compromisso de difícil execução.
A benignidade é um dom de Deus, produzido pelo Espírito. Nosso modelo, nesta caminhada, é o próprio Deus, que é benigno.
Segundo a Bíblia, Ele é benigno porque sua misericórdia para conosco não depende de nossa fidelidade ou de nossa gratidão. E este deve ser o nosso modelo, por mais antinatural que seja.
Vejamos como e quando Ele é benigno.

1. Deus é benigno por sua obra de criação.
A natureza é uma extensão da sua benignidade. Naqueles momentos em que você se sentir esquecido por Deus, olhe a natureza. Se você tem carro, tome o caminho do mar ou da montanha. Se você não tem, tome um ônibus para a praia limpa mais próxima. Olha aquilo tudo. Deus fez aquilo para seus filhos e isso inclui você. Olhe. Desfrute. Preserve. Louve a Deus pelo que fez. Seja benigno com a natureza e com os que virão depois de você. Não faça nada que possa degradar a natureza, tornando menor a obra de Deus, degradando-a para os que virão depois.

2. Deus é benigno por sua obra de redenção.
Somos salvos pela benignidade do Pai, ao nos dar Seu Filho, sem esperar nada em troca, para que nós tivéssemos vida. Não podemos fazer o mesmo, mas podemos aceitar esta oferta de Deus e podemos falar da salvação. Aqueles que não são salvos barateiam a obra de Deus, recusando o seu oferecimento. Aqueles que já são salvos tendem, com o passar do tempo, a subvalorizá-la, como se não fosse o gesto maior de Deus para conosco. Todo dia precisamos nos lembrar que estaríamos condenados a morte se não fosse a morte de Jesus por nós. Todo dia precisam cantar uma canção como esta:

“[Eu]Te agradeço, meu Senhor.
Te agradeço, por me libertar e salvar.
Por ter morrido em meu lugar.”
(Dennis Jernigan)

A Ceia do Senhor é uma celebração desta dádiva.

3. Deus é benigno por sua obra de cuidado.
Deus, por meio do Espírito Santo, cuida de nós, como Parácleto, que podemos assemelhar a uma coluna, onde podemos nos apoiar. Este cuidado se expressa em suas orientações, contidas na Bíblia, para nós, ela que é luz para os nossos caminhos (Salmo 119.105). Este cuidado se expressa no livramento na hora da aflição (“O Deus Eterno é bom. Em tempos difíceis, ele salva o seu povo e cuida dos que procuram a sua proteção”. — Naum 1.7). Este cuidado se expressa no interesse pelos Seus filhos, o que levou o poeta bíblico a dizer: “Como são maravilhosas as coisas boas que guardas para aqueles que te temem! Todos podem ver como tu és bom e como proteges os que confiam em ti”. (Salmo 31.19)

Assim, devemos ser benignos, olhando para a natureza, vendo nela a ação de Deus, preservando-a por ela mesma e pelos que virão depois de nós.
Devemos ser benignos, aceitando a salvação de Deus e levando-a a outros.
Devemos ser benignos, cuidando dos outros, como Deus faz…

4. O modelo de nossa benignidade é o comportamento de Deus. Ele, por exemplo, manda o sol e a chuva para justos e injustos (Mateus 5.45). Não é justo este comportamento; não é justo, mas é benigno. Sem o Espírito, somos apenas justos, no sentido da justiça retributiva, nunca benignos. O que Jesus nos ensina é outro comportamento:

“Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa recompensa? Até os pecadores fazem isso. E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, qual é a vossa recompensa? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto. Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai”. (Lucas 6.33-36)

CONCLUSÃO
A benignidade é dom de Deus, que podemos desenvolver seguindo o exemplo de Cristo e sendo ajudados pelo Espírito Santo.
A benignidade não é uma teoria, mas uma ação prática, que coloca o outro numa posição superior à nossa. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros (Romanos 12.10).
A benignidade de Deus é para ser imitada por nós, como pede o apóstolo:

“Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou. Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. (Efésios 4.31-32; 6.1-6)

ISRAEL BELO DE AZEVEDO