Eclesiastes 11.1-10 — O VENTO NÃO É PARA SE OBSERVAR

É comum ouvirmos que quem tem talento vence.
Talento, podemos dizer, é uma habilidade que uma pessoa tem e que desenvolve.
Pensemos num jogador de futebol. Alguns meninos, bola nos pés, logo se destacam. E mais se destacam aqueles que desenvolhttp://beinart.org/artists/anne-worbes/gallery/anne-worbes-4.jpgvem este talento, por meio do treinamento.
Todos os jogadores de grande talento se tornam craques reconhecidos? Não.
O talento é essencial, razão pela qual cada um deve descobrir o seu e desenvolvê-lo.
Há outras variáveis, algumas fora do nosso controle e outros que podemos coordenar.
Pensemos no que está ao nosso alcance.
Ao talento, portanto, é preciso acrescentar, pelo menos, dois elementos: saúde emocional e sabedoria de vida.

É o que aprendemos em Eclesiastes 11.1-10:

Atire o seu pão sobre as águas, e depois de muitos dias você tornará a encontrá-lo.
Reparta o que você tem com sete, até mesmo com oito, pois você não sabe que desgraça poderá cair sobre a terra.

Quando as nuvens estão cheias de água, derramam chuva sobre a terra. Quer uma árvore caia para o sul quer para o norte, onde cair ficará.
Quem fica observando o vento não plantará, e quem fica olhando para as nuvens não colherá.
Assim como você não conhece o caminho do vento, nem como o corpo é formado no ventre de uma mulher, também não pode compreender as obras de Deus, o Criador de todas as coisas.
Plante de manhã a sua semente, e mesmo ao entardecer não deixe as suas mãos ficarem à toa, pois você não sabe o que acontecerá, se esta ou aquela produzirá, ou se as duas serão igualmente boas.

A luz é agradável, é bom ver o sol. Por mais que um homem viva, deve desfrutar sua vida toda. Lembre-se, porém, dos dias de trevas, pois serão muitos. Tudo o que está para vir não faz sentido.
Alegre-se, jovem, na sua mocidade! Seja feliz o seu coração nos dias da sua juventude! Siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas essas coisas Deus o trará a julgamento.
Afaste do coração a ansiedade e acabe com o sofrimento do seu corpo, pois a juventude e o vigor são passageiros.

DESENVOLVENDO A SAÚDE EMOCIONAL

Cada vez mais me convenço da necessidade de investir todos os nossos esforços para termos saúde emocional.
Por falta de saúde emocional, perdemos empregos.
Por falta de saúde emocional, deixamos de conhecer lugares.
Por falta de saúde emocional, isolamo-nos do mundo.

A doença emocional é tão perniciosa que nos impede de ver a nossa doença emocional.
E o primeiro passo para a saúde emocional é a admissão de nossa própria doença. E quantas vezes não conseguimos dar o primeiro passo.
Por isto, as pessoas emocionalmente doentes precisam de uma ajuda externa, que alguns jamais buscam, e claudicam o resto da vida.
Todos nós somos doentes; o que varia é o grau.
Todos nós somos doentes; o que varia é o desejo de sermos saudáveis.

Leiamos então o verso 1 — “Atire o seu pão sobre as águas, e depois de muitos dias você tornará a encontrá-lo”. Atirar “o pão sobre as águas” é para quem tem confiança em si mesmo e confiança em Deus. Quem está dominado pela doença do medo não lança pão sobre as águas, porque acha que vai perder o pouco que tem. Quem está tomado pela doença do egoísmo não lança pão sobre as águas, porque não sabe dividir nada. Quem está tomada pela doença da incredulidade não lança pão sobre as águas porque não tem certeza que Deus o fará encontrar esse pão de novo.

Leiamos o verso 10 — “Afaste do coração a ansiedade [“desgosto”, na ARA; “ira”, na ARC e “aflição”, na JPS] e acabe com o sofrimento do seu corpo, pois a juventude e o vigor são passageiros”. Como afastar do coração a ansiedade, se o coração tem o tamanho da ansiedade em suas intensas palpitações? Juventude e vigor são também sinônimos de “vida presente”, “agora”. A ansiedade nos rouba o presente, em nome do futuro. Por isto, é um transtorno.

Desde que nascemos, relacionamo-nos. Aos nos relacionamos, vamos ferindo e sendo feridas. E vão ficando feridas.
Isto é inevitável. O que é evitável é não nos deixarmos dominar pelas feridas.
Fomos criados de uma maneira, com afeto, sem afeto, com respeito, sem respeito. Não podemos mudar estas condições. Mas elas não precisam nos condicionar.
Podemos ser alvos da violência, ela não pode determinar o modo como vamos viver.
Fiquei impressionado com a história de um marinheiro indiano sequestrado no mar.
Dipendra Rathore é um oficial indiano da Marinha mercante em seu país.
Numa viagem, ainda em treinamento, seu navio foi apreendido por piratas somalis. Durante os 25 dias do sequestro, até o milionário pagamento do resgate, toda a tripulação sofreu, com a ausência de alimentos, escassez de esperança e abundância de abusos.
Um dia a redenção chegou e eles puderam cambalear em direção ao sol e à liberdade.
Dipendra decidiu continuar na Marinha mercante, prosseguindo na profissão que escolheu. Sua justificativa é uma lição sobre o valor de deixar para trás as coisas que devem ser deixadas para trás:
— Não permitirei que os piratas alterem minha escolha de carreira. Eles já me feriram o bastante.
Mesmo que nossas profissões não ofereçam riscos, não há chance de não sermos feridos.
As amarguras não decidem por nós. Decisiva é a maneira como reagimos às feridas da vida.

Somos chamados a dialogar com nossas emoções.
Somos chamados a por em ordem o nosso próprio mundo.

Eclesiastes nos ajuda em nosso roteiro para a saúde emocional.

1. Precisamos admitir que estamos doentes, em grau menor ou maior, com efeitos menos ou mais dolorosos.
Negar que temos problema não é sábio. Precisamos saber que “estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra; caindo a árvore para o sul ou para o norte, no lugar em que cair, aí ficará” (Ecclesiastes 11.3). As árvores caem, mesmo as mais fortes. Como nós.
Temos problemas e alguns foram causados por nós mesmos, por palavras que proferimos, por atitudes que tomamos, por reações que esposamos. Outros foram causados por pessoas de carne e osso, a quem podemos odiar, embora o ódio não tenha poder de construir coisa alguma. Outros nos vieram por acidentes que nos surpreenderam. E ainda há aquela categoria de problemas que sequer sabemos como passaram a fazer parte de nossa vida. As árvores caem.
Jesus ensinou que o sol nasce para todos e que a chuva cai sobre todos (Mateus 5.45). Precisamos estar preparados.

2. Precisamos decidir que as feridas que sofremos não nos destruirão.
Não negaremos que elas nos machucam, mas não permitiremos que elas nos firam duas vezes ou a vida inteira.
São instrutivas as poéticas palavras de Eclesiastes 3, que começa lembrando que “tudo tem o seu tempo determinado” (Eclesiastes 3.1). Então, há tempo para sofrer com as amarguras e tempo deixá-las para trás. Precisamos deixar as coisas que ficam para trás e prosseguir para a frente (Filipenses 3.13), pelo poder do Espírito Santo, que coopera para o nosso bem.
Penso no exemplo de Jesus. Seus irmãos não compreenderam o seu ministério (João 7.5). Mais tarde, eles creram e se tornaram valiosos na pregação do Evangelho do seu irmão. Eles creram por causa da atitude de Jesus diante da incredulidade e oposição deles.

3. Precisamos confiar que Deus quer a nossa saúde emocional, que é uma forma saudável de lidar com os nossos problemas.
Em Eclesiastes 11.9, lemos o grande alvo de Deus para cada um de nós:

“Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade; anda pelos caminhos que satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que de todas estas coisas Deus te pedirá contas” (Eclesiastes 11.9).

Como nos alegrar doentes? Como andar com satisfação pela vida, se tropeçamos em nossa falta de saúde?
A nossa saúde é um projeto de Deus. Foi por isto que Jesus veio. Por isto que Jesus disse: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes” (Mateus 9.12).

4. Precisamos buscar ajuda.
Precisamos buscar ajuda em nós mesmos. Devemos nos ajoelhar à beira de nossa cama ou no segredo das águas do chuveiro e, mesmo em lágrimas, pedir a Deus que nos dê força para a grande obra que está adiante de nós: a nossa própria reconstrução pessoal.

Se os recursos disponíveis em nós mesmos não forem suficientes, e na área emocional frequentemente não o são, devemos buscar apoio em outras pessoas. Será preciso vencer a vergonha e pedir ajuda.
É por isto que lemos que “melhor é serem dois do que um”, “porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante”. Vindo as dificuldades, um ajudará o outro a resistir, já que “o cordão de três dobras não se rebenta com facilidade” (Eclesiastes 4.9-12). O cordão de três dobras é o ombro amigo e o ouvido atento. O cordão de três dobras é a mão que levanta o outro. O cordão de três dobras é a palavra generosa que anima o outro.

5. Precisamos fazer todo empenho para a superação.
Empenharmos pela superação é como lançar o pão sobre as águas (Eclesiastes 11.1). Parece que não vale a pena. Empenhemo-nos e esperemos para recolher o nosso pão.
Se nesta trajetória, fracassarmos, comecemos de novo. Nossos pés tropeçarão menos na segunda fez.

TORNANDO-SE SÁBIO

Sabedoria, que inclui o conhecimento, vai além do conhecimento. É a capacidade de se relacionar de modo maduro com as pessoas e com as coisas.
Sabedoria é algo que se aprende, a partir da observação e do estudo.
Trago um exemplo do campo acadêmico:
Pelo meu hábito de ler obituários, encontrei-me com o exemplo de Otto Gottlieb (1920-2011). Natural da República Checa, chegou ao Brasil aos 19 anos de idade e se tornou brasileiro.
Aqui estudou e fez sua carreira na área da Química, alcançando tanta proficiência que chegou a ser por três vezes indicado para receber o Prêmio Nobel, o que não aconteceu.
Uma de suas alunas (a farmacêutica Maria Renata Borin) aprendeu muito de ciência com ele, do alto de seus 660 trabalhos publicados, mas ela aprendeu também que o seu professor tinha o costume de toda noite refletir sobre o que aprendera naquele dia para ensinar no dia seguinte.
Eis um lema para a ciência: conferir o que aprendemos hoje para ensinar amanhã.
Eis um lema para a vida: refletir sobre o que aprendemos hoje para viver melhor amanhã.

Erraríamos menos.

A propósito: o que você aprendeu hoje sobre a arte de viver?

Encontramos um lindo roteiro sobre a arte de viver nestas páginas de bíblica sabedoria.

1. Sábio é quem desfruta intensamente a vida presente e, sabendo que existe um futuro, trabalha.
Lemos claramente: “Plante de manhã a sua semente, e mesmo ao entardecer não deixe as suas mãos ficarem à toa, pois você não sabe o que acontecerá, se esta ou aquela produzirá, ou se as duas serão igualmente boas” (verso 6).

Lemos, também claramente: “Alegre-se, jovem, na sua mocidade! Seja feliz o seu coração nos dias da sua juventude! Siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas essas coisas Deus o trará a julgamento” (verso 9).
O presente deve ser vivido intensamente e com responsabilidade; vivido assim, o presente terá um bom futuro. Há muitos que acham que a vida é só o agora. Quem pensa só na agora não terá presente amanhã. Na cultura brasileira, um dos setores que têm que ralar muito para sobreviver é o dos seguros. A maioria das pessoas não tem seguro de suas residências. A maioria das pessoas não tem um plano para quando morrer, como se não fosse morrer. Em nossa igreja temos um, coletivo, mas toda vez que falo nele, vejo narizes torcidos. Precisamos falar sobre a morte pelo simples fato que vamos morrer.

2. Sábio é quem observa o vento.
A imagem do “vento” não é muito favorável em Eclesiastes, onde ele aparece 13 vezes. O autor deixa claro que o vento é uma realidade. Ele “sopra para o sul e vira para o norte; dá voltas e voltas, seguindo sempre o seu curso” (Eclesiastes 1.6). Portanto, o problema não é o vento, mas a sedução que pode exercer. O grande perigo é “correr atrás do vento”, expressão que aparece dez vezes no pequeno livro de Eclesiastes (1.14, 1.17, 2.11, 2.17, 2.26, 4.4, 4.6, 4.16. 5.16, 6.9).
Observar o vento não é sempre negativo. Negativo é correr atrás dele.
Observar o vento é planejar, para ter uma clara idéia do que se pretende alcançar. Estive pregando (2011) na Segunda Igreja Batista do Rio de Janeiro, no bairro do Engenho de Dentro. Com menos de 400 membros, planejaram um novo templo, com capacidade para 1200. Estive também em Curitiba, onde o pastor Paschoal Piragine Jr mostrou o templo da igreja em construção. Em alguns andares, há salas sem uso: são reservas técnicas, para ser usado para algum ministério que ainda vai surgir. É deste tipo de desafio que nossas mentes precisam.
Observar o vento é conhecer a realidade, para aceitar o que não pode ser mudado e empenhar-se pelas mudanças necessárias. Parece obvio mas nem sempre aceitamos a vida como ela, como nesta observação: “Quando as nuvens estão cheias de água, derramam chuva sobre a terra. Quer uma árvore caia para o sul quer para o norte, onde cair ficará” (verso 3).
Observar é perceber as oportunidades para se colocar no seu itinerário e seguir o seu fluxo.

3. Sábio é quem, depois de observar o vento, faz seu projeto para a vida e nele acredita.
Sábio é quem observa o vento, mas não corre atrás dele.
Sábio é quem acredita no seu talento.
Sábio é quem faz seu projeto, seja para a vida pessoal, seja para a vida profissional, seja para a vida conjugal. Para chegar a algum lugar, é preciso saber onde fica este lugar. É por isto que este projeto precisa ser claro, definido, preciso e mensurável. Então, eu me lembro de César Queiroz. Tive um primeiro encontro com ele, quando se envolveu num trabalho de evangelização por meio do esporte durante os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro. Havia um brilho nos olhos dele, que ia além daqueles jogos. Ele era um profissional de educação física e queria mais que ganhar dinheiro e sustentar sua família. Alguns anos depois tive um segundo encontro com ele. Agora, estava certo do que queria: queria ser um missionário através do esporte. Depois se preparar teologicamente, tornou-se missionário no Chile onde sua igreja é a areia e o seu púlpito é o esporte.
Sábio é quem é capaz de fazer sacrifícios por seus projetos.
Sábio é quem acredita tanto no seu projeto que é capaz de atirar o seu pão sobre as águas, certo de que depois de muitos dias tornará a encontrá-lo.

4. Sábio é quem semeia.
É claro o ensino bíblico: “Quem fica observando o vento não plantará, e quem fica olhando para as nuvens não colherá” (verso 4).
Sábio é quem trabalha, não confiando apenas no talento. Garoto aprendi uma frase de Goethe, o grande escritor alemão. Quando elogiado por algo que fizera e chamado de gênio, exclamou: “Gênio, não; trabalho”.

5. Sábio é quem reconhece a sua limitação e confia em Deus.
Encontramos uma passagem, neste texto, que seria evocada por Jesus. Quando se dirige a Nicodemos, Jesus lhe diz: “O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito” (João 3.8). É a mesma idéia de Eclesiastes 11.5 — “Assim como você não conhece o caminho do vento, nem como o corpo é formado no ventre de uma mulher, também não pode compreender as obras de Deus, o Criador de todas as coisas”.
Em ambos os textos, a idéia é o reconhecimento da soberania de Deus. Este reconhecimento pressupõe outro: o reconhecimento de nossa limitação.
Este reconhecimento, que parece algo negativo, é positivo: ele quer dizer que somos limitados mas não estamos sozinhos. O “criador de todas as coisas” está conosco. O salmista nos enche de ânimo: “Em Deus faremos proezas” (Salmo 108.13; “Com Deus conquistaremos a vitória” — NVI) .

ISRAEL BELO DE AZEVEDO