Não me incomodo que não me escutes em nada:
esse é um capítulo natural nos livros das vidas.
Agora que a tua existência é vida imaginada,
uso a imaginação para te falar como me ouvindo.
Ao teu tempo, faltaram recursos, e ao meu, atenção,
para que ficassem os registros de nosso convívio:
mas por isto, porque não importa, não me entristeço;
antes, na presença da tua ausência, eu me enterneço
com a imagem que, fora do papel, está gravada
em minha casa, na velha cadeira de balanço
onde ainda, por vezes, prazeroso descanso,
e onde habitaste as últimas semanas da tua jornada.
Ela me lembra que não vais te assentar mais nela.
O balouço dela me traz de volta as caminhadas
que, cheios de expectativas, demos pelas calçadas,
e a descoberta que fiz do movimento da história:
agora, meus passos eram mais largos que os teus
que foram sempre muito mais longos que os meus.
O silêncio dela me lembra que, quando o telefone tocar,
seu som não vai trazer seu sorriso atrás da tua voz.
Mais: por mais que deseje, não poderei nunca te ligar
para ouvir teus conselhos, o que tinhas de melhor.
Mais ainda: quando precisar, não poderei contar
com teus empréstimos, que não precisava resgatar.
Mais até: teu colo silencioso saudade para sempre será.
Mais também: sei que teus joelhos que, em oração,
por mim também se dobravam, não mais se dobrarão.
A Deus, com alegria, agradeço a boa herdade
de poder ter trocado, por um pouco, de lado
e por algumas semanas ter sido teu pai, com cuidado,
e te conhecer na força profunda da tua fragilidade.
Será que te verei quando o enigma se tornar luz?
Como só posso saber o que a Bíblia sabe,
não sei mesmo o que a Deus eu peço,
mas meu desejo, confiante, a Ele expresso:
que me capacite a combater o seu combate,
como embaixador, não de armas, mas da Cruz.
Israel Belo de Azevedo