Nós parecemos estar sempre no limite de nossa paciência, seja por causa de nossas características individuais (alguns somos intolerantes por natureza…), seja pelo nosso cansaço em relação aos outros (chega de ser humano – dizem as atitudes de alguns de nós), seja pelas circunstâncias da vida (cujas armas por vezes parecem sempre assestadas em nossa direção).
O nosso dia-a-dia é um constante teste para aquilo que a Bíblia chama de longanimidade. Um dos exemplos abaixo certamente já nos aborreceu:
a falta de gratidão por parte das pessoas a quem ajudamos ou a quem Deus socorreu
a insistência das pessoas em nos fazer coisas que sabem que nos desagradam, como, nos casos das crianças, receber um soco pelas costas de uma pessoa que sai correndo
a conexão na internet que nos irrita por lentidão ou por suas quedas
a falta de tinta na impressora antes de encerrada a impressão de um trabalho que está para ser entregue
a perda de um ônibus ou do metrô por uma fração de segundo, quando já estamos atrasados
a estupidez de enfrentar uma fila no banco
a impontualidade de um dos cônjuges ou dos filhos (ou, quem sabe, dos nossos cultos…)
a falta de humildade em pessoas que sabem menos que a gente
o ronco do cônjuge
ter que andar atrás de uma pessoa que anda bem devagar (e a gente com toda a pressa do mundo…)
comprar um aparelho que não funciona
pagar por um serviço e não receber por ele
pedir ajuda a um atendente que nunca sabe nada, a não ser dizer: “um momento, que eu vou estar transferindo a sua ligação”.
Cada um conhece as irritações que estas situações provocam. A recomendação bíblica é muito clara: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (Efésios 4.26, 27).
Aliás, posso imaginar algumas pessoas felizes ouvindo o imperativo apostólico: “irai-vos”, “irem-se”. No entanto, tomemos cuidado; a expressão quer dizer, no singular: “se lhe acontecer de ficar irado, não deixe que a sua raiva dure muito tempo”.
A falta de longanimidade, expressa por meio da ira continuada, é uma brecha que abrimos para a atuação do diabo em nossas vidas. Quando o apóstolo recomenda a quem não permitamos que o sol se ponha sobre a nossa ira, está recomendando que nenhum de nós vá dormir ainda irado. Antes, cada um deve resolver o problema ou, simplesmente, esquecê-lo. Do contrário, o diabo, que nos ciranda, vai nos levar à autodestruição.
Quando o mesmo apóstolo arrola as obras da carne, menciona vários pecados decorrentes da ausência deste fruto do Espírito.
A natureza da longanimidade
“Longanimidade” é prática difícil até na sua pronúncia em nossa língua. Lon-ga-ni-mi-da-de tem que ser necessariamente comprida, porque a sua prática não é fácil. No idioma em que o apóstolo Paulo escreveu (o grego koiné), “longanimidade” (makrothumia, em que “makros” é “grande”, “longo” e “thumos” quer dizer “paixão”, “sentimento”) significa ser equilibrado em vez de ter pavio curto, ser demorado em irritar-se, ter boa vontade para com quem fere, sofrer por um longo tempo. No latim, longânimo é ânimo longo.
Na mente de Jesus (Mt 5.43-45), ser longânimo é não retaliar, é não vingar a ofensa, é amar os inimigos (que são todos aqueles que nos fazem mal), é andar o segundo quilômetro.
Esta palavra, no Antigo Testamento, é geralmente atribuída a Deus, por sua capacidade de reter sua indignação diante da provocação humana. Nosso pecado provoca a ira de Deus, mas Ele não a descarrega sobre nós, bem diferente daqueles discípulos de Jesus referidos em Lucas 9.51-56. Diante da falta de hospitalidade por parte dos samaritanos os doces e santos Tiago e João perguntaram:
– Senhor, quer que mandemos descer fogo do céu para os consumir?
A resposta do Discipulador foi rápida:
– Vocês não sabem de que espírito são vocês, pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.
A longanimidade de Deus nos salva. Devemos ser gratos a Ele por isto. Nossa longanimidade deve salvar outras pessoas, mesmo que elas não nos agradeçam.
Expressões da longanimidade
Em relação aos outros, precisamos desenvolver a tolerância máxima, não a tolerância zero, como é o padrão de muitos.
1. Quem sabe viver é longânimo.
Podemos inverter a frase que a verdade permanece: o longânimo sabe viver.
Aprendemos nos Provérbios bíblicos que “o longânimo é grande em entendimento, mas o de ânimo precipitado exalta a loucura” (Pv 14.29). A glória de uma pessoa é perdoar as injúrias (Pv 19.11) e não retribuí-las com a mesma força. “Melhor é o longânimo do que o herói da guerra, e o que domina o seu espírito, do que o que toma uma cidade” (Pv 16.32).
Naquelas horas em que o sangue ameaça ferver, lembremo-nos também que a pessoa raivosa suscita contendas, mas o longânimo, por ser sábio, apazigua a luta (Pv 15.18).
Então, perguntará alguém, ser sábio é engolir todos os sapos que nos aparecem?
Ser longânimo, reconheçamos, é engolir sapos, mas não todos. Uma pessoa longânima deve corrigir as outras, mas corrigir com longanimidade, como aconselha Paulo a Timóteo (2Tm 4.2).
Nós somos capazes de engolir sapos, mas não podemos engolir todos, sob pena de adoecermos. Nossa longanimidade (numa espécie de paciência absoluta) não pode permitir que adoeçamos, mas nossa longanimidade não pode adoecer os outros.
2. Quem buscar imitar a Deus é longânimo.
Alguém poderá objetar com a lembrança do quão difícil é ser longânimo. Se nós, imperfeitos, achamos difícil a longanimidade com os nossos iguais, imaginemos o seu preço num ser perfeito. Moisés define o caráter longânimo de Deus nos seguintes termos: “O Senhor é longânimo e grande em misericórdia, que perdoa a iniqüidade e a transgressão, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta gerações” (Nm 14.18).
A grandeza da misericórdia de Deus está em esperar que busquemos o seu perdão e em nos perdoar, seja qual for a dimensão de nossa culpa. Também nisso Ele é nosso modelo.
Sua longanimidade, no entanto, não Lhe exclui a justiça. Ele não perdoa os que não querem ser perdoados; Ele não “alivia a barra” daqueles que preferem viver na iniqüidade. Nós não temos essa prerrogativa de julgar e condenar ou absolver, pois esta pertence a Deus. Às vezes, queremos imitar a Deus no que não podemos (em seu juízo) e nos recusamos a imitá-lO no que devemos (em sua longanimidade). Ele “é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz [tremendamente] benigno” (Sl 103.8).
3. Quem é longânimo ajuda o outro a carregar o peso de sua vida.
Uma das declarações mais confortadoras de Jesus é aquela em que se apresenta como tendo um jugo suave e leve (Mt 11.30), isto é, um jugo longânimo.
Ele é assim e procede assim, para suportar (desculpe a redundância, em suas costas) os seus discípulos. Também devemos, “com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportar uns aos outros em amor” (Ef 4.2).
Queremos ser suportados pelos outros? Suportemos os outros. Não queiramos um peso para nós diferente do peso com que medimos os outros. Para nós, amor; para o outro, justiça? Não.
Para ser longânimo
Para nós, o amor do outro; para o outro, o nosso amor. Eis a chave. Você já imaginou como você é tolerante com quem você ama e como é intransigente com quem não gosta?
1. Reconheçamos que fomos salvos por causa da longanimidade do Senhor.
A pergunta do apóstolo Paulo nos recorda precisamente a razão por que fomos alcançados por Deus. “Ou desprezas a riqueza da sua bondade, tolerância e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” (Rm 2.4).
Como ensina Pedro, foi a longanimidade dEle que nos salvou (2Pe 3.15). Ele é longânimo para com o ser humano para que nenhuma de suas criações se perca (2Pe 3.9).
2. Estejamos convictos que em nós a longanimidade é fruto do Espírito Santo.
Longanimidade, portanto, é fruto do Espírito em nós. Em Deus, é da sua essência ser longânimo. Em nós, a longanimidade é contra a nossa essência, a menos que o Espírito Santo a produza. Sem o Espírito Santo, nossas obras são: as inimizades, as brigas, as ciumeiras, os acessos de raiva, a ambição egoísta, a desunião, as divisões, as invejas (…) e outras coisas parecidas com essas (Gl 5.19,20).
3. Assumamos que devemos ser modelos de longanimidade, até como instrumento para salvação de outros. É comum ouvirmos cristãos dizerem que não querem ser modelos para ninguém. Sim, não devemos ser modelos de hipocrisia, mas de verdade, devemos; não devemos ser modelos de impaciência, mas de paciência, devemos.
O que Paulo escreveu de si mesmo nós devemos escrever acerca de nós mesmos: “Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.16).
Conclusão
Busquemos o fruto do Espírito, com a marca da longanimidade.
Nós não pedimos que Deus nos capacite para evangelizar? Nós não lhe pedimos que nos ensine a orar? Peçamos também a Ele para nos capacitar a viver. Nós precisamos aprender a viver em longanimidade.
ISRAELO BELO DE AZEVEDO