Délis Ortiz, repórter especial da Rede Globo de Televisão, chegou ao Rio de Janeiro (e poderia ser em qualquer outra cidade brasileira) e tomou um táxi. O motorista, reconhecendo-a, admirou-se como ela conseguia conviver com aqueles que chamou de “ladrões de Brasília”:
— Não deveria existir déficit da previdência, os impostos nem precisariam ser tão altos, o serviço público poderia ser de primeira. O problema é que quanto mais se arrecada, mais escorre pelo ralo, tamanha a roubalheira.
Délis se admirou, mas também se admirou das espertezas que ele cometeu no trajeto, fazendo o percurso mais longo, acima da velocidade, avançando sinal, entre outros deslizes. Ao final da corrida, ela não se conteve:
— Veja como são as coisas, seu moço. O senhor veio de lá aqui destilando a ira de um trabalhador honesto. No entanto, se aproveitou do fato de eu não saber andar na cidade, empurrou uma bandeirada, andou acima da velocidade permitida, furou sinal, deu voltas, fingiu que me deu o troco certo e diz que não tem nota fiscal!. O senhor acha mesmo que ladrões são aqueles que estão em Brasília? Que diferença há entre o senhor e eles?” (ORTIZ, Délis. A cara do Brasil. Ultimato, março-abril de 2009. Disponível também em
E antes de condenar o taxista, precisamos nos olhar no espelho.
Portanto, ao mesmo tempo em que oramos pela nação brasileira, precisamos orar por nós mesmos, confessando os nossos pecados, sobretudo aqueles que condenamos nos outros.
TODO PECADO É SEMPRE CONTRA DEUS
Moisés, o líder dos hebreus no deserto, fez isto.
Ele sempre os advertiu para se cuidarem a fim de não cometerem os mesmos pecados das nações vizinhas, que adoravam bois e outros animais. Para sua extraordinária surpresa, enquanto se demorou um pouco para receber instruções diretas de Deus para si mesmo e para o povo que liderava, este povo, com a cumplicidade do seu irmão Aarão, juntou todo o ouro que tinha para fundir um boi e lhe prestar um animado culto.
Foi, quando traduzindo sua própria indignação, ele clamou ao Senhor Deus:
“Ó SENHOR Deus!
Não destruas o teu povo e a tua herança,
que resgataste com a tua grandeza,
que tiraste do Egito com poderosa mão.
Lembra-te dos teus servos Abraão, Isaque e Jacó;
não atentes para a dureza deste povo,
nem para a sua maldade,
nem para o seu pecado,
para que o povo da terra donde nos tiraste não diga:
‘Não tendo podido o SENHOR introduzi-los na terra de que lhes tinha falado e porque os aborrecia, os tirou para matá-los no deserto’.
Todavia, são eles o teu povo e a tua herança,
que tiraste com a tua grande força e com o braço estendido”
(Deuteronômio 9.26-29).
Moisés tinha consciência das consequências do pecado, seja ele individual, estadual ou federal; seja ele cometido na área pessoal ou profissional; venha ele das pessoas comuns ou dos líderes; tenha ele um significado religioso (como a adoração a um bezerro ou a um pedaço de pau) ou social (como a jogatina ou a corrupção). Erramos quando pensamos que Deus só se importa com os pecados decorrentes da falta de fé no Deus Único ou com os relacionados ao exercício imoral do sexualidade humana. A fome na África ou a desigualdade no Brasil são atentados eloquentes contra a justiça de Deus, que levam as pessoas a gritar como Castro Alves (em 1868), depois de perguntar: “Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes?”:
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p’ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito…
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!…
Uma pessoa que ora mas furta precisa pedir perdão como sua mais importante prece.
Um empresário que ora mas sonega impostos sabe que o juízo de Deus pende sobre sua cabeça.
Uma pessoa que ora mas é insensível ao sofrimento do outro, às vezes na calçada da igreja onde cultua a Deus, nega aquele a quem adora.
Uma pessoa que ora mas seu único interesse é o próprio benefício ainda não entendeu que Deus deseja ver misericórdia e não apenas cultos bonitos (Mateus 12.7).
UM BRASIL LIMPO
Queremos um Brasil sem corrupção?
1. Quando encontrarmos um objeto perdido, deixemo-lo onde está, porque, diferentemente do ditado popular, achado é roubado.
2. Quando nos depararmos com um caminhão tombado, não nos juntemos aos saqueadores, porque está errado o antigo ditado segundo o qual “pecado é roubar e não poder carregar”.
3. Quando um amigo que chegou primeiro nos oferecer um lugar na fila, respeitemos a ordem em que chegamos, mesmo que vá nos atrasar.
4. Quando nos oferecerem uma vaga para passar num concurso, para uma escola ou para um emprego, recusemos, mesmo que tantos ofereçam e tantos aceitem.
5. Quando comprarmos um produto, além de verificarmos se o fabricante tem um selo verde e se não emprega crianças no processo produtivo, chequemos se ele não ganha suas concorrências com fraude ou se não sonega seus impostos.
6. Quando comermos num restaurante, confiramos se a gorjeta vai mesmo para o garçom.
7. Quando formos declarar o imposto de renda, não omitamos receitas nem aumentemos despesas.
8. Quando o guarda nos parar na rodovia por alguma infração, deixemos que aplique a multa que nos cabe, mesmo que nos peça algo para não preencher o talão.
9. Quando nos enviarem por correio eletrônico, como anexo, o livro, ou a música ou o filme de que tanto precisamos, deletemos a mensagem sem abrir, antes que a tentação argumente.
10. Quando na roleta do ônibus, o trocador nos oferecer um bom desconto para pularmos a catraca, não sejamos seus cúmplices.
11. Quando recebermos nosso salário no final do mês, possamos agradecer a Deus por o ter ganho cumprindo nossos horários, atentando para as regras e sem tirar vantagens indevidas, jamais desviando o que quer que seja, tempo, documento ou dinheiro que não nos pertençam.
Precisamos abafar a cultura da corrupção, manifesta em tantas maneiras, como no caso do bondinho de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, que descarrilou em agosto de 2011. Como haverá indenizações, várias pessoas que não estavam no bonde se apresentaram como vítimas do acidente.
O PODER POLÍTICO DA ORAÇÃO
A oração de Moisés por seu povo nos oferece um programa de oração pelo Brasil.
1. Moisés ora a um Deus que tinha expectativas elevadas para o povo. Não podemos orar a um Deus diferente do Deus de Moisés. Moisés é um homem indignado com o pecado do seu povo e ora a um Deus indignado com o pecado do povo.
2. Moisés intercede pelo seu povo, para não ser destruído, porque ele sabia o que o pecado pode fazer. Ele corrói a nação. Por isto, nosso primeiro dever cívico é orar por nossa pátria, uma ação de maior peso do que cantar perfilado respeitosamente o Hino Nacional Brasileiro.
3. Moisés se coloca diante de um Deus que já fez muito pelo povo e muito ainda fará se o povo se humilhar diante de Deus, orar a Deus, buscar a Deus e se converter dos seus maus caminhos, para que tenham os seus pecados perdoados e a curada a terra (2Crônicas 7.14).
Moisés conhece a história do que Deus já fez pelo povo. A história é fio que conduz a fé: Deus fez, Deus faz. Podemos orar a ele, mesmo quando todo o tecido da sociedade se encontra corrompido. Em nossa vida, como indivíduos e nação, devemos considerar o que Deus já fez por nós.
4. Moisés sente-se envergonhado diante da possibilidade de sua nação ser ridicularizada por outros povos. Se Moisés fosse brasileiro ficaria envergonhado e pediria que Deus tenha misericórdia de nós. Uma organização não-governamental (Transparency International) prepara anualmente um ranking das nações em termos de transparência. Quanto maior a nota, menos corrupção. O primeiro lugar é da Dinamarca, com a nota 9.3. O Brasil ocupa a ridícula posição 69, recebendo a vergonhosa nota 3.7. (http://www.transparency.org/). Precisamos orar contra a corrupção. Precisamos ensinar integridade nas escolas. Precisamos ensinar ética nas igrejas.
5. Moisés se põe na brecha pelo seu povo. Deus espera que eu e você também nos coloquemos na brecha, posição que entendemos ouvindo o seguinte recado do profeta Ezequiel: como os príncipes “praticam extorsão, andam roubando, fazem violência ao aflito e ao necessitado e ao estrangeiro oprimem sem razão”, Deus procurou uma pessoa que “se colocasse na brecha”, a favor d terra, mas não achou ninguém. O resultado, naquele tempo, foi desastroso (Ezequiel 22.29-30). Se não orarmos pelo Brasil, nós mesmos colheremos os resultados, porque uma nação não se faz apenas com desenvolvimento econômico. Ela se faz com os olhos da sua gente voltados para Deus, que nos ensina a valorizar os interesses dos outros como prioritários.
DE QUEM PRECISAMOS
Precisamos de políticos que não se corrompam, como Luciano Lopes. Vereador na cidade do Rio de Janeiro nos anos 60 do século 20, saiu com o mesmo patrimônio com que entrou. Como peixe fora d’água, ele nunca participou de um conchavo sequer.
Precisamos de empresários que não corrompam, como o Matheus. Matheus é um empresário do setor de serviços. Ele opera alguns estacionamentos no estado do Rio de Janeiro. Não procure por sua empresa em grandes empreendimentos. Ele não ganha as concorrências. Na verdade, na maioria, nem participa delas. Ele se recusa a participar dos esquemas de cartas marcadas para vencer. Se você perguntar porque ele não entra no esquema, ele responderá:
— Eu sei que o dia em que eu entrar, não vou sair mais.
Precisamos de profissionais que não se corrompam, como a Cristina. Trabalhando num tribunal, por ela passavam todos os processos de compra na instituição. Como ela, coerente com a sua fé em Jesus Cristo como Salvador e Senhor, não se dobrava às propinas, aos recados e às ameaças para abandonar a lisura, teve que abrir mão da função remunerada, para preservar a sua vida. Ela perdeu, mas não se curvou.
Precisamos de homens e mulheres que não corrompam e nem se corrompam.
Precisamos de homens e mulheres que vivam do modo que querem que o povo e as elites vivam.
Precisamos de pessoas sensíveis e a oração é a melhor escola para a sensibilidade social. Homens sensíveis não fazem como vários políticos de Friburgo (Rio de Janeiro) que, durante as terríveis enchentes de 2010, enquanto a cidade submergia na lama e os cadáveres não tinham ainda sido sepultados, trancaram-se em salas protegidas para ver como dividiriam entre si o dinheiro enviado para a reconstrução da cidade.
Precisamos de pessoas sensíveis, capacitadas pela oração para interceder, como Moisés, pelo nosso Brasil. Ele tem jeito. E o jeito começa com a oração, com a nossa oração, este nosso primeiro dever cívico.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO