TU, E A TUA CASA
A maneira de lermos a Bíblia é condicionada pelo que ouvimos e lemos acerca da mesma. Assim acontece com a passagem de Atos 16:25-34. Somos levados a ver nesse texto apenas a conversão do carcereiro de Filipos, por causa da abordagem que os pregadores fazem à mesma, mas a verdade é que ali se trata da conversão de toda a sua família. À pergunta do carcereiro sobre o que poderia fazer para ser salvo, Paulo replicou: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa” (v. 31).
O que Paulo quis dizer é que não há nada que possamos fazer para salvar a nossa família, a não ser levá-la a crer em Jesus e a recebê-lo como Salvador. Todas as outras tentativas de salvar a família estão fadadas ao fracasso, pois só Jesus pode fazer isto.
Na época desse acontecimento, a família era muito diferente da de hoje. Era constituída não somente de pais e filhos, mas geralmente de outros parentes e agregados, e dela também faziam parte os servos ou empregados. Todos estes moravam na mesma casa e ali tinham o seu negócio, fosse indústria, comércio, agricultura ou agropecuária. Não havia muito espaço para o indivíduo, a família era tremendamente integrada. Portanto, se alguém da família se convertia ao Evangelho, isto produzia um grande impacto. Por isto a igreja lutava sempre para que toda a família se convertesse.
Hoje em dia a família não mais trabalha num mesmo negócio; seus membros espalharam-se pelas mais diversas atividades. Temos uma nova organização do trabalho. As grandes indústrias, as grandes redes de comércio e de serviços, os meios de transportes e de comunicações, e as opções de lazer e diversão, fizeram florescer o individualismo em toda a sua plenitude.
Por outro lado, não devemos entender que nesta passagem Paulo esteja ensinando que se o chefe da família é salvo, toda a família o será, por conseqüência. Pelo contrário, o v. 32 diz que o evangelho foi pregado a todos membros da família do carcereiro, e está implícito que todos aceitaram, pois a condição para o batismo era, e continua sendo, a fé pessoal em Jesus. Entretanto, esta ênfase na fé e responsabilidade pessoal, junto com a modernização da sociedade que levou ao isolamento dos membros da família, conduziu até mesmo a igreja de Cristo a não considerar relevante o fato de estar ocorrendo, cada vez mais, a conversão de apenas um ou outro membro de uma família, e não de toda a família. Precisamos voltar à ênfase antiga: de que é preciso pregar o evangelho a toda a família, é preciso que toda a família seja salva. A mensagem continua sendo: “Crê no Senhor Jesus, tu e a tua casa”.
Ao pregar seu grande sermão no dia de Pentecoste, Pedro, citando o profeta Joel, disse: “Pois a promessa é para vocês, e para os seus filhos e para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor nosso Deus chamar” (Atos 2:39).
Este versículo faz referência a uma promessa que está no Velho Testamento, em Joel 2:28,29. É interessante que, nesse mesmo capítulo, Joel faz esta conclamação: “Toquem a trombeta em Sião, decretem jejum santo, convoquem uma assembléia sagrada. Reúnam o povo, consagrem a assembléia; ajuntem os anciãos, reúnam as crianças, mesmo as que mamam de peito. Até os recém-casados devem deixar seus aposentos.” (2:15,16)
Portanto, a interpretação que Pedro deu à profecia de Joel tornou-se a pedra de toque para a obra de evangelização da igreja primitiva: a promessa é para toda a família, quer dizer, a pregação do evangelho deve ser sempre dirigida a toda a família. E através da história dessa igreja percebe-se que se tratava não apenas de um bom propósito, mas de uma estupenda estratégia para o crescimento.
É notável a quantidade de citações, no Novo Testamento, de casas inteiras que se convertem e de igrejas que se reúnem em casas (“casas” aqui entendidas como foi explicado acima). Pelo fato de nem sempre haver um espaço público disponível, a igreja local precisava reunir-se na casa de um dos crentes, e esta, evidentemente, deveria ser, de preferência, consagrada totalmente ao Senhor.
Este modelo de evangelização perdurou por todos os séculos da história da verdadeira igreja de Cristo. Aliás, em algumas épocas de perseguição cruel, em que houve tentativas de massacrar a igreja, foi este modelo que a preservou, pois nestas ocasiões ela recolheu-se para dentro dos lares, e resistiu com sucesso às investidas para extinguí-la.
Apesar de vivermos hoje numa sociedade extremamente individualista, percebemos com clareza que esta ainda é a estratégia que dá certo: evangelizar famílias inteiras e não apenas indivíduos isolados.
Após séculos de história e progresso, há um sentido em que a família nunca mudou: em qualquer sociedade ela constitui o grupo humano mais permanente, mais estável, e praticamente indestrutível. Após caírem todas as estruturas da sociedade ainda permanece a família. Isto foi provado, por exemplo, na guerra étnica de Kosovo, quando famílias separadas e dilaceradas pela tragédia lutaram tenazmente para sustentar sua unidade. Como disse alguém: “Quase nada é superior a uma união perpétua entre a mãe e o pai para a criação de filhos saudáveis e felizes” (Norman Geisler, “Ética Cristã – Alternativas e Questões Contemporâneas”, Ed. Vida Nova, SP, 1984, p.172).
Justamente por causa desses laços de família é que o servo de Deus não pode contentar-se com menos do que toda a família salva. Ele não se sentirá totalmente alegre enquanto houver um só de seus familiares não salvo. Aliás, este é o ideal de Deus. Por isso é que o apóstolo Paulo e seu amigo Silas responderam ao carcereiro de Filipos que poderiam (e precisavam) ser salvos ele e sua família, se cressem em Cristo. O carcereiro prontamente entendeu esta mensagem e os levou para sua casa, onde pregaram a toda a família, e todos aceitaram a Jesus e foram batizados.
Deus criou o indivíduo, depois a família e mais tarde a igreja. Para existir como indivíduo na acepção da palavra, o ser humano precisa de uma família, isto é, um pai e uma mãe que o concebam, e um ambiente onde possa ter toda uma formação – física, moral e espiritual. Ninguém escolhe em qual família deverá nascer, mas escolhe se deseja pertencer ou não à igreja. A responsabilidade é estritamente pessoal. Por isso não se deve batizar uma criança sem entendimento do que é o batismo; mas quando ela for capaz de fazê-lo, deve ser persuadida (por favor, não entender “pressionada”) a reconhecer-se pecadora e crer em Jesus como seu único e suficiente Salvador.
O carcereiro, que queria suicidar-se, passou rapidamente do desespero à alegria, por causa de sua experiência com Jesus. Mas sua alegria tornou-se ainda maior, pois toda a sua família creu. Diz a Bíblia: “e alegrou-se muito com toda a sua casa, por ter crido em Deus” (Atos 16:34).