Deus fala através de profetas ainda hoje. Os profetas são aqueles que estão com o ouvido colocado na boca de Deus. Falam (ou só devem falar) o que Deus quer que o povo ouça.
O profeta fala para o presente sobre o passado, sobre o presente e sobre o futuro.
Tomemos o exemplo de Esdras. Quando ora (Esdras 9), Esdras, um sacerdote que conservou a sua missão profética, confessa os pecados do povo e espera que o povo confesse os seus pecados, sentindo-se envergonhado pelo que os seus antepassados fizeram. Eis suas palavras:
"Meu Deus,
estou por demais envergonhado e humilhado
para levantar o rosto diante de ti, meu Deus,
porque os nossos pecados cobrem a nossa cabeça
e a nossa culpa sobe até os céus.
Desde os dias dos nossos antepassados até agora,
a nossa culpa tem sido grande".
(Esdras 9.6-7a — NVI)
Banhadas em lágrimas, estas palavras revelam a atitude que deve ser a nossa diante do pecado que nossos antepassados cometeram e nós continuamos a trágica tradição. No plano pessoal e no plano comunitário, o passado é sempre presente, enquanto não for confessado como errado, como contrário à vontade de Deus.
Quando Pedro, mais profeta do que sacerdote, se dirige ao povo no dia Pentecoste, possivelmente em junho do ano 28 da nossa era:
“Israelitas, ouçam estas palavras:
Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais que Deus fez entre vocês por intermédio dele, como vocês mesmos sabem.
Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz.
Mas Deus o ressuscitou dos mortos, rompendo os laços da morte, porque era impossível que a morte o retivesse".
(Atos 2.22-24 — NVI)
O profeta põe o dedo na ferida, mas sempre sem esquecer a esperança, a esperança que canta que Deus ainda hoje rompe os laços da morte, esperança que há para os que se convertem a Jesus e se põem a segui-lO no seu caminho.
O Cristianismo na América Latina é culpado de destruir culturas, massacrar índios e escravizar os negros, ao concordar com as práticas dos colonizadores e fazer parte do sistema escravagista, até mesmo justificando-o. Aqui houve profetas, como Bartolomé de las Casas. O mesmo se aplica aos cristãos nos Estados Unidos. Ali houve profetas, um deles sendo o pastor Martin Luther King Jr, que pagou com a vida o sonho pela igualdade entre brancos e negros. No Brasil em geral, é vergonhoso o lugar que temos dados às mulheres, que ainda hoje ganham menos que os homens para fazer o mesmo trabalho que eles. No caso do Brasil batista, há várias pastoras, ordenadas legitimamente por igrejas batistas, mas a Ordem dos Pastores Batistas do Brasil se recusa a incorporá-las ao seu rol. Eu não faço parte desta Ordem. Eu não posso fazer parte desta Ordem.
Os profetas da igreja devem falar ao mundo, e também à igreja, o que Deus quer falar que o povo ouça. Neste caso, os profetas devem dizer que
"na família de Cristo
não pode haver divisões entre judeus e não judeus,
escravos e livres,
homens e mulheres.
Entre vocês todos são iguais".
(Gálatas 3.28 — A MENSAGEM)
Na antiguidade Deus falava com os seus profetas por meio de sonhos e visões. Hoje ele ainda fala por meio de sonhos e visões, mas fala sobretudo por sua Palavra, o livro a que chamamos de Bíblia.
Os profetas no passado contaram que haveria o Natal. Lemos suas profecias na Bíblia, como a de Isaías, que imagina o que aconteceria como já tendo acontecido, porque para nós já aconteceu.
"Porque um menino nos nasceu,
um filho nos foi dado,
e o governo está sobre os seus ombros.
E ele será chamado
Maravilhoso Conselheiro,
Deus Poderoso,
Pai Eterno,
Príncipe da Paz".
(Isaías 9.6 — NVI)
Conhecemos e memorizamos esta profecia, cujo texto todo é inspirador e desafiador.
"O povo que caminhava em trevas viu uma grande luz;
sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma luz.
Fizeste crescer a nação e aumentaste a sua alegria;
eles se alegram diante de ti como os que se regozijam na colheita,
como os que exultam quando dividem os bens tomados na batalha.
Pois tu destruíste o jugo que os oprimia,
a canga que estava sobre os seus ombros,
e a vara de castigo do seu opressor,
como no dia da derrota de Midiã.
Pois toda bota de guerreiro usada em combate
e toda veste revolvida em sangue serão queimadas,
como lenha no fogo.
Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado,
e o governo está sobre os seus ombros.
E ele será chamado
Maravilhoso Conselheiro,
Deus Poderoso,
Pai Eterno,
Príncipe da Paz.
Ele estenderá o seu domínio,
e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi
e sobre o seu reino, estabelecido e mantido com justiça e retidão,
desde agora e para sempre.
O zelo do Senhor dos Exércitos fará isso".
(Isaías 9.2-7 — NVI)
O povo caminhava em trevas e recebeu a profecia do Natal do Salvador.
A igreja hoje, ao contar a história do Natal ocorrido, profetiza, como Isaías profetizou.
O povo caminha em trevas e precisa da profecia do Natal de Jesus Cristo. Tomemos uma exemplo.
Toda última sexta-feira de Novembro, logo após o dia de Ações de Graças nos Estados Unidos, o comércio faz faz com descontos de até 90% dos seus produtos, chamando-o de Sexta-Feira Negra ("Black Friday"). As pessoas lotam as lojas. Em 2011, uma mulher, para garantir o seu consumo, usou uma arma com gás pimenta para eliminar os concorrentes e fazer suas compras. Várias pessoas ficaram feridas pela luz do consumo. Aquela mulher caminhava nas trevas. Caminham nas trevas todos os que pensaram que o consumo é a essência da vida ou o que resta da vida. O consumo como um sentido para a vida é sentido cheio de trevas, sem clara luz, sem a clara luz do Natal.
O que têm os profetas a dizer sobre isto?
Se os profetas não falarem, as pedras clamarão. Alain de Bottom, que não é cristão, comparou certa vez a religiosidade brasileira com a norte-americana. Segundo ele, o Brasil "é um país religioso de um modo bom, não é fundamentalista, a religião aqui tem uma influência calmante, diz às pessoas que há outro mundo além desse, isso faz com que o espírito brasileiro seja mais relaxado, enquanto o americano é sobressaltado, focado no dinheiro e no sucesso de um modo louco, porque não há nada além daqui. Tenho a sensação de que o Brasil é um pouco mais equilibrado nesse sentido. Mas não compro essa conversa de que os brasileiros são alegres. São bastante afetuosos, mas sinto muita tristeza também, uma certa melancolia". 1 O que mais me chamou a atenção foi o diagnóstico sobre os Estados Unidos. Se de Bottom estiver correto, fica explícito o lugar do consumo naquela cultura. Se os Estados Unidos são uma população que se confessa majoritariamente cristã, o consumo se tornou o seu deus, talvez pela falta de perspectiva da fé numa existência após a vida na terra.
Fiquei pensando numa rede de lojas brasileira que faz seus funcionários ostentarem o seguinte dístico: "O natal é bonito, mas pode ser lindo". Se você comprar muito, seu natal pode ser lindo. Quanto mais você comprar, mais lindo você será. Não é se você for generoso; não é se você adorar a Jesus como Senhor e Salvador; não é se você confessar os seus pecados e se arrepender diante de Jesus. A igreja precisa profetizar que consumir não pode ser o sentido da vida. É apenas uma coisa boa da vida, se for realizada com moderação.
A alegria do consumo — falo aos cristãos — não nos pode tirar a alegria de saber que
"um menino nos nasceu,
um filho nos foi dado,
e o governo está sobre os seus ombros.
E ele será chamado
Maravilhoso Conselheiro,
Deus Poderoso,
Pai Eterno,
Príncipe da Paz".
De presente, recebemos um menino.
Mas um menino que nos pega pela mão
e nos mostra como devemos fazer o caminho.
Se deixarmos que ele nos conduza,
escutando sua maravilhosa orientação,
veremos o que o seu poder por nós faz,
descansaremos no colo de um pai sempre presente
viveremos em verdadeira paz,
promessas do Natal que a razão não entende.
(O MENINO DA PROFECIA — Israel Belo de Azevedo (2011)
Esta é a mensagem que temos que profetizar.
Nós mesmos, que a pregamos, o que fazemos com ela quando a ouvimos?
Lemos, seis séculos antes, no Antigo Testamento, que o Natal aconteceria porque o zelo do Senhor dos exércitos faria isto (Isaías 9.7). E lemos no Novo Testamento que o zelo do Senhor dos Exército fez isto: quando chegou a plenitude dos tempos (Gálatas 4.4 e Efésios 1.10), Jesus veio ao mundo.
Por que ficamos cheios de medo quando a incerteza nos alcança? Por que duvidamos que Deus fará o que prometeu? Por que achamos que Deus se esqueceu de nós, quando os problemas entulham nossas vidas?
Podemos achar que "a bota do guerreiro" nos está pisando (Isaías 9.5), mas podemos crer que a bota da injustiça será queimada, para nunca mais atacar e destruir. Depois que Jesus nasceu, podemos ter esperança.
Podemos achar que os que sujam suas vestes derramando violentamente o sangue dos inocentes (Isaías 9.5) nunca serão alcançados, mas podemos crer que as roupas da crueldade serão queimadas, nada sobrando do seu antigo poder. Depois que Jesus nasceu, podemos ter esperança.
O governo dos homens pode trilhar no ritmo da corrupção e da mentira, mas Deus faz diferente. O Natal nos ensina que Deus trabalha com justiça e retidão. O Natal nos convida a viver de modo justo e reto, como uma forma de agradecer a liberdade da graça que nos conquistou.
Podemos correr, para aqui e ali, mas podemos parar para ouvir o maravilhoso conselho (Isaías 9.6) do Espírito Santo de Deus para a nossa situação.
Podemos sucumbir diante da injustiça e da desigualdade deste mundo, mas podemos lutar contra elas, sabendo que temos ao lado o Deus poderoso (Isaías 9.5), que traçou para os que respondem com amor ao seu amor "um glorioso caminho de vida", feito com "força sem fim", com "poder ilimitado". Afinal, Deus nos mostra no Natal de Jesus que Ele "está no comando de tudo e tem a palavra final a respeito de tudo" (Efésios 1.19 e 21 — A
MENSAGEM)
Podemos nos embaraçar com coisas passageiras, mas podemos ter os nossos olhos fixados naquilo que o Pai Eterno faz (Isaías 9.5).
Podemos permitir que dentro de nós mesmos a nossa natureza centrada em Cristo enfrente os ataques de nossa natureza ainda escrava do pecado, mas podemos convidar a Jesus, o príncipe da paz (Isaías 9.5), o artífice da paz, o penhor da paz, para que Ele sele a paz dentro de nosso coração e, a partir do nosso coração, traga a paz para um mundo que prefere os gritos de guerra.
Podemos tatear no escuro (Isaías 9.2), sem saber para onde estamos indo, achando que hoje a verdade está aqui e amanhã ali, mas podemos ver a luz que Jesus irradia e experimentar a sua alegria e viver por sua alegria, sabendo que Jesus é a nossa alegria, como Johann Schop (1590-1664) e Johann Sebastian Bach (1685-1750).
Jesus permanece minha alegria,
o conforto e o vigor do meu coração.
Jesus cura toda a aflição.
Ele é a força da minha vida,
o prazer e o sol dos meus olhos
o tesouro e a glória da minha alma.
Por isto, nunca deixarei que Jesus
fique longe do meu coração e da minha face.
(BWV 147, movimento coral nº 10)
Sou feliz porque tenho Jesus
e bem firme eu o seguro,
para que traga alívio ao meu coração
quando estiver triste e abatido.
Tenho Jesus que me ama
e ele mesmo me acalma.
Não deixarei que Jesus se vá,
mesmo que meu coração se parta.
(BWV 147, movimento coral nº 6) 2
***
Por isto, celebramos a criança-luz, que é Jesus, nascido com todas as crianças, mas que veio para ser o Salvador de cada um de nós.
O natal é profecia.
E somos chamados a dizer ao mundo esta Palavra de Deus.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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1 CANÔNICO, Marco Aurélio. No Brasil, Alain de Botton critica elite, caos de SP e desigualdade. Folha de S. Paulo, de 26.11.2011. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1011999-no-brasil-alain-de-botton-critica-elite-caos-de-sp-e-desigualdade.shtml>
2 Tradução de Israel Belo de Azevedo.