3 (Parte 1)

Pedro precisou voltar ao lugar do encontro para entender melhor as coisas.
As marcas dos pés, as que não foram apagadas pelas ondas, podiam ser pisadas de novo, mas Pedro não precisou fazer isto. As lembranças eram tão fortes quanto as pegadas.
Pedro continuou caminhando pela praia do lago de Tiberíades.
Enquanto olhava para aquelas agora calmas ondas, pés descalços, ele se perguntava como tudo podia ter acontecido.
Foi tudo muito rápido.
Parece que foi ontem que lhe perguntaram se O conhecia e ele disse que não. E perguntaram três vezes. Ele teve três oportunidades de se corrigir, mas o medo o dominou.
Logo depois, tentou marcar ponto, decepando a orelha de Malco, mas  foi duramente repreendido. O que se seguiu foi uma tempestade de fatos que só acalmou no sábado, seu Kurios enterrado.
Mas o sábado foi terrível, pelas recordações dos sofrimentos da quinta e da sexta. Aquele foi um dia sem destino. Dois anos e meio ali com ele, desde aquela manhã em que recebeu o seu convite. A memória ainda guarda: foi uma manhã sem pesca no lago de Tiberíades. O lago estava calmo, mas não tinha peixe. Ele estava conversando com seus irmãos sobre a dificuldade de ser pescador e viver do que traziam para seus barcos. Então, Jesus se aproximou. Já o conheciam. Todo mundo conhecida todo mundo em Cafarnaum. Também sabiam que ensinava bem e que tinha feito alguns milagres por ali.
— Estou formando um grupo de pessoas que querem fazer parte do Reino de Deus.
Silêncio.
— Quem me seguir não vai mais pescar peixe: vai pescar gente.
Entreolharam-se todos. Cefas, que estava sentado numa ponta do barco na areia, alguns metros da água, desceu; André pulou também. Jesus começou a andar, olhando ainda para trás.
Pedro repetiu para si mesmo o que já dissera tantas vezes: "Nós o seguimos. Por quase três anos o seguimos. Até chegarmos a Jerusalém pela última vez".
O sábado foi terrível e Pedro não conseguiu dormir de noite. Bem cedo, completamente escuro, chegaram umas mulheres vizinhas dizendo que seu Kurios não estava no túmulo de José de Arimateia onde fôra guardado perfumado no final da sexta-feira. Vestiu-se de qualquer jeito e foi correndo conferir aquela história incrível. Se fosse verdade, meu Deus, deixar o barco não teria sido em vão. A vida não ia mais ser só lembranças: alguma coisa iria acontecer.
E o túmulo estava vazio e Jesus começou a aparecer às pessoas.
Pedro agora, caminhando pela praia do lago de Tiberíades, repetia cada palavra que o seu Mestre lhe dissera.
— Shalom, Cefas.
— Rabi!
E antes que Pedro se derramasse em elogios, o Rabi lhe perguntou:
— Você me ama?
Três vezes a mesma pergunta. Três vezes a mesma resposta.
Três vezes o mesmo pedido:
— Tome conta das minhas ovelhas.
Três foram as vezes que o negou.
Três vezes. Caminhando pela praia, Pedro sabia que precisava aprender a perdoar.
Caminhando pela praia, Pedro se perguntava, sem que uma resposta lhe viesse:
— Como poderei apascentar as ovelhas do Kurios Jesus Cristo?

ISRAEL BELO DE AZEVEDO