MARIA, DIANTE DO DR. LUCAS

Como, Lucas, não guardar tantas coisas no coração?
Foram muitos fatos se sucedendo, como numa cachoeira, sem tempo para refletir. Era uma coisa atrás da outra sem parar.
Primeiro, minha prima mais velha ficou grávida. Estávamos ainda celebrando a novidade, quando a história mudou para o meu lado.
Eu também fiquei grávida. Só que Isabel já era casada com o tio Zacarias. Eu, não. Estava prometida. Desde meus 13 anos estava certo que me casaria com José. Eu imaginava que Deus me abençoaria com muitos filhos com ele. Imaginava os meninos correndo pela carpintaria do pai. Imaginava até que um dia iríamos todos visitar a terra dos seus pais em Belém, depois que as crianças tivessem crescido um pouco. Eu queria que meus filhos conhecessem os avós paternos. José era sozinho em Nazaré. Veio mudar de vida. Acho que ele veio para me conhecer.
Então, Gabriel surgiu, do nada, e disse que eu ficaria grávida do nada e que não seria de José? Demorei a entender, mas compreendi que era o Altíssimo. E guardei no meu coração.
Guardei até as reações dos que não entenderam, mas como eu poderia estar grávida de José, se nunca fiquei sozinha com ele um minuto sequer?
José ficou chateado com a situação. Ele sabia que o filho não era dele. Depois me disse que pensou em pedir o divórcio. Só desistiu quando Gabriel lhe explicou.
Neste turbilhão todo, o que me ajudou foi ler as profecias. Conhecia alguma, mas nunca prestei muita atenção. Eu esperava o Messias, mas não para agora. Li que o Messias nasceria em Belém e que a sua mãe seria uma virgem.
Minha gestação foi tranquila, mais do que a de Isabel. O João era mais agitado, Lucas. Estive lá na casa dele. Eu já estava em Nazaré quando José disse que precisava falar comigo. Então fiquei sabendo que precisávamos ir a Belém. Entendi. Tinha lido o profeta Miqueias, mas nossa era ideia era voltar para ter o bebê na casa dos meus
pais.
A viagem correu bem. Não senti nada naqueles 15 dias. Fomos devagar. Nosso jumentinho era bem calmo. Fomos bem recebidos em todas as casas em que pernoitamos. Minha gravidez de cinco meses facilitou ainda mais a hospitalidade. Não houve nada de especial, mas cheguei cansada, muito cansada.
Em Belém, logo procuramos uma casa do vovô Matã, vovô de José, na verdade, e que já tinha descansado com os seus pais. Foi uma festa a nossa chegada. Depois que descansamos, José cumpriu sua obrigação na coletoria (foi para isto que tivemos que ir lá) e começamos a nos preparar para voltar. Então: a surpresa. José tinha muitos parentes por lá. Ele não nos deixaram retornar. Insistiram que era mais seguro que tivéssemos Jesus em Belém.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO