Êxodo 19.1-6
No dia em que se completaram três meses que os israelitas haviam saído do Egito, chegaram ao deserto do Sinai.
Depois de saírem de Refidim, entraram no deserto do Sinai, e Israel acampou ali, diante do monte.
[FOTOS DO MONTE SINAI]
Logo Moisés subiu o monte para encontrar-se com Deus.
E o Senhor o chamou do monte, dizendo:
— Diga o seguinte aos descendentes de Jacó e declare aos israelitas: "Vocês viram o que fiz ao Egito e como os transportei sobre asas de águias e os trouxe para junto de mim. Agora, se me obedecerem fielmente e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações. Embora toda a terra seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. Essas são as palavras que você dirá aos israelitas”. (Êxodo 19.1-6 — NVI)
O Novo Testamento retoma esta promessa, aplicando-a aos cristãos, e não mais apenas aos judeus:
"Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. Antes vocês nem sequer eram povo, mas agora são povo de Deus; não haviam recebido misericórdia, mas agora a receberam". (1 Pedro 2.9, 10 — NVI)
O POVO DE DEUS OLHA PARA DEUS
É comum chamar os cristãos, sobretudo evangélicos, de "povo de Deus".
Há uma emissora que se apresenta como a "radio do povo de Deus".
A expressão é muitas vezes usada com orgulho por pessoas, até para se achar protegida por pertencer ao povo de Deus.
Existe o povo de Deus? Quem é parte dele?
Comecemos, a partir do texto que lemos, por falar do Deus deste assim chamado "povo de Deus".
1. O povo de Deus sabe quem é Deus, Aquele que tem poder ilimitado.
Achando-se poderoso, o Faraó do Egito decidiu enfrentar o Senhor Deus, numa espécie de quebra-de-braço. Perdeu. Quando lemos o relato sobre as dez pregas sobre o Egito, vemos que o insensato Faraó não foi um adversário à altura para Deus, porque não há adversário à altura de Deus. Esta percepção se traduz em outra: não há problema que Deus não possa vencer por nós. Deus jamais perde uma batalha. É por isto que, com Ele, somos mais que vencedores (Romanos 8.37 — NVI).
2. O povo de Deus sabe quem é Deus, Aquele que o conduz sobre as asas das águias.
Esta é uma imagem única, ao comparar o cuidado de Deus ao cuidado das águias com seus filhos. Há 33 referências à águia na Bíblia, do Êxodo ao Apocalipse. Entendemos a imagem de Êxodo lendo o poema que aparece em Deuteronômio 32.1-12:
“Pois o povo preferido do Senhor é este povo,
Jacó é a herança que lhe coube.
Numa terra deserta ele o encontrou,
numa região árida e de ventos uivantes.
Ele o protegeu e dele cuidou;
guardou-o como a menina dos seus olhos,
como a águia que desperta a sua ninhada,
paira sobre os seus filhotes,
e depois estende as asas para apanhá-los,
levando-os sobre elas.
O Senhor sozinho o levou;
nenhum deus estrangeiro o ajudou.
(Deuteronômio 32.9-12 — NVI)
Voando sobre as asas das águias, o povo de Deus está seguro, envolvo em asas longas e protetoras.
Voando sobre as asas das águias, o povo de Deus está acima dos problemas.
Voando sobre as asas das águias, o povo de Deus tem a melhor perspectiva da vida, a perspectiva do alto, com tudo o que isto significa.
3. O povo de Deus sabe quem é Deus, Aquele que atrai seu povo em sua direção.
O profeta Oseias nos traz esta autoidentidade de Deus, que diz:
"Atraí-os [o povo de Deus] com cordas humanas, com laços de amor;
fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas
e me inclinei para dar-lhes de comer.
(Oseias 11.4 — NVI).
Um poeta sacro, o português José Ilídio Freire (1892-1982), preferiu outra imagem para dizer a mesma verdade:
"Um só rebanho, um só Pastor.
Ó Cristo, és digno do nosso louvor.
Tu és o ímã que nos atrai,
e só por ti adoramos o Pai,
e só por ti adoramos o Pai".
(Hino 574 HCC)
Deus quer ter comunhão com o seu povo. Ele a quer, primeiro porque o ama (ah! se cada manhã anos levantarmos, saíssemos do quarto de dormir aconchegado por esta certeza!), segundo porque sabe que este povo não pode sobreviver sem Ele (ah! se não fossemos tão teimosos e não fosse atrás de outros deuses, com seus nomes modernos: poder, fama, prosperidade, sexo!) e terceiro porque que só Ele pode alimentar sadiamente este povo (ah¡ se nos lembrássemos que só Jesus é o pão da vida! não ficaríamos correndo atras do pão que perece, como aprendemos da boca de Jesus: "Não trabalhem pela comida que se estraga, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem lhes dará. Deus, o Pai, nele colocou o seu selo de aprovação”! — João 6.27 — NVI). O que temos comido? Quem nos tem atraído? Com quem temos tido comunhão?
4. O povo de Deus sabe quem é Deus, Aquele que lhe dá atenção especial.
Deus chama o seu povo de "tesouro pessoal".
Pensei nos governos. Quando os presidentes (no regime presidencialista) ou primeiros-ministros (nos sistemas parlamentaristas) formam suas equipes, engolem muitos indicados pelos partidos que os apóiam. No entanto, alguns são de sua cota pessoal; são pessoas de sua confiança, nutrida há muitos anos. Esses ministros não caem, porque são da cota pessoal do mandatário.
Há muitos povos (todos os povos da terra, na verdade) no coração de Deus, mas há um que lhe é mais querido. Sei que esta é uma imagem difícil de aceitar, mas Deus tem um povo, um povo que é de sua propriedade, um povo que ele comprou. O apóstolo Pedro diz que este povo é de "propriedade exclusiva" de Deus.
Ele ama a todos os povos, amas ama particularmente o seu povo, aquele que faz parte do "tesouro pessoal".
A tradução desta ideia é simples e pode ser posta numa palavra: cuidado. Assim como uma professora cuida dos seus alunos, ela cuida mais especialmente daquele filho que ela gerou, que faz parte da sua família. Nós somos parte da família de Deus, cujo Pai é Ele mesmo. Ele cuida dos seus familiares.
Em resumo, o povo de Deus, portanto, sabe que Deus tem poder ilimitado.
O povo de Deus, então, sabe que Deus o conduz sobre as asas das águias.
O povo de Deus, assim, sabe que Deus o atrai em sua direção.
O povo de Deus, deste modo, sabe que Deus que lhe dá atenção especial.
O povo de Deus, é claro, sabe que Deus que permite um relacionamento tao profundo com Ele que cada integrante deste povo é seu próprio sacerdote.
DEUS OLHA PARA O SEU POVO
Até agora falamos mais sobre Deus e pouco sobre o Seu povo.
E a primeira e mais importante pergunta é: quem é o povo de Deus?
E a resposta mais comum é também a mais incompleta: o povo de Deus é o conjunto daqueles que fazem parte da igreja de Jesus Cristo.
Há uma outra respostas, mais inclusiva: a humanidade é o povo de Deus. É frequente a expressão: "eu também sou filho de Deus".
O texto que lemos nos dá uma resposta bastante clara, pelo que precisamos lé-lo outra vez: "Vocês viram o que fiz ao Egito e como os transportei sobre asas de águias e os trouxe para junto de mim. Agora, se me obedecerem fielmente e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações. Embora toda a terra seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. Essas são as palavras que você dirá aos israelitas”. (Êxodo 19.1-6 — NVI)
O povo de Deus, fica evidente, é o conjunto daqueles que obedecem fielmente e guardam fielmente a aliança que foi celebrada com este mesmo Deus.
O pertencimento ao povo de Deus é, pois, condicional.
Achar-se povo não significa ser povo.
Uma situação ilustra o que estamos dizendo.
Entre os que viajavam pelo deserto, saídos do Egito, alguns não eram hebreus (Números 11.4). Eles são chamados de "vulgo" (ARC) ou "populacho" (ARA) ou "grande mistura" (TB), porque eram, na verdade, "estrangeiros" (NTLH, NVI). Em algum momento, eram contados como hebreus e em outros, não, porque não o eram. Eles se achavam povo de Deus, mas não eram.
Para ser povo de Deus, há condições a ser preenchidas?
Quais? Quem é, então, o povo de Deus?
Não basta chamar-se a si mesmo de "povo de Deus". É preciso ser povo de Deus.
Não basta afirmar a identidade de povo de Deus. É preciso prová-la.
Eu estou com um problema. A foto da minha carteira de identidade não se parece mais comigo. Nos meios de transportes onde ela é necessária, aconselham-me a tirar outra. Eu me recuso, porque eu sou aquele cara que está na carteira, embora 40 anos mais jovem.
Na verdade, eu fui aquele cara, mas não o sou mais, tenho que o reconhecer. Há gente que um dia foi povo de Deus, mas não o é. Sua vida é diferente da foto.
Vamos, então, nos avaliar?
Somos povo de Deus?
1. É povo de Deus quem cumpre o acordo celebrado com Ele.
Deus espera que o povo cumpra a sua parte no acordo.
Ninguém é obrigado a assinar o acordo, mas uma vez, tendo-o assinado, é obrigado a manter a sua disposição em cumpri-lo.
Não somos capazes de cumprir com fidelidade o acordo, mas precisamos nos compromissar em cumprir. Esta é a nossa parte, pecadores que somos, mas pecadores que não se alegram com o pecado e nem se acomodam no pecado e nem se chafurdam no pecado.
Às vezes, a correta teologia, por ser bíblica, nos leva a caminhar tortuosamente: já que não podemos ser fiéis, continuemos infiéis; já que a graça nos alcançou, não precisamos nos preocupar.
Pensamos que 2Crônicas 7.14 é sobre a oração e o é, mas vejamos os outros verbos ali contidos:
"se o meu povo,
que se chama pelo meu nome,
se humilhar,
e orar,
e me buscar,
e se converter dos seus maus caminhos,
ENTÃO,
eu ouvirei dos céus,
perdoarei os seus pecados
e sararei a sua terra.
(2Crônicas 7.14)
Quando fala ao povo hebreu, que se dizia povo de Deus, Ele é claro: se me obedecerem (…) serão meu povo.
Gostamos de pensar que somos povo de Deus, talvez esquecidos que isto nos lembra que Ele quem é o dono do nosso passe, não o contrário. Nós é que estamos a serviço dEle e não o contrário. Ele não é nosso Deus exclusivo; nós é que somos exclusivos dEle.
2. É povo de Deus quem se faz seu sacerdote.
Deus almeja e permite um relacionamento tão profundo que cada um membro deste povo é seu próprio sacerdote.
Somos chamados de um "reino de sacerdotes". Um sacerdote, no Antigo Testamento, tinha a responsabilidade de apresentar diante de Deus os sacrifícios das pessoas. Um sacerdote era um intermediário entre os homens e Deus. Moisés é um exemplo deste sacerdote. Ele fala a Deus em nome do povo. Ele fala ao povo em nome de Deus.
No mesmo Antigo Testamento, no entanto, Deus elege a todo o povo para ser sacerdote. Ele estava querendo dizer, sem ser entendido, que todos podiam conversar diretamente com Ele, como Moisés fazia, mas sem a interveniência de Moisés. Sabe de quem precisamos para falar com Deus? De ninguém. Cada um de nós vai direto a Ele.
Esta expressão da graça de Deus até hoje temos dificuldade de entender. Muitos preferimos ter intermediários, quando podemos ir direto.
Há uma segunda dimensão neste sacerdócio. Tiramos proveito deste relacionamento, mas este relacionamento tem uma missão: a mesma que foi dada a Abraão: ser uma bênção para os outros. O povo de Israel foi escolhido para falar do amor de Deus aos outros: esta era a dimensão sacerdotal da sua bênção. Quando Jesus ora por seus discípulos (em João ) esta oração é chamada de sacerdotal. Ele ora por nós. Somos chamados a orar pelos outros. Somos chamados a falar as outros a palavra de Deus. Nós somos os intermediários de Deus para aqueles que ainda não o conhecem. Depois de O conhecerem, serão sacerdotes para os outros.
Somos sacerdotes de Deus?
Se somos, somos seu povo.
O que temos falado ao povo? A palavra de Deus?
3. É povo de Deus quem se põe no caminho da santidade.
O povo, se cumprisse a condição do compromisso da aliança, seria um reino de sacerdotes e também uma "nação santa".
Voltemos ao que vem depois destas palavras no capítulo 19 de Êxodo. Eis o que Deus exigiu:
— Vá ao povo e consagre-o hoje e amanhã. Eles deverão lavar as suas vestes e estar prontos no terceiro dia, porque nesse dia o Senhor descerá sobre o monte Sinai, à vista de todo o povo. Estabeleça limites em torno do monte e diga ao povo: "Tenham o cuidado de não subir ao monte e de não tocar na sua base. Quem tocar no monte certamente será morto; será apedrejado ou morto a flechadas. Ninguém deverá tocá-lo com a mão. Seja homem, seja animal, não viverá. Somente quando a corneta soar um toque longo eles poderão subir ao monte”.
Tendo Moisés descido do monte, consagrou o povo; e eles lavaram as suas vestes. (Êxodo 19.10-15a — NVI)
As instruções são muito precisas, no contexto daquele lugar e tempo, mas continuam atuais, embora em outro lugar e tempo.
A santidade não é um capricho de Deus para nos atormentar.
A santidade é uma exigência de Deus para uma vida que vale a pena. Uma vida santa é uma vida que vale a pena.
A santidade é uma exigência de Deus para termos com um relacionamento entre iguais. Somos, então, iguais a Deus? No que Deus se dá a conhecer, a resposta é "sim". Quando vivemos de modo santo somos iguais a Deus. "Sejam santos porque que sou santo", disse ele (Levítico 19.2).
Se você lavar as mãos para almoçar e, antes ou durante o almoço, cumprimentar com as mãos alguém que não lavou as suas, você estará limpo para comer? Não.
Deus é santo e quer se relacionar com pessoas santas. Deus não se relaciona com pessoas que preferem viver no pecado em lugar de buscar a uma vida santa.
Queremos ser povo de Deus? Busquemos se santos.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO