Quem sou eu? (Série MENTORIA ESPIRITUAL, 3)

Rm 8.15-17

Quem somos nós?
Esta não é uma resposta fácil.
Em certo sentido, passamos a vida em busca desta resposta, uma vez que vivemos, em grande parte, num conflito (ou crise) de identidade.

Recordemos nossa trajetória.

NOSSA HISTÓRIA
Quando estávamos aconchegados no ventre de nossa mãe, éramos os únicos. Nossa identidade estava clara. Quando nascemos e começamos a olhar em volta, fomos percebendo que éramos amados, mas não os únicos. Nossas vontades, além do alimento, nem sempre foram atendidas porque havia outros desejos no pedaço.
Depois do ventre, do berço e do carrinho, começamos a caminhar e a trombar. Então, as pessoas começaram a nos dizer que não éramos o que achávamos que éramos. Algumas nos maltrataram, ao nos contrariar ou ao nos empurrar e mesmo abusar de nós inocentes.
Essas coisas foram nos moldando. Fomos reagindo a estas situações e nos tornando o que nos tornamos ou estamos nos tornando.

Além disso, nascemos numa família com características herdadas de gerações, características boas e ruins. Carregamos uma história que nos precede. Chegamos como sonhos nas vidas de nossos pais e avós. Eles puseram (às vezes, impuseram ou tentaram impor) seus sonhos sobre nós também, desejosos que fôssemos isto ou aquilo. Rejeitando estes sonhos, vivendo-os integralmente ou os adaptando, vamos nos tornando o que somos.
Em casa, aprendemos a comer pausadamente ou sofregamente, a comer com menos ou mais sal, a adorar refrigerantes ou preferir água pura. Aprendemos a praticar esportes ou a ficar diante da tevê beliscando alguma coisa. Aprendemos a rir e aprendemos a nos fechar, crispados em nossos temores. Aprendemos a distribuir (coisas, afetos, abraços) e aprendemos a nos encapsular. Aprendemos a confiar e a desconfiar. Aprendemos a ser pontuais e a sempre chegar atrasados. Aprendemos a levar a sério os compromissos ou a levar nossas responsabilidades na flauta. Aprendemos a crer em Jesus como Senhor e Salvador e aprendemos a ficar longe dele. Neste ambiente, vamos nos tornando o que somos.

NOSSAS CARACTERÍSTICAS
Além disto, nascemos com características física:  homens ou mulheres; altos, baixos ou médios na estatura; fortes, franzinos ou médios na compleição; lentos ou rápidos; enxergando muito ou enxergando pouco; tendo ouvidos que escutam bem ou com dificuldade num ou nos dois. Estas marcas vão mudar pouco, se é que vão mudar. Além disto, desenvolvemos doenças que nos ameaçam fraca ou poderosamente. Na saúde e na doença, vamos nos tornando o que somos.
Temos nosso aparelho psíquico, que resulta da interação entre nosso cérebro, nossa alma (de natureza espiritual) e o meio em que vivemos. Nem sempre temos controle sobre este processo, mas não precisamos ser escravos dele. Somos, na verdade, agentes deste processo, embora nem sempre de modo claro.
Se não somos muito inteligentes, podemos estudar muito e nos superar, ou viver no círculo das limitações.
Se não somos muito calmos, podemos desejar nos controlar e alcançar o ponto do autocontrole na maioria das vezes, com direito a recaídas, ou aceitar a derrota de achar que quem nasceu assim vai morrer assim.
Se não somos muito ousados, podemos nos esforçar a sonhar alto e buscar realizar os projetos ou nos contentar com o que nos vem.
Se somos arrogantes, podemos aprender na escola da humildade, da qual Jesus é o grande mestre e exemplo, ou continuar a viver na petulância.
Se somos autoritários, podemos aprender a compartilhar nossas visões e a escutar respeitosamente o que o outro tem a dizer ou a fazer ou prosseguir nos vendo como reis ou imperadores.
Se somos medrosos, podemos nos desafiar a não crer em fantasmas, sobretudo os que habitam nas vias escuras de nosso ser e roubam a nossa autoconfiança, ou permitir que o medo nos acorrente.
Queremos ser autônomos, pensando por nós mesmos, desejando por nós mesmos, agindo por nós mesmos, mas os laços dos senhores de escravos são longos e podemos nos deixar submeter. Esses senhores têm olheiros e agentes em todos os campos, mesmo nos de várzea.
Queremos ser independentes, mas vamos no restaurante da moda, na praia da moda, no point da moda.
Queremos ser livres, mas nos vestimos como todos se vestem, fazemos os mesmos gestos que tantas fazem, sem que saibamos porque.

No fundo, sem nenhuma dúvida, queremos ser aceitos. Portanto, todo o drama humano gira em torno de uma pergunta, que podemos particularizar: sou eu aceito?
Por isto, rejeitamos o mundo, com sua injustiça e sua corrupção, mas queremos ser aceitos pelo mundo, como se não pudéssemos viver sem esta aceitação. Chegamos, tão dependentes somos, ao ponto de rejeitar a nós mesmos para sermos aceitos pelo mundo. O sapato aperta, mas nós o calçamos sorridentes.

UMA PESQUISA NECESSÁRIA
Como vemos, não é fácil a resposta: quem somos nós? quem sou eu?
No entanto, sem que respondamos a esta pergunta, não temos como avançar, seja no campo intelectual, moral ou espiritual.
Sugiro, então, um exercício, parodiado de Jesus: "o que as pessoas dizem a seu respeito?" Saia por aí perguntando. É apenas um exercício para lhe ajudar na sua resposta, que é a que importa.
Sugiro dez perguntas que lhe ajudem a fazer um autorretrato: as pessoas acham você:

. simpático ou antipático
. contido ou receptivo
. egoísta ou generoso
. mentiroso ou verdadeiro
. compreensivo ou maledicente
. irresponsável ou compromissado
. interessado ou indiferente
. limitado ou inteligente
. firme ou inseguro
. explosivo ou calmo

Repito: trata-se apenas de um exercício porque é a sua resposta que importa. É para conferir, porque temos uma imensa capacidade de achar que somos o que não somos. Que maledicente se acha maledicente? Que egoísta se acha egoísta? Que indiferente se acha indiferente?

Ainda não chegamos à resposta sobre quem somos, porque somos o que somos e também o que dizem que somos.
É muito difícil ser o que podemos ser, porque são muitos os senhores que buscam nossa adesão. Precisamos saber disto.

NOSSA IDENTIDADE
Nesta caminhada, o apóstolo Paulo nos ajuda a entender a nossa identidade, a partir da qual decorre todo o nosso esforço por nos entendermos a nós mesmos.
Ouçamos, então, o que ele diz (Romanos 8.15-17 — NVI):

"Vocês não receberam um espírito que os escravize para novamente temerem, mas receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos: “Aba, Pai”. O próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, se de fato participamos dos seus sofrimentos, para que também participemos da sua glória". (Romanos 8.15-17 — NVI)

Nossa identidade está clara aqui, não importa o que digam a nosso respeito, não importa o que pensamos sobre nós mesmos.

1. Somos conhecedores da verdade.
Antes que a expressão soe pretensiosa, digamos a frase completa: "Somos conhecedores da verdade e a verdade é Jesus Cristo". Logo: somos conhecedores de Jesus Cristo ou, em outros termos, conhecemos a Jesus Cristo como nosso Salvador e Senhor.
Novamente, precisamos esclarecer. Conhecer a verdade-Jesus não é algo que se opera no plano de nossa mente, mas envolve nosso ser inteiro. "Conhecer" na Bíblia significa "ter um relacionamento pessoal", "ter uma experiência pessoal com outra pessoa". Conhecer a Jesus é ter um relacionamento pessoal com ele; é ter uma experiência pessoal com Jesus.
O conhecimento científico (de física, história, arte ou filosofia) que adquirimos não tem necessariamente a ver com a nossa vida. Podemos usá-lo para ganhar dinheiro ou fama, mas não seremos menos ou mais felizes, tendo-o ou não. É um conhecimento guardado em algum lugar do cérebro. Conheço uma pessoa que trabalhou 29 anos numa empresa e se tornou perito na sua área de trabalho. Quando foi despedido, confessou que jamais gostou daquele ramo do conhecimento e que agora iria tentar outra coisa. Seu conhecimento não tinha a ver com a sua vida; era só um meio de sobreviver.
Conhecer a Jesus é outra coisa. Não é saber que ele viveu no primeiro século, tendo nascido perto de Jerusalém e morrido em Jerusalém. Conhecer a Jesus é aceitá-lo como sendo nosso Salvador pessoal e Senhor pessoal de nossas vidas.
Conhecer a Jesus é ser livre, como ele mesmo disse:

— Vocês conhecerão a verdade, e a verdade os libertará. (…) Todo aquele que vive pecando é escravo do pecado. O escravo não tem lugar permanente na família, mas o filho pertence a ela para sempre. Portanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres". (João 8.32-36 — NVI)

Paulo está nos lembrando quem somos: não somos escravos. Somos pessoas que tem assento na mesa de Deus para a refeição.
Por que? Porque somos filhos de Deus.

2. Somos filhos de Deus.
Entendemos esta filiação lendo o verso 17.

"Se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, se de fato participamos dos seus sofrimentos, para que também participemos da sua glória". (Romanos 8.17 — NVI)

Há uma condição aqui: Somos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Jesus Cristo, se participamos dos sofrimentos de Jesus Cristo. Participar dos sofrimentos de Cristo é aceitar o sacrifício de Jesus Cristo na cruz como tendo sido feito em nosso lugar. Esse "nosso" é universal demais e pode nos tirar do foco. Singularizemos: eu sou herdeiro de Deus e co-herdeiro com Jesus Cristo quando participo do sofrimento de Jesus Cristo na cruz, quando me vejo crucificado lá, sem estar lá porque Jesus Cristo estava lá.
Deus espera que aceitamos que o sacrifício de Jesus foi em nosso lugar, o que acontece quando reconhecemos que somos pecadores e que podemos ser livres do poder do pecado quando confessamos os nossos pecados a Jesus. Quando isto acontece, ele nos adota como seus filhos.
Maria Cristina (agora, apenas Tina, para sua mãe) tinha seis meses quando foi adotada por Tita, uma jovem solteira madura desejosa de ser mãe. Ela estava lá à espera de uma mãe. Tita estava em sua casa à espera de sua filha. (Que podia ser um filho…) Tita foi conhecê-la e amou profundamente e vem aprendendo a amar. Ela não tinha ainda um nome: agora tem: nome e sobrenome. Ela não tinha uma casa: agora tem: um berço e um quarto só seu. Ela não era amada: agora é, profundamente amada. As duas se olham e sabem que uma é mãe e a outra é filha.
É assim com todos os que estão à espera da salvação. Por meio de Jesus, confessado como Salvador e Senhor de nossas vidas, mediante o arrependimento de nossos pecados, somos adotados como filhos de Deus. É o que lemos no verso 15:

"Vocês receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos: ‘Aba, Pai’”. (Romanos 8.15)

A Trindade entra em ação, cada um com uma tarefa, para nos reunir em família, uma família espiritual, em que temos — repitamos — lugar à mesa.

Se temos dúvida desta filiação, "o próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus". Eis o que lemos no verso 16, que Eugene Peterson traduz do seguinte modo:
 
"O Espírito de Deus entra em contato com o nosso espírito e confirma nossa identidade. Sabemos quem ele é e sabemos quem somos: Pai e filhos" (Romanos 8.16 — A Mensagem).

FIRMADOS NO AMOR
Pode ser que tenhamos traumas de infância, que nos tragam insegurança, timidez e medo, mas somos filhos de Deus.
Pode ser que lidemos com dificuldade com as críticas que recebemos, mas podemos compreender que os críticos injustos não anulam o que somos: co-herdeiros juntamente com Cristo da glória imensa, do aplauso total, de Deus.
Pode ser que recebamos muitos convites, para reinar aqui e ali nos palcos do mundo, mas não vamos aceitar nenhum deles, porque já somos herdeiros do grande Rei. Que nos podem oferecer que seja mais que ser herdeiro de Deus?
Pode ser que as distrações da vida nos afastem um pouco da cruz, mas é para ela que olhamos: ali está a nossa identidade.
Pode ser que os sofrimentos na peregrinação pelos dias nos deixem desanimados, mas precisamos de algo maior que saber que Jesus foi entregue em nosso lugar, por amor, "apenas" por amor,  sem o Pai nada esperar em troca? Precisamos saber que o próprio Jesus se entregou para morrer em nosso lugar, por  amor, "apenas" por amor, sem nada esperar em troca?

***

Se recebemos a Jesus como Senhor, somos livres.
Se recebemos a Jesus como Salvador, fazemos parte da família de Deus.
O amor de Deus está no ar.
Quando aceitamos este amor, encontramos nossa verdadeira identidade, homens e mulheres feitos livres pelo amor de Deus.

Quem aceita este amor-libertador?

ISRAEL BELO DE AZEVEDO