Manhã do primeiro dia. Tempo de olhar o corpo.
Em casa nos preparamos, perfumes à mão.
O coração é que arfa. Na verdade, arde.
O corpo pesa, porque a noite toda foi clara.
As horas batem, desde sexta-feira, de tarde,
já sábado, quando toda a agitação para.
Longo foi este sábado, não um dia, um decênio,
pareceu um século, soou como um milênio,
porque a espera alonga o tempo e o medo,
e esmigalha com força a certeza do credo.
Estando para vir a manhã, como dormir,
com os cheiros compradas e já consagrados
para o corpo envolto na mortalha ungir,
as horas e os minutos aos segundos contados?
Não, não esperamos a manhã chegar.
No jardim ela veio nos encontrar.
Conhecíamos bem a propriedade de José.
Sabiamos onde escavara o sepulcro
perto da cruz, ao lado do lagar.
Vimos quando sua vida foi estirada
na noite que a memória mantém guardada.
Sentamos, em tensão, um pouco no lugar:
não havia azeitonas para prensar,
mas havia perto dali um corpo a perfumar,
lá dentro havia uma saudade a lamentar.
Levantamos, o rosto em choro transtornado,
e contemplamos o túmulo na rocha entalhado
sem saber como remover a pedra que o fechava,
sem medir a emoção que nos tomava.
Olhamos bem, agora o dia mais claro:
a pedra lá não estava, na manhã calma.
Era só entrar, perfumes a mão,
e realizar o desejo da alma.
Entramos pelo portal da morte
em busca do morto ali estabelecido.
Não estava ali aquela beleza de porte
que durante anos nossos olhos seguiram.
Num canto vimos seu sudário de linho tecido,
oferta de Nicodemos, amigo agora revelado;
noutro canto estava o lenço da sua fronte
dobrado sobre a lápide sem horizonte.
Em nada tocamos.
Os líderes esperamos.
Mas quem iria acreditar?
Muitas vezes depois para lá voltamos.
Ouvimos anjos e não aceitamos.
Ele mesmo nos apareceu e duvidamos.
Até se completarem suas seis últimas semanas
e nos encontrarmos para o dia final no monte,
nossos olhos envoltos na nuvem escalada para o levar
ao destino que será também o nosso quando vier nos buscar.
Aguardamos.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO