Josué 24.15c – “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor”
O tema da CBB para este ano é muito pertinente e se presta a muitas aplicações, inclusive à família. Por isso bastou aos irmãos acrescentarem a expressão “no lar” e a aplicação ficou perfeita para o mês do lar. Precisamos ser como Cristo também em família, começando por fundamentar sua constituição na Bíblia, e continuando por adotá-la como padrão de princípios e de conduta nas relações dentro da família e nas relações desta com a sociedade.
Como esta é a mensagem de abertura, achamos conveniente falar sobre o tema escolhido pelos irmãos. Por outro lado, os irmãos escolheram também uma divisa, que é, talvez, a afirmação bíblica mais citada pelos crentes com referência à família. Assim, resolvemos pregar um sermão que usasse as duas coisas: o tema e a divisa. Buscamos , então, observar nas narrativas bíblicas como teria a família de Jesus cumprido a afirmação de Josué, para daí extrair ensinamentos sobre como ser iguais a Cristo também na prática da Bíblia na vida familiar.
Não há muitas informações nos escritos canônicos (isto é, na Bíblia) sobre a vida familiar de Jesus, se bem que as há em certa abundância em escritos apócrifos, não canônicos, mas não passam de lendas grosseiras, que se opõem frontalmente ao pouco que a Bíblia diz sobre o assunto.
Assim, podemos resumir a narrativa bíblica da seguinte maneira: José e Maria viviam em Nazaré, uma pequena aldeia, considerada como periferia das cidades mais populosas que ficavam à margem do Lago da Galiléia. Era um lugar de gente pobre e sem importância, tanto que Natanael perguntou: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” (Jo.1.46). Foi ali que ocorreu o compromisso entre os pais de ambos para o seu futuro casamento. Mais tarde, quando Maria era ainda uma adolescente, veio o noivado, que deveria durar um ano, após o qual viria o casamento. Durante o noivado, talvez já para o seu final, José soube que Maria estava grávida, provavelmente informado por ela mesma.
O noivado era algo tão sério, que para desfazê-lo era necessário uma carta de divórcio. Quando José, que era um homem justo, começou a pensar em como fazer isto com o mínimo de publicidade possível, para não prejudicar Maria, um anjo apareceu-lhe e disse-lhe que assumisse o casamento sem receio, porque o bebê de Maria havia sido concebido de maneira sobrenatural, por obra do Espírito Santo. Maria, que era uma jovem piedosa, já tinha sido avisada anteriormente pelo mesmo anjo sobre isso e certamente tinha informado José a respeito, mas o Senhor não quis deixar que a dúvida assombrasse o coração do futuro marido. Ele, então, cumpriu a última etapa do compromisso, que era o casamento.
Algum tempo depois, o governo romano decretou um recenseamento, cuja contagem deveria ser feita na cidade de origem dos cidadãos. Como José era de Belém, foi para lá, levando Maria, numa viagem de 110 km. Eles eram pobres e tiveram que viajar a pé, no que levaram alguns dias. A saída de Nazaré foi providencial, pois afastou o casal das eventuais más línguas dali. Entretanto, Belém era também uma pequena cidade, sem muitos recursos, e ali José e Maria não encontraram sequer um quarto onde se hospedar. E nisso a criança nasceu, num lugar onde se abrigavam animais, tendo como berço um dos comedouros desses animais. Aos oito dias, conforme o preceito bíblico, o menino foi circuncidado e recebeu seu nome próprio – Jesus (Lc.2.21).
A família se estabeleceu ali por muitos meses. José era carpinteiro, e certamente não lhe faltaria trabalho, ainda mais que a grande cidade de Jerusalém ficava a apenas 10 km dali. Esta pequena distância também facilitou à família cumprir, no templo de Jerusalém, os preceitos da lei com respeito à apresentação e ao resgate do primogênito e à purificação da mãe. Parece que as duas coisas foram feitas de uma só vez, quando Jesus tinha quarenta dias de nascido (Lc.2.22-24).
Quando Jesus tinha em torno de dois anos, apareceram uns homens sábios que vinham acompanhando uma estrela surgida a leste da Palestina. Uma profecia antiga (Nm.24.17) relacionava uma estrela com o futuro rei dos judeus, e por isso esses estudiosos das estrelas seguiram-na até Jerusalém, onde procuraram o palácio do rei Herodes. Este, ao saber da previsão do nascimento de um outro rei, buscou informar-se melhor e soube que esse Messias nasceria em Belém. Herodes encaminhou os sábios para lá e pediu que voltassem a Jerusalém, o que não fizeram, depois de advertidos divinamente sobre os maus intentos do rei.
Como ficou sem informações precisas sobre Jesus, Herodes mandou matar todos os meninos de Belém de dois anos para baixo. Mas Jesus não foi morto nessa ocasião, pois o Senhor tinha avisado José e ele fugira para o Egito, levando Maria e o menino, voltando de lá somente após a morte de Herodes, que ocorreu mais ou menos uns dois anos depois dessa chacina. Mas, por precaução, porque Herodes foi sucedido por seu filho Arquelau, José preferiu levar a família para Nazaré, onde Jesus cresceu.
Foi na Sinagoga dessa aldeia que Jesus aprendeu a ler (Lc.4.1) e escrever (Jo.8.6-8), e onde também estudou a Bíblia, e preparou-se para se tornar um “filho da Lei” (Bar Mitzvah), o que ocorreria aos treze anos. A última informação que temos sobre essa fase da vida de Jesus é de quando ele tinha doze anos e foi ao templo de Jerusalém com seus pais. Nessa ocasião, ele já estava bem preparado para o Bar Mitzvah, tanto que sem que seus pais soubessem, tinha permanecido no templo interagindo com os mestres e sacerdotes que ali estavam. Quando já estavam viajando por um dia foi que seus pais descobriram que Jesus não estava na caravana de volta e retornaram para procurá-lo. E o encontraram conversando com aqueles líderes. Jesus, então, voltou com seus pais e submeteu-se à sua disciplina, como um bom filho adolescente.
A narrativa bíblica é aqui interrompida e somente é retomada quando Jesus está com trinta anos, tem a mesma profissão de seu pai, e este já não é mencionado, provavelmente por ter falecido. Por ser primogênito, Jesus era arrimo de família e só saiu de casa quando seus irmãos foram capazes de assumir seu lugar.
Mas, a pergunta persiste: Como a família de Jesus serviu ao Senhor, e no que ela pode servir-nos de exemplo hoje, como um lar praticante da Palavra? Aliás, lembremos que esta é uma expressão usada por outro membro da família, Tiago, em sua carta universal (Tg.1.22).
1. A família de Jesus era baseada num casamento sólido
José e Maria conheciam bem o ensinamento bíblico desde Gênesis – “Deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e ambos serão uma só carne.” (Gn.2.24) – até Malaquias – “Não é verdade que Deus criou um único ser, feito de carne e de espírito? E o que é que Deus quer dele? Que tenha filhos e sejam dedicados a Deus. Portanto, tenham cuidado para que nenhum de vocês seja infiel à sua mulher. Pois o Senhor Todo-Poderoso de Israel diz: Eu odeio o divórcio.” (Ml.2.15,16a – NTLH). Quando perguntado a respeito, Jesus respondeu: “O que Deus ajuntou, não o separe o homem.” (Mt.19.6). O ideal de Deus para o casamento é uma união que só possa ser rompida pela morte.
Está claro na Bíblia que o casamento é uma união monogâmica entre um homem e uma mulher, dois seres de sexos diferentes que se completam, inclusive pela capacidade de reproduzir a espécie. Pessoas do mesmo sexo não engravidam uma à outra, portanto Deus não criaria uma união que não fosse capaz de reproduzir a espécie. Não há na Bíblia a mínima possibilidade de um casamento homossexual. Aliás, qualquer união dessa natureza é francamente classificada como perversão do propósito de Deus para o ser humano (Rm.1.26,27), como um resultado da depravação produzida pelo pecado no seu coração.
José e Maria sabiam e aceitavam que o sexo é um dom de Deus para ser usado no casamento, não antes e nem fora dele. Por essa razão José precisou da palavra segura do anjo para manter seu compromisso com Maria, e casar-se com ela, apesar da gravidez. “Sejam honrados entre todos o matrimônio e a pureza do leito conjugal; pois Deus julgará os imorais e adúlteros.” (Hb.13.4).
Um casamento sólido, fundamentado na Bíblia, produz filhos saudáveis emocionalmente, moralmente e espiritualmente. Personalidades bem estruturadas, ajustadas, sem traumas, e que futuramente levarão para seus casamentos as mesmas lições que aprenderam com os pais.
2. A família de Jesus tinha uma religião autêntica
As pessoas religiosas, inclusive os crentes no Senhor Jesus, sempre praticam dois tipos de religião: uma institucional, devidamente codificada, que é exercida em locais e horários predeterminados, seguindo rituais específicos, e até com uma linguagem e postura específicas; outra, familiar, informal, exercida durante as vinte e quatro horas do dia, num nível de intimidade que não permite ritualismo nem exige postura especial. Na religião institucional podemos perfeitamente usar máscaras que escondam nossas verdadeiras personalidades, mas no recesso da família não podemos esconder nada, não podemos usar máscaras. Ali se descobre a verdadeira religião que está no nosso coração. É bem conhecida a história do menino que pediu ao pastor para deixar sua família morar no templo, porque ali seu pai se comportava como um santo, mas em casa era um demônio.
José e Maria eram de uma pequena e desprezível aldeia nos arredores da Galiléia. José era artesão e mal ganhava para sustentar a família. Eles pertenciam àquela parte do povo judeu que era chamada pelos escribas e fariseus de “pecadores”, uma palavra imprópria para traduzir a expressão “ham-aretz”, literalmente “povo da terra”, a massa popular que não era capaz de cumprir integralmente as regras altamente exigentes do farisaísmo, por causa da pobreza e da necessidade de trabalhar muitas horas por dia para sustentar-se, muitas vezes interagindo com pessoas consideradas impuras.
Mas o fato de não poderem praticar uma religião ritualística e exteriorizada contou a seu favor, pois, como servos sinceros de Javé, descobriram que este estava muito mais interessado em uma adoração que fosse exercida de coração, em espírito e em verdade, não atrelada a um determinado lugar ou cerimonial, ou a determinadas regras de pureza, tal como o lavar das mãos e do corpo, e a regras a respeito de alimentos, roupas e bebidas.
É interessante como podemos ver este tipo de fé evidenciado nos escritos dos irmãos de Jesus, Tiago e Judas, demonstrando quão extensa foi a influência de sua família sobre a sua fé pessoal. Além, evidentemente, de tudo que Jesus ensinou a respeito da verdadeira religião, especialmente no Sermão do Monte. A acusação dos fariseus a Jesus, de que ele se juntava à ralé era uma verdadeira ironia, porque ele “pertencia” à ralé. E foi justamente na massa popular que Jesus encontrou seus mais sinceros seguidores, que evidenciaram verdadeiro arrependimento e transformação autêntica, como por exemplo, Maria de Magdala.
3. A família de Jesus levava seus filhos a assumir sua individualidade perante Deus e a sociedade
A palavra “infância” vem do latim e significa originalmente “incapacidade de falar por si mesmo”. Na antiguidade esse período ia até os doze anos. A partir daí todo indivíduo deveria ser capaz de responder por si mesmo.
O Bar-Mitzvah, a cerimônia em que o menino israelita se tornava um “filho da Lei”, exigia um longo preparo, que começava aos cinco anos. Aos treze anos o menino deveria passar por um exame rigoroso e ser capaz de responder às perguntas de um rabino, bem como de recitar longos trechos das Escrituras. Sendo aprovado participava de uma cerimônia muito solene em que era declarado capaz de responder individualmente perante de Deus. Agora seus pais não seriam mais responsáveis por seus atos diante do Senhor. É interessante como muitas igrejas cristãs hoje usam um procedimento semelhante, realizando uma cerimônia de confirmação da fé dos que foram batizados quando ainda eram bebês.
Pela maneira como Jesus foi instruído na Palavra de Deus por seus pais e pelos mestres na sinagoga, ele estava preparado antes do tempo para cerimônia do Bar-Mitzvah, como ficou demonstrado por sua ida ao templo com doze anos. No cântico de Maria, ainda grávida e em visita a Isabel, há referências a pelo menos vinte e sete passagens do Velho Testamento, o que mostra como ela conhecia a Bíblia e sabia interpretá-la corretamente. Num ambiente tão piedoso e tão permeado pela Palavra de Deus, Jesus foi capacitado a fazer suas escolhas como indivíduo, com plena consciência de seus deveres perante o Senhor e das consequências de escolhas erradas.
Uma das grandes tragédias de nossas igrejas hoje em dia é que muitos de nossos adolescentes e jovens, ou não estão se convertendo, ou se convertem mas vivem uma religiosidade infantilizada, sem assumir sua responsabilidade pessoal perante Deus e a igreja. Assim, por exemplo, não participam das atividades da igreja que não lhes interessa, como as assembleias deliberativas, as atividades evangelísticas, etc. Antes ficam restritos aos grupos de sua idade, alienados da realidade à sua volta.
É no seio da família que ensinamos verdadeiramente a Palavra aos filhos, não só pela sua leitura e exposição, mas também por vivê-la. É nesse ambiente também que temos a oportunidade de verificar o nível de compreensão das Escrituras alcançado pelos filhos, sua noção de pecado, justiça e juízo, seu entendimento a respeito de arrependimento e fé. Apelar pessoalmente aos filhos para aceitarem a Cristo como Salvador é muito mais um dever dos pais que dos pregadores.
4. A família de Jesus permaneceu firme nas promessas da Bíblia, apesar das adversidades
Nos últimos tempos temos visto famílias inteiras perdendo a fé ou desviando-se dela por causa das adversidades. A falta de uma fundamentação adequada na Palavra de Deus, a influência perniciosa de “teologias” triunfalistas que prometem uma vida sem problemas para o “crente”, a dificuldade de perseverar nas promessas exaradas na Bíblia, deixa as pessoas despreparadas para enfrentar dificuldades e problemas, como desemprego, morte de um querido, doenças, conflitos familiares, etc.
Nesse sentido a família de Jesus é um grande exemplo para nós. Desde o início convivendo com a pressão permanente de ter em seu seio o Messias tão esperado, e ainda por cima sem entender todas as questões que estavam envolvidas nesse fato, mesmo assim a Bíblia diz que Maria (e com certeza, José também) guardava e meditava todas essas coisas no coração (Lc.2.19).
A família era pobre e logo teve que viajar para Belém, para o recenseamento. Com o nascimento de Jesus teve que ficar por ali, mas não muito tempo depois teve que sair do país, vivendo como estrangeiros no Egito, e certamente passando por discriminação e dificuldades materiais, como é comum acontecer nessas situações. Depois voltaram para a Galiléia onde tiveram que reorganizar sua vida. Enquanto isso, iam nascendo outros filhos, mais quatro meninos e várias meninas, aumentando as bocas a serem alimentadas.
Além disso, com toda a probabilidade, José veio a falecer, não antes de Jesus ter completado doze anos. É a conclusão da maioria dos estudiosos. Agora, temos uma viúva e, no mínimo, oito filhos, em meio à pobreza e escassez, numa pequena aldeia, quase sem recursos. Está configurado aí um quadro de adversidades que levaria muitas famílias a sucumbir, mas a família de Jesus perseverou na fé e venceu suas grandes batalhas, por que estava firmada nas promessas da Palavra de Deus. “Sem vacilar, mantenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, pois quem fez a promessa é fiel.” (Hb.10.23).
Conclusão
Antes de mesmo de iniciar seu ministério Jesus já era exemplo de serviço ao Senhor e de prática da palavra de Deus. Por isso Lucas observa: “E o menino ia crescendo e se fortalecendo, ficando cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele.” (Lc.2.40). E novamente: “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens.” (Lc. 2.52).
Famílias que estabelecem a Bíblia como sua regra de fé e prática, propiciam um crescimento integral, harmônico, a todos os seus membros e, por consequência, produzem uma igreja melhor e um mundo melhor. Sejamos como Jesus e sua família, praticando a Bíblia no lar, para que estas mesmas palavras possam ser ditas acerca de nós e de nossa descendência. Amém.
Pr. Sylvio Macri (Sermão pregado em 6/5/2012, na IB de Tauá, Ilha do Governador – Rio, na abertura do Mês Da Família)