O DESAPARECIMENTO DO PESQUISADOR LAUREANO — Capítulo II (Ignacio Resende)

1.    A viagem de Laureano

No nono dia, às 17:00 horas, compareceram à reunião com o professor Rodolfo, apenas nove dos dez pesquisadores. Passados 15 minutos de espera, foi chamado o capitão Maurício, responsável pela segurança desta operação, considerada ultra-secreta e de conhecimento restrito à equipe dos pesquisadores, do professor Ramalho e do professor Rodolfo.
O capitão Maurício, informado da ausência do pesquisador Laureano, deu início as suas investigações.
Arrombada a porta de seu escritório, nada foi encontrado; nem a tabuinha número 11, nem o cofre usado pelo pesquisador, onde o capitão Maurício presumiu tinha sido guardado o valioso prêmio recebido. E conclui ele: de duas uma. Ou fora um assalto ou o pesquisador Laureano havia levado a tabuinha número 11 e, com ele, os segredos que ela revelava.
O próximo passo era tomar algumas precauções adicionais relacionadas a esta operação, as quais se descreve a seguir:
a)    Proteger dia e noite as salas dos professores Ramalho e Rodolfo e a dos pesquisadores participantes desta operação;
b)    Visitar a casa do pesquisador Laureano, situada na rua dos Coqueiros, número 37;
c)    Colocar vigilância, também, nas casas dos professores e dos pesquisadores;
d)    Estender as investigações até então conhecidas aos parentes mais próximos dos pesquisadores (pais, irmãos e tios).
 O primeiro passo do capitão Maurício foi montar em seu cavalo negro, a quem chamava de Pequira, e galopar no cair da tarde em direção à rua dos Coqueiros, onde chegou por volta das 18:45 horas. Anoitecia. Os lampiões começavam a ser acesos. Não foi difícil encontrar o número 37. Era uma casa branca, com portas e janelas azuis, porém, estava fechada e totalmente às escuras.
O vizinho da esquerda, era uma pessoa que gostava muito de cavalos e, ao ver o Pequira, saiu de sua casa e veio olhar a beleza daquele corcel negro. Ao se aproximar, foi perguntado pelo capitão Maurício se havia visto os moradores da casa 37, onde moravam o pesquisador, sua esposa Ana Amélia e o filho adolescente, Manoel, cujo apelido era “Neco”. O vizinho, que se chamava Joaquim, e que era mais conhecido por Quincas, disse que vira recentemente a família que ali morava. Era uma família muito discreta e raramente cumprimentava com um bom dia ou uma boa tarde. Afirmou ter visto saírem de charrete de manhã bem cedo, em direção à estrada que leva de Lisboa para Coimbra. O capitão Maurício agradeceu ao senhor Quincas e lhe deu seu cartão de visitas e pediu-lhe que o anunciasse sobre qualquer informação que pudesse colher acerca daquela família.
Acendeu seu cigarro de palha e ofereceu um ao Quincas, que gentilmente o recusou, alegando ter abandonado o vício devido a um problema pulmonar que vinha reduzindo sua capacidade respiratória; e que os médicos estavam tratando com sulfa, sem resultados. O capitão montou em seu cavalo negro e saiu a galope em direção à sede do projeto para comunicar a viagem inesperada do pesquisador Laureano e de sua família, como também para tomar as providências adicionais requeridas pelo caso. Enquanto galopava ia pensando:
– Qual a razão dessa viagem?   Seria algum problema com a família de Ana Amélia que morava em Coimbra? Teria encontrado na tabuinha alguma informação que o levaria a buscar esclarecimentos por sua própria conta? Será que teria que ir a Coimbra ou designaria essa tarefa tão importante ao tenente Cardoso? Deixaria o tenente Cardoso na sede do projeto e iria a Coimbra?
Absorto em suas dúvidas chegou à sede do projeto onde perguntou de imediato ao professor Rodolfo se havia cópia da tabuinha número 11. Este respondeu que sim e que queria entregá-la ao pesquisador Álvaro, o segundo mais hábil da equipe, para que desse prioridade à sua tradução, em busca de alguma pista que pudesse justificar essa viagem, sem nenhum comunicado à sede do projeto.

2.    O Desaparecimento da cópia da tabuinha nº 11

O professor Rodolfo, estando sozinho, abriu o cofre, cujo segredo era o único conhecedor, e começou a procurar a tabuinha nº 11. Depois de verificar, pela terceira vez que a cópia da tabuinha nº 11 havia desaparecido, chamou o capitão Maurício.
Havia, portanto, ocorrido um roubo e seu autor, sem dúvida tinha sido, em seu entendimento o pesquisador Laureano. Assim, esta tabuinha continha algum segredo que, pela sua importância, transformara de um momento para outro, o caráter irrepreensível de Laureano em um ladrão foragido.
Ato contínuo, o capitão Maurício anotou o endereço dos pais de Ana Amélia, residentes em Coimbra. Em seguida, fez uma reunião com o tenente Cardoso recomendando-lhe máxima vigilância para com os outros envolvidos no projeto e, passou em sua casa onde preparou uma troca de roupa e, assim, partiu montado no Pequira para Coimbra. Em ritmo veloz esperava chegar ao seu destino no amanhecer do dia seguinte. Entendia que sua missão poderia ser muito simples: encontrar Laureano, prendê-lo e trazê-lo a Lisboa.
       
3.     O encontro com Laureano

Ao chegar à rua Amarela, a cerca de 100 metros do número 201, o capitão Maurício percebeu um movimento de pessoas, algumas apressadas, outras com o semblante carregado, porém, todas falando baixo e ficou se questionando o que estava ocorrendo, pois, a rua indicava ser estritamente residencial.
Desceu então do Pequira, e seguiu estes últimos metros a pé, até a casa dos pais de Ana Amélia. Não foi necessário nenhuma pergunta já que agora, ao se aproximar mais da casa, viu pessoas chorando, o que indicava que alguém da família dela havia morrido. Amarrou o cavalo e entrou na casa, onde no meio da sala estava o caixão com um homem morto aparentando sessenta anos. Devia ser o pai de Ana Amélia.
Tendo guardado na memória a foto do casal, que lhe fora entregue pelo tenente Cardoso, antes de sua partida de Lisboa, viu o casal segurando lenços e com os olhos vermelhos, sentados na lateral esquerda da sala, onde estava ocorrendo o velório.
Viu então o corredor que devia levar a cozinha e se dirigiu a ela na esperança de que lá tivesse um café quente com pães e bolos. Depois de conhecer alguns parentes da família que sussurravam na cozinha e, de se apresentar como “colega” de trabalho de Laureano tomou o café com bolo e se informou da morte súbita, na madrugada do dia anterior, do sogro de Laureano e que este havia sido avisado por meio de um bilhete, levado pelo agente do trem que fazia o percurso entre Coimbra e Lisboa, que saía pontualmente às duas horas da manhã; sendo o agente, por sua vez, também, primo do falecido.
Agora para o capitão Maurício, a viagem de Laureano e de sua família, estava esclarecida. Faltava, ainda, conversar com o Laureano sobre a tabuinha nº 11 e a sua cópia. Os esclarecimentos que obteve pareceram convincentes, pois mostravam uma sequência lógica e peculiar a um pesquisador, como era o caso.
Laureano, depois do enterro, procurado pelo capitão disse que tão logo recebeu o bilhete enviado por sua sogra, havia preparado a charrete e saíra por volta de 7:00 horas da manhã de sua casa para Coimbra. Na véspera, havia trabalhado na tradução da tabuinha nº11 e, como não recebera nenhuma proibição de mantê-la em seu poder, havia levado para casa, pois estava fascinado com o que vinha decifrando e, pretendia trabalhar fora do expediente, à noite, por conta própria, uma vez que queria saber mais sobre os acontecimentos que nela eram descritos. Sem titubear, após saber da missão do capitão, pegou a tabuinha, muito bem acondicionada em uma caixa de madeira com o interior aveludado e a mostrou ao capitão para provar que ela estava em segurança. Nesse momento, o capitão perguntou-lhe a queima-roupa:
– E a cópia? Viu que Laureano ficou com um ar de interrogação e ouviu deste que nada sabia a esse respeito.
Havia agora duas opções: voltar a Lisboa a cavalo ou esperar o trem da madrugada, e este era o único horário que havia entre Lisboa e Coimbra. Precisaria, no entanto, que Laureano deixasse sua família e usasse o cavalo da charrete, tomando um arreio emprestado. Conversaram sobre isso e ficou acertado o retorno para cerca das 13 horas, pois o capitão Maurício precisava descansar um pouco e, também permitir um descanso para o Pequira.
Após o almoço na Taverna Azul, encontrou-se com Laureano e iniciaram a volta para Lisboa. O capitão guardara em sua memória o que havia sido comentado por Laureano, ou seja, que estava fascinado pelo texto que tinha traduzido da tabuinha nº 11. Então, tomando a estrada, perguntou a Laureano:
– O que você pode me contar a respeito da tabuinha nº 11?
Laureano ficou alguns instantes pensativo, porém, após avaliar se havia cláusula de sigilo em seu contrato e, como não se lembrasse a respeito, deu início a narrativa que se segue: “Minha vigésima visita a Noé… Pareceu-me tão difícil começar esta narrativa, pois o que ouvi de meu avô deixou-me realmente perplexo. Cuido, no entanto, efetuar esse registro, pois, representa aspectos muito importantes da vida na Pangéia e, somente Noé e seus filhos sabem a esse respeito. Noé viveu, segundo disse, cerca de 480 anos até a época em que recebeu seu chamado de Deus para a construção da arca.
Durante os 120 anos em que esteve envolvido diuturnamente com este projeto divino, não dispunha de tempo para as observações complementares do que nos contou no jantar; porém, muito do que disse, havia também interrogações que gostaria de ter obtido respostas, sem que isso fosse possível diante de sua missão de construir a arca.
Noé falou muito sobre a vida das cidades, as quais exerceram sobre ele grande fascínio, pois, era homem acostumado a viver no campo, cultivando e cuidando de rebanhos. Como somente veio a casar-se tardiamente, gostava muito de viajar pela Pangéia, e de conhecer suas cidades, suas construções, suas escolas, suas fábricas, e a organização sócio-econômica das mesmas. Disse ele, que havia uma cidade muito especial, onde se concentrava o saber de sua época: era como se poderia dizer, uma universidade, para onde convergiam pessoas de todas as direções para ali adquirirem conhecimento. O conhecimento era transmitido através de informações orais, e estas eram específicas de cada área do conhecimento, então, disponível. As áreas técnicas que estavam disponíveis e das quais veio a interessar-se eram: mineração, metalurgia, siderurgia, construção naval e agricultura. Nessa cidade onde esteve que se chamava Tecnópolis, teve a oportunidade de capacitar-se em construção naval e em siderurgia. Ao comentar sobre isso, deu uma gargalhada e comentou:
Afinal, a gente faz o que Deus quer. Como fazendeiro por que iria me interessar por construção naval em vez de agricultura?”
Contou-nos, então, o fascinante desenvolvimento de suas atividades estudantis que, tinham a característica de aprender fazendo. Era tudo ao mesmo tempo. Projeto e execução. A ideia central do estudo, era partir da elaboração do projeto de um pequeno barco e, em seguida, testá-lo em um tanque, onde era submetido a ondas provocadas manualmente, para verificar o ângulo em que podia adernar sem tombar. E fazia-se um barco pequeno, tantas vezes quanto necessário, até encontrar a madeira mais resistente a sua estabilidade e a sua máxima inclinação, quando submetida a ondas de mesma natureza. Isso exigia dias de execução e de testes e o professor apenas dizia que deveria tentar outra e outra vez até que ficasse satisfeito e isso demorava muito.
A etapa seguinte era executar um barco maior, no qual fosse possível colocar uma pessoa dentro e o ponto de partida era o modelo anterior, exaustivamente modificado até a perfeição. Só que agora, o professor não mais permitia que as peças de madeira fossem inteiras, porém, deviam ser emendadas e as emendas exigiam a frequência nas aulas de metalurgia, nas quais passaria a conhecer os métodos de fundição de ferro e de seu manejo até a obtenção de peças chatas, resistentes e que não quebrassem quando submetidas a dobras com diversos níveis de ângulos. Isso exigia que as peças adquirissem resistência à dobragem, e o método utilizado era o aquecimento da peça, seguido de martelagem, cuja razão desse princípio nunca lhe fora explicada. Embora sempre questionasse seu professor, ele apenas dizia que era assim que lhe fora ensinado. Não só chapas, mas, também, como eram usadas em associação com a madeira, elementos de fixação, modo a unir peças de madeira entre si…”.
Nesse momento da narração, estando ambos absortos em falar e em ouvir foi feita uma parada para um pequeno descanso dos animais que mostravam os primeiros sinais de cansaço. Esta parada foi feita em uma estrebaria à margem da estrada, onde os cavalos podiam beber e comer e os viajantes, também, podiam esticar as pernas e tomar uma xícara de chá.
Enquanto se lavava no banheiro, cada um em uma peça individual, Laureano foi atacado por uma pessoa e seu “embornal” foi levado.
O capitão Maurício ao ouvir os gemidos de Laureano, foi à sua peça e o encontrou no chão e com a cabeça sangrando. Levou-o imediatamente para o salão, mandou chamar um médico e o deixou sob os cuidados de um dos atendentes, e saiu à procura do assaltante. Este não foi visto por ninguém daquela estrebaria e ao se conferir os cavalos, verificou-se que o animal de um dos hóspedes havia desaparecido.
Obtida as características desse cavalo e de seu arreio, foi chamada a polícia do lugarejo para que participasse da busca do ladrão, agora, associado ao roubo da cópia da tabuinha nº 11 e do cofre da sala do pesquisador Laureano. Com a polícia informada da descrição do cavalo, do arreio e sem nenhuma descrição do assaltante, foram iniciadas as buscas nos dois sentidos da estrada. O capitão Maurício, assim que Laureano foi atendido pelo médico e informado que seu ferimento não era grave foi perguntar-lhe se tinha alguma informação mais detalhada sobre esse roubo, ao que foi informado que pressentia estar sendo vigiado, pois, nos últimos dias, ao virar para trás, enquanto caminhava de casa para o trabalho e do trabalho para casa, vira por duas vezes uma mesma pessoa aparentando cinquenta anos, de cor branca, cerca de um metro e setenta de altura, vestindo calça e camisa e sem paletó. Estas informações complementares foram passadas à polícia local e, agora, o capitão Maurício decidiu permanecer ali, acompanhando as investigações e procurando obter mais informações de Laureano. Tinha perguntas que martelavam em sua cabeça:
– Qual a razão do roubo da tabuinha e de sua cópia? Alguém mais sabia do projeto? Laureano estava com o dinheiro do prêmio no embornal? As traduções das tabuinhas feitas por Laureano estavam no embornal?
A medida que fazia estas e outras perguntas a Laureano, conseguiu montar um quadro que, à falta de comprovação, era o melhor que poderia alcançar.

4.     A hipótese inicial do roubo

Um homem sabia da existência inicial do projeto de tradução das tabuinhas de Harã. Esse homem havia participado das escavações daquele sítio. Tinha interesse em obter a decifração da linguagem utilizada nas tabuinhas. Não buscava o dinheiro do prêmio, uma vez que Laureano havia depositado no banco Português, na agência central de Lisboa, tão logo recebera o prêmio. O ladrão precisava da tradução para que pudesse decifrar as tabuinhas que tinha em seu poder, pois a narração poderia passar a ter grande valor no mercado paralelo de colecionadores. Tiradas essas conclusões com as quais Laureano concordara, restava ao capitão Maurício voltar a Lisboa e conversar com o professor Ramalho para obter a confirmação dos fatos e apresentar a hipótese inicial que havia formulado para o caso.

5.    O encontro com o Professor Ramalho

Quando chegaram a Lisboa, no amanhecer do dia seguinte, exaustos e após tomar um bom café quente, foram diretamente à sede do projeto para conversarem com o professor Ramalho. Explicados os fatos ocorridos na véspera, foi perguntado ao professor a respeito da possibilidade de que alguém possuísse outras tabuinhas além das existentes no cofre do projeto e nos cofres dos pesquisadores. Este, então, confirmou sobre o episódio do furto do mestre Antônio, ocorrido entre Harã e Lisboa e, portanto, sobre seu interesse em conhecer o significado dos sinais impressos nas tabuinhas para que pudesse traduzir as tabuinhas em seu poder e, assim agregar-lhe valor. Perguntou-lhe o capitão Maurício sobre sua descrição física, ao que foi informado que era homem de cerca de 60 anos, cor branca, cerca de um metro e setenta de altura, ao que concluiu que era o próprio mestre Antônio que agredira Laureano quando estavam a caminho de Lisboa.
Agora, a pergunta do capitão foi dirigida a Laureano:
– Você conseguiu identificar o autor das tabuinhas? Sim, disse ele. Foi uma pessoa que assinava como Abraão, filho de Terá.
O capitão Maurício pegou imediatamente seu embornal e dele retirou uma Bíblia bastante desgastada pelo tempo e pelo uso, e disse:
– Ei, esses nomes são bíblicos! Eles estão aqui escritos no livro de Gênesis.
Depois de lerem todas as referências bíblicas relativas a Abraão e seu pai Terá, concluíram que estas tabuinhas tinham importância vital para o esclarecimento muito mais detalhado do período anterior ao dilúvio, de Adão até Noé e do período entre Noé e Abraão, o décimo depois de Noé, e com quem conviveu, pois, segundo o capítulo 9 de Gênesis, Noé morreu aos 350 anos depois do dilúvio, quando Abraão estava com 58 anos, se confirmadas as gerações de Sem, descritas no capítulo 11, versos de 10 a 27 do mesmo livro.
Imediatamente o professor Ramalho saiu à procura do ministro Raposo para dar ciência dos acontecimentos e solicitar-lhe que o assunto recebesse a máxima urgência e atenção.
Obtida audiência com o rei consorte D. Pedro III, um apaixonado pelas descobertas do mundo científico, ainda naquele dia, foi expedida ordem de procura, captura, prisão e condução do mestre Antônio ao palácio Real.
Foi feita a descrição do foragido e foi dado como razão para essa captura, “alta traição do estado português”.