A FÁBULA DE JOTÃO (Sylvio Macri)

No livro de Juízes, capítulo 9, versículos 7 a 21, temos uma interessante fábula, uma das poucas encontradas na Bíblia, que foi contada por Jotão aos cidadãos de Siquém. Segundo Jotão, as árvores resolveram eleger um rei e para tanto indicaram a oliveira, que recusou a honraria sob o pretexto de que não poderia deixar a sua função de alegrar os homens e honrar os deuses com o seu óleo precioso. Mediante tal recusa, as árvores então indicaram a figueira para governá-las, mas esta também recusou o cargo porque teria que renunciar à missão de proporcionar aos homens a doçura de seu fruto. Houve nova tentativa, desta vez com a videira, a qual, por sua vez, alegou não poder aceitar, pois tinha a importantíssima tarefa de dar o seu vinho, que alegra os homens e os deuses. As árvores, porém, não desistiram de encontrar um rei e lançaram sua proposta ao espinheiro, o qual aceitou ser rei com a condição de que as árvores se colocassem debaixo da sua sombra, caso contrário dele sairia fogo que as consumiria. Trata-se de uma ironia, pois sendo o espinheiro uma árvore rasteira, não produzia sombra nenhuma, mas quando seco tornava-se um excelente combustível para incêndios que devoravam florestas como as do Líbano, com seus famosos cedros.           

Jotão era o filho mais novo de Gideão e havia escapado da chacina liderada por Abimeleque, seu meio-irmão, na qual pereceram todos os outros filhos de Gideão, em número de setenta. Ainda em vida, Gideão recusara-se a governar Israel e nem quisera indicar nenhum de seus filhos para fazê-lo, apesar da insistência do povo. Após a morte de Gideão, Abimeleque, um sujeito desqualificado, apresentou-se como o melhor candidato a ser rei de Siquém, apresentando como credenciais apenas o fato de ser filho de Gideão com uma concubina daquela cidade e o fato de ser concidadão dos seus moradores.

Seus intermediários nesse pleito foram os seus parentes siquemitas, os quais foram bem-sucedidos na campanha. Eleito rei, Abimeleque imediatamente apossou-se do tesouro público e com o dinheiro contratou uma quadrilha para ir até Ofra, onde moravam os demais filhos de Gideão, seus irmãos, executar a chacina acima mencionada, da qual Jotão salvou-se por ter-se escondido. Jotão então subiu ao monte Gerizim, ao pé do qual ficava a cidade de Siquém, e proferiu a fábula que já descrevemos.

Concluindo seu discurso, Jotão disse aos siquemitas: Se o que vocês fizeram foi sincero e honesto, sejam felizes com Abimeleque e seja ele feliz com vocês, mas se não, que dele saia fogo e queime vocês, e de vocês saia fogo e o queime.

Não deu outra! Passados três anos, o povo de Siquém, por motivos óbvios, rebelou-se contra Abimeleque, o qual com seu exército de bandidos cercou a cidade e matou todo mundo, sendo que os líderes, coincidentemente, foram queimados vivos numa fortaleza na qual se refugiaram. Dali Abimeleque foi para Tebes, outra cidade rebelada, nas cercanias de Siquém, mas lá, quando se preparava para incendiar outra fortaleza, foi atingido por uma pesada pedra atirada do alto da torre por uma mulher. Para que não fosse dito que teria sido morto por uma mulher, Abimeleque pediu que um soldado acabasse de matá-lo com sua espada. E assim cumpriu-se a palavra de Jotão.

As lições da fábula de Jotão são muito úteis para o momento que vivemos em nosso país, em que se discute a honestidade daqueles que foram eleitos para os milhares de cargos públicos existentes em nosso sistema político.

A primeira lição é que as más escolhas sempre acabam em desastre. Em matéria de administração pública tudo que começa errado sempre vai dar errado. Se elegermos um candidato desqualificado ou corrupto, sua atuação/administração tem todas as probabilidades de tornar-se um fiasco, um desastre, com prejuízos às vezes irreparáveis.

A segunda lição é que não devemos escolher um candidato simplesmente pelo fato de ser amigo, parente, vizinho, irmão em Cristo, ou por qualquer outra relação de afinidade, mas pelas suas aptidões para exercer a função. Um bom amigo, parente ou vizinho nunca será um bom administrador público se não tiver qualificações para tanto.

A terceira lição é que não devemos escolher um candidato de caráter duvidoso. Se há dúvidas sobre sua honestidade e sinceridade não vote. Às vezes o procedimento do candidato é claramente duvidoso, pelo uso que faz da coisa pública, pelas pessoas com quem se relaciona, pelas pessoas que contribuem para a sua campanha, pelas alianças políticas que faz, pela sua vida pregressa, etc.

A quarta e última lição é que as más escolhas quase sempre acontecem por causa da nossa omissão. Se para nós tanto faz quem seja eleito, porque nada vai mudar mesmo, se para nós política é uma coisa suja, na qual não devemos nos envolver, então nunca teremos bons candidatos nem nos interessaremos em elegê-los.

Que a fábula de Jotão nos leve a meditar sobre isso, e então fazer sempre boas escolhas na hora de votar.

Pr. Sylvio Macri