Todos os dias quem frequenta uma igreja que se pauta pela Bíblia ouve que precisa ler as Escrituras Sagradas.
Entre os que ouvem, alguns tentam. Dos que tentam, uns se tornam amigos das páginas bíblicas, mas outros não conseguem se familiarizar com elas. As Escrituras Sagradas parecem inacessíveis e — sejamos honestos — ultrapassadas.
Um fator é, para alguns, a real falta de tempo, em função dos necessários compromissos impostos pelas duras regras da sobrevivência. O outro fator é o estilo de vida que boa parte de nós leva: quase sempre superficial, com muito tempo para as coisas que nada importam e pouco ou nenhum para as atividades que realmente têm valor. Vale aqui a fórmula dos tríplice D: desejo, decisão e disciplina. Desejemos ler a Bíblia. Decidamos ler as Sagradas Escrituras. Disciplinemo-nos para ler a Palavra de Deus.
Nestes casos, o interessado em se tornar leitor da Bíblia pode vencer a dificuldade. Basta que deseje ser este leitor e se organize para usar bem o tempo que tem.
É possivel, no entanto, que parte do problema esteja nas Sagradas Escrituras, menos por seu padrão espiritual e moral elevado e mais pelas dificuldades do próprio texto.
Também neste caso, as Escrituras nada podem fazer, mas nós podemos.
A primeira tarefa é ter em mente o que a Bíblia é.
A Bíblia é um livro magistral, por sua beleza e por sua profundidade. As dificuldades que apresenta não nos devem desestimular mas nos convidar ao seu exame. A vida salta de seus versos. Quando a escutamos, ouvimos Deus falar. As Escrituras são o espaço do tríplice S: salvação, santidade e sabedoria. Ler a Bíblia nos salva, nos molda e nos ensina. Sem ela, não sabemos o que Jesus faz por nós. Sem ela, somos moldados por outros valores e outras culturas. Sem ela, não aprendemos a viver.
Se cremos nisto, podemos colocar a Bíblia no seu lugar.
Compreender a Bíblia é como fazer uma viagem, mala à mão ou mochila às costas. Esta viagem é transcultural: estamos indo para o mundo de Abraão, de Moisés, de Davi, de Jeremias, de Davi, de Pedro, de Paulo, de Barnabé, de Timóteo, de João. Vamos viajar por um mundo completamente diferente do nosso. Nem sempre levamos este fato a sério e ficamos chocados com atitudes que não aprovamos hoje e ainda bem que não aprovamos.
Compreender a Bíblia demanda distinguir os textos narrativos dos textos normativos. Os primeiros narram histórias reais, com pessoas reais. O fato de suas histórias estarem no texto sagrado não quer dizer que Deus aprove suas atitudes e que sejam paradigmáticas para nós. Os textos que demandam obediência são os normativos, que têm regras claras para a nossa vida. Por sua vez, os textos normativos demandam o cuidado de distinguirmos os mandamentos vencidos e os mandamentos sem prazo de validade. As normais culturais são temporais e devem ser lidas como se fossem narrativas para vermos o amor de Deus em ação. As normas com valor até hoje são aquelas que o tempo não envelhece.
Na compreensão dos valores diferentes entre textos narrativos e texto normativos, consideremos dois exemplos: as leis sobre casamento e sobre consumo de carnes.
As regras sobre casamentos de jovens hebreus são culturalmente dadas e visavam o bem-estar daquela comunidade; vivendo em outro contexto, não devemos aplicá-las; o que devemos é buscar os princípios universais subjacentes às regras culturais. Estes princípios serão sempre válidos.
As regras sobre o consumo de carnes visavam o bem-estar da comunidade do Antigo Testamento. Continham regras sanitárias para preservação do povo, como a proibição de comer carne de porco e seus derivados, veto que não é mais necessário com a tecnologia dos nossos dias.
Compreender a Bíblia é como percorrer uma biblioteca cheia de livros escritos em vários gêneros literários (história, crônica, poesia, cartas, ensaio, teatro) e com generosos recursos de linguagem (sobretudo metáforas).
De posse destes princípios, podemos passar às tarefas práticas.
Comecemos com um exemplar da Bíblia. Se não temos um, devemos buscar por um.
Ao escolhermos uma Bíblia, devemos nos interessar pela tradução com a qual mais nos sintamos à vontade. Há muitas traduções (como Almeida Revisa, Almeida Corrigida, Almeida Século 21, Bíblia de Jerusalém, Nova Vulgata, Nova Versão Internacional, Bíblia Viva, Nova Tradução na Linguagem de Hoje e A Mensagem, entre tantas).
Todas são fidedignas em relação aos originais. Nosso critério deve ser o da linguagem, com preferência para aquelas que nos deixem mais conectados e mais interessados pelo texto. Eu uso todas estas, mas prefiro a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, que é uma tradução, e A Mensagem, que é uma paráfrase.
Devemos continuar lendo a Bíblia de modo sistemático, mas no nosso ritmo. Se podemos seguir um plano comunitário de leitura, fazemos bem. Se não conseguimos, importa que leiamos, mesmo que num ritmo mais pessoal. A vantagem de seguir um plano é que sempre temos com quem conversar e nos inspirar. No caso de dificuldades, devemos agir para superá-las, embora a decisão mais fácil seja desistir.
Podemos lançar mão das Bíblias de Estudo. Infelizmente, há algumas que pouco acrescentam, por serem edições oportunistas com pouquíssimas notas. Felizmente há Bíblias de Estudo que são verdadeiros tesouros, como a Bíblia de Estudo Anotada Expandida (Editora Mundo Cristão), Bíblia de Estudo de Genebra (Sociedade Bíblica do Brasil), Bíblia de Estudo NVI (Editora Vida) e Bíblia de Estudo Despertar (para pessoas em recuperação de vícios e traumas — Sociedade Bíblica do Brasil), entre outras edições.
Quando formos ler um livro especificamente, temos boas introduções e comentários disponíveis, em forma de estudos impressos ou de materiais postados na internet.
Talvez alguém possa pensar que, diante de tantos cuidados, é melhor ler coisa mais fácil.
Pode ser, mas as leituras fáceis não páginas onde Deus fala, onde Jesus Cristo nos salva, onde o Espírito Santo nos guia. [FIM]
ISRAEL BELO DE AZEVEDO