“Os céus declaram a glória (Shekinah) de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite. Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz. Mas a sua voz ressoa por toda a terra, e as suas palavras, até os confins do mundo.” (Sl 19.1-4)
As memórias do êxodo e também do retorno do exílio estão inteiramente ligadas à presença de Deus junto e no meio do povo. A isso a teologia rabínica chamou em aramaico de Shekinah.
UM DEUS VIZINHO
O vocábulo Shekinah é uma palavra que não aparece na Bíblia. No entanto, este termo extrabíblico aparece nos targuns. O nome targum é aplicado a cada uma das antigas traduções, porções do Antigo testamento hebraico para o aramaico, em benefício dos judeus que tinham esquecido o hebraico estando no exílio.
As implicações desta palavra nas Escrituras nos fazem pensar que, embora o verbo Kabõd e o substantivo Shekinah sejam traduzidos por Glória na Septuaginta, seu entendimento é compreendido através do texto. Shekinah tem a ver com a Glória de Deus presente, revelada e vista e que enche e transborda no Tabernáculo de Moisés, no Tabernáculo de Davi e no Templo de Salomão, no Sinai, no Carmelo, no monte Horebe e também no meio do povo. A Shekinah do Senhor era o Kabõd revelado ao mundo, a sua presença manifesta!
Em linguagem targúmica, Shekinah representa a presença majestosa de Deus e sua decisão de "habitar" (shakan) entre os homens. O verbo shakan, que deu origem ao substantivo Shekinah, ressalta a ideia de vizinhança e também proximidade. Deus tem mostrado a sua Shekinah ao homem ao longo da história, o que mostra que ele quer ser vizinho e viver próximo dos seres humanos. Cabe a cada indivíduo reconhecer e se prostrar ante a grandiosa glória de Deus.
No livro do profeta Isaías, temos uma das mais espetaculares manifestações da Shekinah de Deus. O profeta faz o relato deste momento sublime em sua vida da seguinte maneira: “No ano em que o rei Uzias morreu eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado. A aba da sua veste enchia o templo. Acima dele estavam os Serafins. Cada um deles tinha 6 asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés, e com duas voavam. E proclamavam uns aos outros:”Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua Shekinah. Ao som das suas vozes os batentes das portas estremeceram e o templo ficou cheio de fumaça. Então gritei: Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Logo um dos Serafins voou até mim com uma brasa viva, que havia tirado do altar com uma tenaz. Com ela tocou a minha boca e disse: “Veja, isto tocou os teus lábios; por isso, a tua culpa será removida, e o teu pecado será perdoado.” (Is 6.1-7)
Esse encontro de Isaías com a Shekinah de Deus me traz à memória outros encontros marcantes ao longo da história do homem com Deus.
ROSTO QUE RELUZ
Lembro-me do grande líder Moisés, que cuidava do rebanho de seu sogro Jetro, que era sacerdote de Midiã. Certo dia, ele conduziu o rebanho para a extremidade oeste do deserto e chegou a Horebe, o monte de Deus. O anjo do Eterno apareceu a ele nas chamas que saíam do meio de um arbusto. Embora estivesse em chamas, o arbusto não se queimava. Moisés pensou: “o que está havendo aqui? Isso é inacreditável! Por que o arbusto não é consumido pelo fogo?” O Eterno viu que ele havia parado para observar o fenômeno e o chamou do meio do arbusto: “Moisés! Moisés!”. O grande líder respondeu: “Sim, estou aqui!” E Deus disse: “Não se aproxime mais. Tire as sandálias dos pés. Você está pisando em solo sagrado.” O Eterno prosseguiu: “Eu sou o Deus de seu pai; o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó”. Moisés escondeu o rosto, pois ficou com medo de olhar para Deus” (Ex.3.1-6).
Depois desse encontro, em uma outra oportunidade, Moisés foi convidado pelo Eterno a subir no monte Sinai, que logo foi coberto por uma nuvem, e a Shekinah de Deus desceu sobre a montanha. A nuvem cobriu o Sinai durante seis dias. No sétimo dia, o Eterno chamou Moisés de dentro da nuvem. À vista dos israelitas lá embaixo, a Shekinah de Deus parecia um fogo que ardia no alto do monte. Moisés entrou na nuvem e subiu para o alto da montanha. Permaneceu ali 40 dias e 40 noites (Ex.24.15-18). Quando desceu do monte Sinai, trazendo as duas tábuas da aliança, o grande líder não sabia que a pele do seu rosto reluzia, porque havia estado na presença da glória de Deus. Arão e todos os israelitas viram Moisés com o rosto reluzente e se afastaram, pois ficaram com medo de chegar perto dele (Ex.34.29,30).
Quando esse mesmo Moisés terminou de montar a Tenda do Encontro, uma nuvem a cobriu totalmente e a Shekinah do Eterno enchia a Habitação. Moisés não podia entrar no Tabernáculo, pois a nuvem estava sobre ele, e a glória do Eterno enchia a Habitação. Sempre que a nuvem se levantava da Habitação, o povo de Israel partia, mas, se a nuvem não se erguesse, ninguém levantava acampamento. A Shekinah do Eterno ficava sobre a Habitação durante o dia e, de noite, havia fogo sobre ela. Estava sempre visível a todos os israelitas em suas viagens (Ex.40.34-38).
CONSAGRAÇÃO
Um outro momento marcante de manifestação visível da glória de Deus foi na inauguração do templo construído por Salomão. Depois de sete anos de construção, ele foi consagrado a Deus e, quando os sacerdotes saíram do lugar Santíssimo, uma nuvem encheu a casa. Os sacerdotes não puderam cumprir suas obrigações sacerdotais por causa da nuvem, a Shekinah do Eterno havia inundado o templo (I Rs 8.10,11).
A história da experiência do profeta Isaías com a Shekinah de Deus é majestosa. Ele vê o Eterno assentado num trono alto e exaltado. Isaías enxerga um Deus vivo! Como afirma o salmista: “Antes de nascerem os montes e de criares a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus” (Sl 90.2). O rei Uzias estava morto, mas o Rei dos reis estava vivo. A visão de um Deus vivo tem feito enorme falta em nossas vidas.
O crente do século XXI precisa do Deus que é vivo. Sim, do Eterno que já era Deus vivo quando o universo tomou forma. Ele já era Deus vivo quando os dinossauros ainda passeavam pela terra. O Soberano era Deus vivo quando Sócrates tomou cicuta, o veneno que o matou. O Deus Eterno era Deus vivo quando o primeiro homem pisou na lua. O Senhor dos Exércitos é Deus vivo hoje e continuará sendo o único Deus majestoso e exaltado, vivo, quando os sete bilhões de seres humanos que habitam a terra hoje estiverem mortos. Ele nunca teve um começo e não depende de nada para sua existência.
O Eterno sempre foi, é, e será, o único Deus vivo! O Deus que Isaías avista é vivo e também grande; a aba da sua veste enchia o templo. O templo que Salomão construiu era enorme, mas o Deus que o profeta mira, é infinitamente maior; só a aba do seu manto já ocupava todo o templo. Qual é o tamanho do seu Deus? Muitos não conseguem alcançar as dimensões infinitas de Deus, e O mantêm limitado dentro de uma caixinha de fósforo.
SERES ARDENTES
Em sua visão, Isaías viu que acima de Deus estavam Serafins, adoradores angelicais, cada um tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés, e com duas voavam. Este é o único local na Bíblia em que se ouve falar destes “seres ardentes”; seres angelicais, os adoradores celestiais que cercavam o trono do Eterno. Eles proclamavam bem alto uns aos outros: “Santo, Santo, Santo é o Eterno; o Senhor dos Exércitos! A terra inteira está cheia da sua Shekinah”.
Diante desta proclamação, o homem Isaías percebe que os batentes das portas tremem e que o templo ficou tomado de fumaça. Confrontado com a santidade e com a glória de Deus que enchia o templo; o profeta grita por socorro.
Moisés escondeu o rosto, teve a face transformada em seu encontro com a Shekinah de Deus, Isaías solta um grito: Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; um povo de mensalões e mensalinhos, um povo corrupto, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Quando o ser humano se depara com essa glória e santidade, não tem como evitar o mesmo sentimento que tomou conta do profeta Isaías. Se compararmos, é como uma visão dos raios do sol invadindo seu quarto pela manhã, deixando à mostra toda a sujeira que flutua pelo ar.
Diante da Shekinah de Deus, o profeta se reconhece pecador e necessitado da misericórdia do Rei dos reis. Logo percebe que um dos Serafins voava até ele carregando uma brasa viva, que havia tirado do altar. O Anjo toca a boca de Isaías com essa brasa viva e diz: “Veja, isto tocou os teus lábios; por isso, a tua culpa será removida, e o teu pecado será perdoado”.
Não posso deixar de imaginar a alegria que deve ter tomando conta do pecador Isaías. Ele, que clamava por socorro, que se sentia perdido e perecendo, tem no seu encontro com a Shekinah de Deus sua culpa e pecado perdoados.
Esta situação é bem ilustrada no livro "O Peregrino", de John Bunyan, em que a personagem o “Cristão” vê todo o fardo que havia carregado ao longo da vida rolar pela montanha após se deparar com a Cruz de Cristo.
Isaías não tinha bens materiais; não possuía carros, apartamentos, contas bancárias, nem jatinhos, mas conseguiu a única coisa que nem a morte jamais poderá apagar. Imagino o profeta Isaías proclamando como o rei Davi: ”Abram-se, ó portais; abram-se, ó portas antigas, para que o Rei da glória entre. Quem é o Rei da glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso nas batalhas. Abram-se, ó portais; abram-se, ó portas antigas, para que o Rei da glória entre. Quem é esse Rei da glória? O Senhor dos Exércitos; ele é o Rei da glória!” (Sl 24.7-10).
JESUS, O RESPLENDOR DE DEUS
O profeta Isaías teve o encontro com a Shekinah de Deus através de uma visão. O escritor do livro de Hebreus nos dá a seguinte informação: ”Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constitui herdeiros de todas as coisas, e por meio de quem fez o universo. O Filho é o resplendor da Shekinah de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade nas alturas, tornando-se tão superior aos anjos, quanto o nome que herdou é superior ao deles” (Hb.1.1-4).
O Filho é o resplendor da glória de Deus, a Shekinah manifesta ao homem através de Jesus. O apóstolo João afirma sobre ele:“Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade. (Jo 1.14) João declara ter visto em Jesus a Shekinah de Deus. Com a chegada do filho de Deus ao mundo o apóstolo se vê frente a frente com a manifestação da glória de Deus ao homem.
Por que muitas pessoas não conseguem enxergar a Shekinah de Deus?
“Nenhum dos poderosos desta era o entendeu, pois se o tivessem entendido, não teriam crucificado o Senhor da glória.” (1Co 2.8.
UM LAMPIÃO A GÁS
John Piper, citando Søren Kierkegaard, diz que somos como pessoas que andam com seus carros durante a noite para ver a glória de Deus. Mas acima de nós e ao nosso lado queima um lampião a gás. Enquanto a nossa cabeça está rodeada pela luz artificial, o céu está vazio de glória. Mas se algum vento gracioso do Espírito sopra nossas luzes terrenas, então, em nossa escuridão, os céus se enchem de estrelas. Só quando nos desfazemos das luzes deste mundo é que temos os nossos olhos abertos para contemplar a Shekinah de Deus.
Foi o que aconteceu ao grande anunciador da glória de Deus; o apóstolo Paulo. Quando ainda era chamado de Saulo: “Em sua viagem, quando se aproximava de Damasco, de repente brilhou ao seu redor uma luz vinda do céu. Ele caiu por terra e ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, por que você me persegue?” Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor? Ele respondeu: Eu sou Jesus, a quem você persegue.” (At 9.3-5)
PARA NOS LAVAR
Saulo precisou ficar cego para enxergar a shekinah de Deus e compreender que Jesus era o Senhor da glória. Ele faz a seguinte definição daquele que tanto perseguiu: ”Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o principio e o primogênito dentre os mortos para que em tudo tenha supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz” (Cl 1.15-20).
Uma brasa viva removeu a culpa e pecado de Isaías, agora o sangue do Filho de Deus, o resplendor da sua glória, é que nos lava toda impureza.
Paulo conclui que ”todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito” (2Co 3.18).