NO REINO COM MARCOS, 1: O PRINCÍPIO DO EVANGELHO

Marcos 1.1-20

1.    NOSSO PONTO DE PARTIDA

O evangelho é a história de Jesus entre nós.
O evangelho é também o conteúdo da mensagem pregada e vivida por Jesus quando viveu entre nós.
Então um destes evangelhos, o de Marcos, começa assim:

"Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus" (Marcos 1.1).

O evangelho enquanto história não acabou. O evangelho continua sendo escrito. Nós o escrevemos deixando Jesus viver a sua história na nossa; nos o escrevemos vivendo a história de Jesus. Nós escrevemos o evangelho quando fazemos o que Jesus fez e ensinamos o que Jesus ensinou e vivemos como Jesus viveu.
O evangelho enquanto conteúdo também não acabou. Continuamos precisando do evangelho, porque continuamos precisando de boas notícias. Nossas vidas, algumas marcadas pela dor, precisam do conforto de boas notícias: Deus está conosco. Podemos confiar. Podemos ter esperança. Mesmo as vidas marcas pela abundância de realizações e ausência de dor mais intensa, precisamos de boas notícias: Deus está conosco. Podemos encontrar motivos para viver além das conquistas, sejam de dinheiro, sucesso, fama, coisas que não sustentam uma vida.
O evangelho é a história e a mensagem de Jesus. Jesus é o Salvador. Seu nome significa "Deus [Yahweh] salva". Quando anunciado, foi apresentado como Salvador. O salvador é aquele que tira, por meio do seu sacrifício, o pecado das pessoas que o confessam.
O evangelho é a história e a mensagem de Jesus é o Cristo. Cristo é o termo grego para o hebraico Messias, o ungido (escolhido) de Deus esperado por séculos.
O evangelho é a história e a mensagem  de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Está completada a identidade de Jesus. Ele é Deus, tanto quanto o Pai e o Filho. Ele foi um mestre, mas um mestre-Deus. Ele foi um taumaturgo, mas um taumaturgo-Deus. Sem deixar de ser homem — grande mistério –, era Deus. O Filho de Deus existe antes de Jesus, que é o Filho de Deus em forma humana.

O "evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus" é o nosso princípio, o nosso ponto de partida, o nosso ponto de chegada. Nossa vida começa com ele e vamos terminar com ele.
Quem quer ser plenamente feliz precisa partir do pressuposto que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus.

2. NOSSA IDENTIDADE
Conta o evangelho a história do batismo de Jesus (Marcos 1.11).
Embora não fosse pecador, Jesus desejou ser batizado. Seu batizador preparou o caminho para as pessoas poderem entender a vida e a mensagem radicais de Jesus.
Ele então sai de Nazaré, passa provavelmente por Cafarnaum (há uns pouco mais de 30 quilômetros) e desce pelas margens do rio Jordão. Atravessa o rio e é batizado por seu primo.
Quando Jesus se batiza, mostra a sua humanidade. Mostra que todo homem precisa ser batizado. Jesus não foi batizado para ser salvo, porque o batismo não é condição para a salvação, mas selo visível da salvação.
Quando Jesus se batiza, mostra a sua divindade. Uma voz do céu anuncia a sua verdadeira identidade: aquele homem saído das águas é o Filho de Deus, isto é, ele é o próprio Deus.
Se o evangelho é a história de Jesus, oferece-se também para ser a nossa história. Se nós nos identificamos com Jesus, a sua identidade é a nossa: também somos filhos amados de Deus. Esta é identidade de Jesus. Esta é a nossa identidade.
Ao longo de seu tempo aqui, Jesus foi aplaudido e vaiado; elogiado e humilhado; exaltado e morto, embora inocente. No entanto, a fama e a vaia, o elogio e a humilhacão, a exaltação e a morte não alteraram a sua identidade: filho de Deus. O mesmo se aplica a nós: somos filhos de Deus, não importa se conhecidos ou desconhecidos, reconhecidos ou ignorados, sãos ou doentes. Estas situações não nos tiram o essencial: somos amados por Deus.

3. EXPULSOS PARA O DESERTO

O evangelho prossegue contando a história de Jesus:

"Logo após, o Espírito o impeliu para o deserto" (Marcos 1.12).

A trindade — essa incompreensível doutrina, em que o Deus Pai, o Deus Filho e o Deus Espírito Santo são três pessoas em uma só — decidiu que Jesus deveria para o deserto. O verbo é "impeliu" (εκβαλλει), o mesmo usado quando Jesus expulsava os demônios das pessoas. Jesus foi forçado a ir para o deserto. Jesus foi conduzido pelo deserto (ερημον).
Precisou ser impelido porque o deserto não é um bom lugar. Deserto é lugar de solidão. Deserto é lugar de privação (com muito calor de dia e muito frio de noite). Deserto é lugar de tentação. Deserto é lugar de luta. Lá a sua companhia eram as feras. Assim como os primeiros leitores do evangelho de Marcos eram lançados às feeras, Jesus também foi.
Deserto é lugar de esvaziamento do eu. Deserto é lugar de dependência de Deus. Deserto é lugar de oração.
O Filho de Deus, no entanto, está no deserto, mas não está só. Deus está com ele. Quando estamos nos deserto, não estamos sozinhos. Deus está conosco. Os anjos estavam com Jesus, protegendo-o das feras. Deus continua conosco e ele nos protege através de recursos diversos, por meio de suas ações diretas e por meio de pessoas que ele nos envia como anjos para as nossas vidas.
O Filho de Deus está no deserto, mas não tem privação. Ele foi alimentado pelos anjos. Quando estamos no deserto, nada nos falta (Salmo 23.1). Deus está conosco. Quando estamos no deserto e oramos, sentimos Deus conosco.
O Filho de Deus está no deserto. Está sendo tentado, mas tem as palavras para resistir. Quando estamos no deserto também somos tentados (não o seríamos, se Jesus o foi?). Deus nos coloca os meios de defesa e resistência.

"Vistam toda a armadura de Deus,
para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis,
depois de terem feito tudo.
Assim, mantenham-se firmes,
cingindo-se com o cinto da verdade,
vestindo a couraça da justiça
e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz.
Além disso, usem o escudo da fé,
com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno.
Usem o capacete da salvação
e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.
Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica;
tendo isso em mente, estejam atentos
e perseverem na oração por todos os santos".
(Efésios 6.12-18)

Estar no deserto é deixar os holofotes, vindos do dinheiro ou da fama, para viver na simplicidade (com [como] os animais do campo).
Estar no deserto é deixar a superfície, em busca da profundidade.

Jesus foi impelido para o deserto e nos impele também.

4. ACEITOS NO REINO

A história encontra o seu centro no encontro entre o Filho de Deus e cada um de nós.

"Depois que João foi preso, Jesus foi para a Galileia, proclamando as boas novas de Deus. `O tempo é chegado`, dizia ele. `O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas!’” (Marcos 1.15)

A notícia está dada.
O tempo da espera pelo Messias acabou.
O tempo do império da Lei terminou, para dar lugar ao reino da graça.
O tempo em que o esforço humano faz tudo chegou ao fim; agora, Jesus leva sobre os seus ombros os nossos esforços, bem como nossos medos e nossas ansiedades.

Quem tem ouvidos para ouvir ouça que ninguém precisa esperar para se encontrar com o Messias.

Jesus diz: "O Reino está próximo". Jesus diz: "eu vim a vocês; agora venham a mim. Para quem vem a mim, o Reino de Deus chega".

Ele mesmo o descreve, num recado ao primo João Batista, que estava confuso, por causa do estilo totalmente radical de Jesus:
"os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres" (Mateus 11.5).

Foi isto que Jesus fez ao longo de sua vida. O Reino de Deus é o poder de Deus em ação. Só Deus ainda, como Jesus fez, faz cegos enxergarem, paralíticos andarem, leprosos serem curados, surdos escutarem, mortos voltarem a viver.
Poderão alguns sugerir que o projeto dele, que era a instauração do Reino de Deus, morreu quando foi crucificado.
Estes não entendem o que é o Reino de Deus, que é universal, não se circunscrevendo no tempo e na história.
A cruz foi o ápice do projeto de Jesus. Ele veio para isto, disse ele mesmo (João 12.27). Na cruz, ele não perdeu; ele venceu. A cruz completa o evangelho, porque a melhor notícia que alguém pode receber é que os seus pecados forma perdoados na cruz.
Na cruz, a mais extraordinária profecia sobre Jesus, que é Isaías 53.4-5, se cumpriu plenamente.

Na cruz, os nossos pecados se transformados em pecados de Jesus, que não tinha nenhum. Nossas histórias se encontram. Eis a maravilha do Evangelho.

Alguns poderão ver o mundo e não perceber o Reino de Deus estabelecido nele.
O Reino foi inaugurado por Jesus e está se expandindo. Vai se completar quando Jesus voltar. Nós vivemos o intervalo da grande partida. O primeiro tempo foi jogado. Falta o segundo. Esperamos a luz voltar, para ter o início o segundo tempo. Já sabemos o resultado. Já sabemos que vencerá. Jesus vencerá. Ele já venceu a morte, quando foi ressuscitado. Nós venceremos também a morte, quando ele vier pela segunda vez, quando Reino de Deus se concretizar.
Neste ínterim, os aceitos no Reino de Deus (e somos aceitos quando aceitamos o que Jesus fez por nós na cruz) devem viver vidas que evangelizem, vidas que contem as boas notícias que Jesus contou.
Vidas que evangelizam são vidas íntegras. Vidas íntegras não são apenas vidas de culto, não são vidas apenas de palavras sábias, algumas frases feitas. São vidas que vivem como Jesus viveu.
Evangelizar é viver o Evangelho que transforma vidas individualmente e, partir destas transformações, transforma comunidades, sejam vilas, bairros, cidade ou países.
A evangelização não morre com o indivíduo. Ela vive com o indivíduo e a partir do indivíduo.

5. RESPOSTA INSTANTÂNEA
Conta o evangelho que Jesus tinha uma missão a realizar. Era uma missão para os homens. Era uma missão com os homens. Era uma missão a ser feita pelos homens.
Então, ele escolheu estes homens.
Os dois primeiros eram pescadores (Simão Pedro e André):

"Andando à beira do mar da Galileia, Jesus viu Simão e seu irmão André lançando redes ao mar, pois eram pescadores. E disse Jesus:
— Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens.
No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram".
(Marcos 1.16-18)

Depois, escolheu mais dois irmãos, Tiago e João, também pescadores e filhos de Zebedeu):

"Indo um pouco mais adiante, viu num barco Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, preparando as suas redes. Logo os chamou, e eles o seguiram, deixando seu pai, Zebedeu, com os empregados no barco".
(Marcos 1.18-20)

O quinto foi um funcionário público da área fiscal:

"Jesus saiu outra vez para beira-mar. Uma grande multidão aproximou-se, e ele começou a ensiná-los.
Passando por ali, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse- lhe:
— Siga- me.
Levi levantou-se e o seguiu".
(Marcos 2.13-14)

A estes, outros sete foram juntados:

"Jesus subiu a um monte e chamou a si aqueles que ele quis, os quais vieram para junto dele. Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem com ele, os enviasse a pregar e tivessem autoridade para expulsar demônios.
Estes são os doze que ele escolheu:
[1] Simão, a quem deu o nome de Pedro; [Simão, depois chamado de Pedro ou Cefas, era filho de João ou Jonas];
[2] Tiago, filho de Zebedeu [esposo de Salomé, provavelmente], e
[3] João, seu irmão, aos quais [Jesus] deu o nome de Boanerges, que significa “filhos do trovão” [por sua energia];
[4] André [irmão de Pedro];
[5] Filipe [que era de Betsaida, a mesma cidade Simão e André — cf. João 1.44]’
[6] Bartolomeu [também chamado, provavelmente de Natanael = cf. João 22.2]
[7] Mateus [ou Levi — cf. Mateus 9.9];
[8] Tomé [chamado de "o gêmeo" — cf. João 11.16];
[9] Tiago, filho de Alfeu [chamado de "o Pequeno" — cf. Marcos 15.40]
[10] Tadeu [ou Judas Tadeu, filho de Alfeu e irmão de Tiago, o Pequeno];
[11] Simão, o zelote; e
[12] Judas Iscariotes, que o traiu.
(Marcos 3.13-19)

Jesus escolheu viver seus primeiros meses de ministério (foram poucos os meses, talvez 30) no norte, às margens do lago de Tiberíades (ou lago de Genesaré ou lago de Kinneret ou mar da Galileia). Sua cidade-sede era Cafarnaum, à beira do lago. Solteiro, provavelmente morava com a mãe numa casa perto da sinagoga.
Descendo um pouco, os pescadores iam e viam, pescando, vendendo, conversando, preparando a nova pescaria.
Ele os conhecia. Ele era conhecido deles. Conhecimentos superficiais por parte deles. Conhecimento profundo por parte dele. Ele era o Filho de Deus.
Jesus se encontra com seus futuros auxiliares. Diz a cada um: "Venha". E um a um, "no mesmo instante", os selecionados deixavam suas redes e iam com Jesus.
Jesus andava pelas praias do mar da Galiléia. Ele nasceu no centro-sul (em Belém), viveu ainda mais ao sul no Egito, mas cresceu no norte, em Nazaré. De Nazaré, foi morar em Cafarnaum, às margens do lago da Galileia, uma porção de água doce, formado pelo rio Jordão, com 19km de cumprimento, 13k de largura, a 213 metros abaixo do nível do mar Mediterrâneo.

1. Jesus anda por onde nós andamos. Jesus anda na cozinha onde passamos parte do nosso tempo. Jesus anda na escola onde gastamos boas horas do dia. Jesus anda no trabalho que ocupa a maior parte de nossa vida. Jesus anda pela praia ou em qualquer outro lugar de lazer.
Jesus nos encontra onde nos encontramos. Os primeiros discípulos estavam nos seus lugares de trabalho.

Jesus chamou os pescadores e eles o seguiram "no mesmo instante" — que informação revolucionária! É coisa para pessoas fé. É coisa para pessoas de coragem. É coisa para quem enxerga longe. É coisa para quem confia em Jesus.

2. Jesus ainda hoje nos chama para ir com ele. Ele chamou gente como a gente, a maioria sem as qualificações que nós imaginaríamos desejáveis. Os que o atenderam ele os capacitou, começando por lhes dar outro sentido para sua vida.
Simão, depois Simão Pedro, porque Jesus lhe mudou o nome, mudando sua vida, era um pescador, talvez pouco alfabetizado. Tornou-se pouco depois o líder da igreja que surgiria. Enfrentou multidões para defender o projeto de Jesus. Escreveu dois livros. Se a tradição católica está correta, chegou à capital do império, Roma, onde morreria. Mesmo que tenha ficado em Jerusalém, foi muito além do horizonte esperado para um pescador. Sem Jesus, seria um pescador sem nome.

3. Como Jesus, nós temos uma missão: ser pescadores de pessoas. Esta é a prioridade. Ser pescador de pessoas é dar prioridade a Jesus. No caso dos pescadores, não foram chamados a romper seus vínculos com os seus familiares, mas a viver estes vínculos a partir da convivência com Jesus, capaz de tornar melhor esta convivência.

***

Respondemos "no mesmo instante" ou vamos primeiro resolver nossos problemas?
Vamos "no mesmo instante" ou primeiro analisamos se vale a pena: se o bônus vai ser melhor que o ônus?
Seguiremos no "mesmo instante" ou ficaremos olhando para trás?
Vamos misturar a nossa história com a história de Jesus ou vamos fazer carreira solo?

Jesus espera repostas imediatas. Ele não tem tempo a perder.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

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