O EXCEPCIONALISMO COMO PRETEXTO (Sylvio Macri)

Em outubro de 2011 escrevi o texto abaixo, que saiu publicado no O Jornal Batista, a respeito das consequências para a sociedade norteamericana do atentado terrorista de 11/09/2001 na cidade de Nova York. Pois não é que o que eu escrevi nesse texto comprovou-se amplamente nos últimos dias, quando um funcionário do serviço secreto americano resolveu expor ao mundo um amplo esquema de espionagem promovido pelos EUA dentro e fora do país? E novamente vem à tona a doutrina do excepcionalismo, isto é, que os EUA têm o direito de usar todos os recursos possíveis, justos ou não, legítimos ou não, para defender-se de possíveis ataques terroristas. Por achar oportuno, é que reproduzo aqui o texto tal como foi escrito há quase dois anos atrás.    

DEZ ANOS MAIS TARDE

Imaginemos um filme em que se abordasse a destruição por extremistas das torres gêmeas de Nova Iorque em 11 de setembro de 2001, e na seqüência se mostrasse aquele quadro dizendo “10 anos mais tarde”. Depois desse tempo, o que se vê nos Estados Unidos da América em decorrência daquele ato terrorista?

Observadores e analistas da cena americana têm concluído que a grande nação não tirou muitas lições para melhor do ataque terrorista; pelo contrário, exacerbaram-se as tendências a uma posição exclusivista, intervencionista e supremacista na sociedade americana.

Dez anos depois, podemos constatar que o preconceito dos americanos contra estrangeiros aumentou consideravelmente, principalmente contra os muçulmanos (este aumentou de 39% para 49% – dado citado pelo teólogo americano Miroslav Volf, em palestra recente). Há poucos meses líderes evangélicos no Estado do Tennessee, inclusive batistas, manifestaram-se abertamente pela proibição aos muçulmanos de construírem um templo numa das suas principais cidades. 
 
Aumentou também a aprovação dos americanos ao uso da tortura como método de investigação policial. Mais da metade das pessoas que freqüentam igrejas aprova isto (dado também citado pelo teólogo Miroslav Volf). Nem mesmo um governo liberal como o de Obama conseguiu eliminar a excrescência representada pela Base de Guatanamo, onde se praticam as maiores barbaridades para obter confissão de prisioneiros capturados legal ou ilegalmente em territórios estrangeiros.

O uso daquele ato terrorista de 11/09/2001 como pretexto para ações intervencionistas em todo o mundo, levou à multiplicação dos inimigos americanos no exterior. Os EUA têm hoje mais inimigos do que em qualquer época de sua história. Isto afetou a obra de evangelização mundial, pois hoje os missionários americanos não são mais bem vindos na maioria dos países. Freqüentemente temos lido declarações de especialistas no assunto sobre a oportunidade de se enviar missionários brasileiros, pois os campos estão sendo fechados aos americanos.

O excepcionalismo também aumentou consideravelmente. O americano médio já pensava estar sozinho no mundo, não se interessava pela vida no resto do planeta, não se importava com o aquecimento global, a fome na África ou a preservação da Amazônia. Agora, isso transformou-se numa espécie de auto-blindagem, isto é, a idéia é de que todos estão contra ou são indiferentes aos EUA, e que eles são a única nação no mundo a defender a liberdade. E este supremacismo, pensam, lhes dá o direito de intervir onde quiserem para impor sua visão de mundo.

Mas algo ainda mais perigoso ocorreu nesses dez anos: o crescimento da religião civil, isto é, o estabelecimento da América como uma religião. Os americanos hoje adoram mais a América do que a Deus, mesmo os religiosos praticantes, entre eles batistas (os batistas do sul estão claramente atrelados ao Partido Republicano). Está aumentando grandemente o número de pastores que usam o púlpito como palanque político, o que caracteriza um ato de ilegalidade, pois a legislação americana prevê que se isto ocorrer, a igreja pode perder o direito à isenção de impostos. Um professor de religião – Charles Kammer – cunhou uma expressão para identificar esse fenômeno entre os evangélicos americanos: é o “Cristo-americanismo”, uma forma distorcida de Cristianismo que mistura nacionalismo, paranóia conservadora e retórica cristã.

As lições são claras: a maioria dos americanos perdeu a oportunidade de humilhar-se diante de Deus, de arrepender-se de seus erros e de aproveitar a tragédia de 11/09/2001 para repensar seu modo de vida. Ao contrário, deixaram-se dominar pelo orgulho ferido e pela arrogância, e isso não indica um bom futuro.

Rio, 04/10/11

Pr. Sylvio Macri                               
 

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