AS QUESTÕES HOMOSSEXUAIS, 3: AS DEMANDAS DO DIREITO

Em dois países, o primeiro semestre de 2013 trouxe profundas transformações no âmbito dos direitos dos homossexuais.
No dia 8 de abril de 2103, a revista "Time" ofereceu aos seus leitores norte-americanos uma capa dupla. As fotos, feitas por um dos maiores fotógrafos do mundo, o brasileiro Sebastião Salgado, mostram dois homens (numa) e duas mulheres (noutra) se beijavam. O título da matéria era: "O casamento homossexual já venceu". 1
Dias depois a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceria o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Semanas após, o Instituto Barna divulgou uma pesquisa em que compara a visão dos evangélicos norte-americanos sobre os direitos dos homossexuais nos últimos dez anos. Em 2003, 42% dos norte-americanos em geral eram favoráveis a mudanças nas leis para dar oferecer mais liberdade à comunidade homossexual; em 2013, esse percentual cresceu 11 pontos, chegando a 53%, a maioria, portanto. Entre os protestante, a variação foi de 24% para 32% (oito pontos) e maior entre os católicos (de 35% para 57% ou 22 pontos), apesar de todas as manifestações oficiais da Igreja Católica. 2
No Brasil, no dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aplicando a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada dois anos antes 2011, determinou, por 14 votos a 1, o seguinte: "É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo". (Resolução 175 do CNJ). 3
Quando o Supremo tomou a decisão de validar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, houve quem protestasse por entender que os ministros estavam usurpando uma prerrogativa do Congresso Nacional. 
O mesmo movimento se esboçou quando da determinação do CNJ. As resoluções são letras vivas, produzindo todos os efeitos, inclusive os que ainda virão.
O poder judiciário brasileiro, portanto, deu razão à capa da revista Time: "O casamento homossexual já venceu".
 
QUE FAZER?
 
Diante desta quadro, de clara derrota dos seus princípios para outros valores, o que devem fazer os cristãos que entendem ser clara a Bíblia quando condena a prática homossexual? Devem eles continuar advertindo a sociedade para o seu erro ou reconhecer a legislação?
Há outras perguntas que precisam ser feitas: uma vez que o Estado brasileiro é leigo, podem as igrejas cristãs seguir outra constituição, no caso a divina na Bíblia, que não a do país. Podem os cristãos legislar para aqueles que não são cristãos?
Mais ainda: não têm os cristãos o direito assegurado na mesma Constituição de livremente expressar sua visão sobre a prática homossexual, sem serem acusados de homofóbicos? Que fazer diante de leis que podem representar um cerceamento à liberdade de expressão? É homofóbico ler no púlpito de uma igreja ou num meio de comunicação os textos bíblicos que, orientando sobre a sexualidade, rejeitam a prática homossexual por considerá-la moralmente ilícita?
Talvez surjam ainda outros dilemas: deve, por exemplo, um operador cristão do Direito aceitar contribuir para a realização de um casamento entre pessoas do mesmo sexo ou mesmo defender-lhes o direito numa causa?
Substancial também, embora inóqua diante das vitórias acachapantes do movimento homossexual ao redor do mundo e no Brasil, é a pergunta se os homossexuais devem ter os mesmos direitos dos heterossexuais em relação aos temas da família, como o do casamento e da adoção de crianças?
 
O CERCO FECHADO
 
Comecemos por nos lembrar que o movimento homossexual é bastante recente no mundo. Alguns formuladores da sua agenda perceberam que falhariam se insistissem numa aceitação moral e venceriam se concentrassem seus argumentos como uma exigência dos direitos civis. 4
A partir daí, os teóricos e operadores do Direito começaram a argumentar que os homossexuais eram uma classe de cidadãos a quem se negavam liberdades civis básicas e a pedir aos tribunais que os protegesse, nos termos dos direitos civis, até forçar uma revolução na moral e na legislação. 5 No Brasil, prefere-se usar a expressão "direitos humanos", que não precisam ser justificados, mas protegidos, o que faz deles não mais um problema filosófico mas político. Afinal, como escreveu Norberto Bobbio, "não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. 6
Os direitos dos homossexuais são, nesta perspectiva, direitos humanos a serem protegidos pelo Estado. 
No Brasil, o poder judiciário começou a trilhar esta direção a partir do Rio Grande do Sul. Em 1999, o Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) definiu que os juizados especiais de família deveriam apreciar os assuntos relacionados às uniões de pessoas do mesmo sexo. Até então só eram tratadas as demandas de ordem patrimonial ou comercial. 7 A partir daí a jurisprudência mudou. Em 2001, o Tribunal gaúcho que reconheceu que um casal homossexual forma uma família. Pouco a pouco, em centenas de sentenças, foram sendo assegurados os direitos aos homossexuais "no âmbito do direito das famílias, direitos sucessórios, previdenciários e trabalhistas". 8
Essas sentenças acabaram chegando aos tribunais superiores, que se adiantaram enquanto no Congresso Nacional tramitavam projetos visando uma alteração da Constituição. Nos dias 4 e 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Arguição do governo do Estado do Rio de Janeiro, 9 se poderia estender aos servidores estaduais homossexuais os mesmos direitos concedidos aos heterossexuais, e também uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, 10 que visava o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo. Os dez ministros, seguindo relator Carlos Ayres Britto, votaram por unanimidade que "e obrigatório o reconhecimento, no Brasil, que da uniao entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher", ficando estendidos "os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis" aos "companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo". 11
 
AS PREMISSAS DAS DECISÕES
 
Para um entendimentos das razões do STF para a decisão, as premissas que o ministro Luiz Fux enunciou são valiosas:
 
Premissa 1: "A homossexualidade é um fato da vida".
Premissa 2: "A homossexualidade é uma orientação e não uma opção sexual. Já é de curso corrente na comunidade científica a percepção (…) de que a homossexualidade não constitui doença, desvio ou distúrbio mental, mas uma característica da personalidade do indivíduo. (…) Tem-se como certo que um indivíduo é homossexual simplesmente porque é. Na verdade, a única opção que o homossexual faz é pela publicidade ou pelo segredo das manifestações exteriores de sua personalidade".
Premissa 3: "A homossexualidade não é uma ideologia ou uma crença".
Premissa 4: "Os homossexuais constituem entre si relações contínuas e duradouras de afeto e assistência recíproca, com o propósito de compartilhar meios e projetos de vida".
Premissa 5: "Não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões homoafetivas. Não existe, no direito brasileiro, vedação às uniões homoafetivas".
 
No bojo da discussão, o advogado (e depois ministro do mesmo Supremo) publicou outras premissas, bem acolhidas no STF, entre as quais estão as seguintes:
 
1. "as relações homoafetivas são fatos lícitos e relativos à esfera privada de cada um";
2. "o intérprete constitucional deve ser movido por argumentos de razão pública e não por concepções particulares, sejam religiosas, políticas ou morais";
3. "o papel do Estado e do Direito é o de acolher – e não o de rejeitar – aqueles que são vítimas de preconceito e intolerância". O Estado deve "respeitar a diversidade, fomentar a tolerância e contribuir para a superação do preconceito e da discriminação". 12
 
O ministro Fux, em seu voto, entende que "a evolução da sociedade" exige uma "evolução do direito" que deve ousar, indo além da intenção do legislador na Constituição, e equiparar os direitos dos homossexuais aos dos heterossexuais, para que possam, "à luz da comunhão que tëm, da unidade, da identidade", erigir seus projetos de vida. 13
Quando Fux fala da ousadia de ir além do legislador, ele se referia à discussão se o Supremo poderia tomar uma decisão daquela natureza, por entenderem muitos que só o Congresso Nacional poderia fazê-lo, por ser da sua competência legislar e dos juízes interpretar. Algumas vozes, pouco ouvidas, dentro e fora do Parlamento, lamentaram que o Supremo tenha usurpado o direito do Congresso Nacional e se equivocado ao ignorar, nos termos postos por Ives Gandra que há "nítida diferença biológica e jurídica entre os casais de homens e mulheres e aquelas uniões entre homens e homens e mulheres e mulheres. E a diferença – capacidade de gerar prole pelos meios naturais – é tão essencial e de tal magnitude, que impede a equiparação". Sob o aspecto formal, Gandra
viu no gesto uma invsão pelo Supremo do "texto da Constituição para mudá-lo manu militari". 14
Resume todas estas premissas esta de uma jurista gaúcha, pioneira do que ela chama de "direito homoafetivo": "Condenar à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças, e o Estado não pode deixar de cumprir com seu desígnio maior: conduzir o cidadão à felicidade". 15 Sublinhemos: o Estado deve conduzir seus cidadãos a felicidade.
 
Dois anos depois, em 14 de maio de 2013, com base nos acórdãos do Supremo, o  Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução (Resolução 175) que obriga, uniformemente, os cartórios do país a celebrarem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a converterem em casamento civil as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. 16
Recebida pelo movimento homossexual como uma grande vitória, a Resolução foi contestada sob o entendimento que o CNJ tem poderes apenas para orientar a atuação dos cartórios e não para interpretar as leis.  Houve também manifestações como o da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), para quem o CNJ invadiu, "sem temor ou cerimônia, a esfera de competência do Poder Legislativo", além de avançar "sobre o direito fundamental de objeção de consciência dos servidores cartorários de todo o país". A referida Resolução deveria ser considerada inconstitucional por ser um "regulamento de substituição de leis" ou mesmo "um regulamento de alteração de leis". 17 A menos que haja uma inimaginável reversão no STF, as discordâncias em relação ao gesto do CNJ continuarão vozes varridas pelo vento. 
Vem prevalecendo a ideia que o CNJ agiu segundo suas prerrogativas constitucionais, ao garantir os direitos humanos básicos às famílias homossexuais. 18
O Supremo agiu bem em alertar sobre a incapacidade das partes de resolverem seus problemas no Congresso, mas errou em, ao invés de se limitar a assegurar direitos de casais discriminados, invadir o texto da Constituição para mudá-lo manu militari.
 
A cada passo, os princípios da liberdade e da igualdade, assim interpretados, vão presidindo a sistematização dos direitos dos homossexuais, sob a premissa que o "o respeito à dignidade humana impõe o respeito à diversidade", o que implica em afirmar que "não se pode conceber conviver com a exclusão e com o preconceito em Estado que se quer de Democrático de Direito. 19
Estes chamados avanços se devem, como reconhece uma advogada (Maria Berenice Dias) favorável à agenda homossexual , "ao movimento social, extremamente ativo e atuante na luta pelos direitos da população LGBT, exercendo decisivo papel para inserção do segmento homossexual no âmbito da proteção do Estado". 20
 
QUEM DEFENDE OS CONTRÁRIOS?
 
Conquanto não tenha elaborado nenhuma lei mais ampla sobre o tema dos direitos dos homossexuais, tramitam no Congresso vários projetos nesse sentido. O mais ruidoso, e que ainda tem sentido discutir, mesmo diante das decisões legisferantes do Supremo Tribunal Federal, é o Projeto de Lei da Câmara de número 122. Se as decisões do Supremo e do CNJ tiveram a ver com os direitos dos homossexuais, o Projeto de Lei afeta os direitos dos que são contra a agenda homossexual. 
Em 2006, a Câmara  dos Deputados aprovou um Projeto de Lei, com o objetivo de "punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero". Tendo subido para o Senado (como PLC 122), e alvo de embates, ainda não foi aprovada. 
O texto original estabelecia “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero" (Artigo 1º).
Assim, aos homossexuais não se pode:
 
. “Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público". (Artigo 5º)
. "Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional". (Artigo 6º)
. “Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público". (Artigo 8ºA)
. “Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs". (Artigo 8ºB)
 
Outras redações foram apresentadas no Senado Federal. Uma veda a "a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica".
Outra ressalva, incluída em 2011, é que a Lei "não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5o da Constituição Federal". 21
 
Não é fácil discutir o Projeto, em função das mudanças que vêm sendo sugeridas no Senado. Quando for votado, talvez parte da sociedade sequer saiba quais são os artigos, tantos os substitutivos.
De qualquer modo, o tema deve ser discutido no capítulo da liberdade de expressão em geral e da religiosa em particular.
Como está, o Projeto de Lei pretende, na análise do juiz federal William Douglas, "impedir que os religiosos digam que segundo seu ponto de vista a homossexualidade é pecado. Isso pode incomodar a alguns, mas é um direito constitucional. (…) Incômodos ou não, os cristãos falam sobre pecado, um dos temas abordados por Jesus. Quando lhe apresentaram uma pecadora que, por conta de suas ações, contrárias à lei mosaica, deveria ser apedrejada, o Messias também falou sobre violência. Grande revolucionário, Cristo impediu o apedrejamento sugerindo que aquele que não tivesse pecado lançasse a primeira pedra. Contudo, em desfecho esquecido pelos mais liberais, após proteger aquela mulher, e com amor, disse: “Vai, e não peques mais”. Eis Jesus: sem pedras, sem acomodações; com amor, mas sem pecado. 22
Deve ser integrante da sua liberdade o direito de um pregador, por exemplo, dizer, pelo meio que dispuser, que a prática da homossexualidade é pecado. Deve ser integrante da liberdade de um divulgador da agenda homossexual dizer que os pregadores são ultrapassados e em contradição com o conhecimento científico. 23
Ademais, quanto ao PLC 122, ele está redigido de uma forma que permite interpretações muito diversas e subjetivas. O que se entende, por exemplo, por “proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero"?(Artigo 8ºB)
O que é, no caso de se ser incluído o dispositivo, "uma ação violenta, constrangedora, intimidatória de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica?" Um homossexual poderá alegar ter sido constrangido se ouvir um pregador ler 1Coríntios 6.9-11? 24
Se é proibido "impedir ou restringir a manifestação do afeto homossexual" em qualquer lugar, cometerá crime quem pedir a um par de homossexuais que não se acariciem ou beijem em público? Cometerá crime a direção de um shopping que colocar um aviso no banheiro masculino pedindo recato?
É verdade que a lei deve proteger as minorias e cuidar para que não seja alvo de hostilidade ou violência. "Por serem cidadãos dignos de igualdade de direitos e de tratamento, os homossexuais podem e devem ser alvo da atuação positiva de todas as esferas do poder do Estado, em prol do reconhecimento de seus direitos". 25
De igual modo, também é verdade que se deve defender a liberdade religiosa, que inclui a divulgação de crenças mesmo que soem "desagradáveis, atrevidas ou impopulares". 26 Há "limites para a concessão de direitos aos homossexuais, os quais não podem ser ampliados ao ponto de ferir e afrontar o direito à liberdade religiosa. O Estado não deve, portanto, conceder direitos aos homossexuais ao ponto de impedir ou restringir as possibilidades de crítica religiosa à homossexualidade (…), sob pena de direta lesão ao direito fundamental à liberdade religiosa e à Constituição Federal". 27
Deve ficar inequívoco que "não cometerá crime ou contravenção aquele que, por convicção religiosa, entender a conduta homossexual como não condizente com os preceitos bíblicos, ou quaisquer outros preceitos emanados de textos considerados sagrados, mas poderá incidir nas penalidades (…) no caso de incitar a perseguição, a abominação, o desprezo, a repulsa, a segregação e a violência para com os homossexuais". 28 Assim, a intervenção do Estado deve ocorrer quando há "inequívoca afronta a direitos homossexuais, não bastando que os homossexuais se sintam ofendidos ou atacados intimamente". 29
Por isto, os legisladores devem fazer constar, nos seus projetos de Lei para criminalizar a homofobia, a exclusão do seu alcance quanto à liberdade religiosa. 30 Devem também ser precisos para evitar interpretações que gerem insegurança aos religiosos e permitam aplicações contraditória por parte dos julgadores.
 
O FALSO DEBATE DA CURA DE HOMOSSEXUAIS
 
Outro debate que vem sendo travado desde 1999 é sobre a proibição de os psicólogos poderem oferecer apoio terapëutico a pacientes homossexuais que os busquem em função de sua condição homossexual. Naquele ano, o Conselho Federal de Psicologia determinou:
 
"Art. 2° – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
Art. 3° – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva
tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer
desordem psíquica". 31
 
Houve uma forte reação da comunidade de psicólogos cristãos, mas a resolução continuou inalterada. Uma década depois, na Câmara dos Deputados, um projeto de Lei Complementar, de 2011, sustava o parágrafo único do Artigo 3º e todo o Artigo 4º.
Para o parlamentar, "o Conselho Federal de Psicologia, ao restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, por intermédio do questionado ato normativo, extrapolou o seu poder regulamentar", "usurpou a competência do Poder Legislativo, incorrendo em abuso de poder regulamentar, com graves implicações no plano jurídico-constitucional". 32
Assim mesmo, o autoritarismo flagrante do Conselho Federal de Psicologia, apoiado pelo pensamento único sob o arco-iris do "politicamente correto", venceu e em julho de 2013 o deputado decidiu retirar o projeto, como já o fizera outro parlamentar, que também pediu que fosse arquivado.
 
ALGUMAS IDEIAS PARA A REFLEXÃO DOS CRISTÃOS
 
Mesmo neste novo cenário de reconhecimento da igualdade de direitos entre homossexuais e heterossexuais, impõe-se para os cristãos uma reflexão.
Não cabe mais perguntar se os homossexuais devem ter os mesmos direitos dos heterossexuais em relação aos temas da família, como o do casamento e da adoção de crianças. Eles já os têm.
Ives Gandra sugere que "negar o direito dos gays é tirania dos religiosos". Ele acha que não se deve impedir que um casal homossexual viva junto, em união estável, mas não  casados, porque casamento é entre um homem e uma mulher. 33 "De modo idêntico, impor sua opinião aos religiosos, ou calá-los, ou segregá-los nas igrejas como se fossem guetos", como quer o movimento homossexual, "é tirania". Cresce, no Brasil, "uma nova modalidade de preconceito e discriminação: a teofobia, a crençafobia e a fobia contra a opinião diferente". 34
 
Eis alguns itens para nossa pauta de discussão:
 
1. Os cristãos devem participar de movimentos que visam proteger os homossexuais contra as manifestações de ódio e violência. Deus clama onde há injustiça e os cristãos devem clamar juntos e lutar, pacificamente, contra todas as expressões de ódio e violência. Um cristão não deve agredir, mesmo que seja agredido. Sua cultura precisa ser sempre a da paz, mesmo que, humanamente, vá perder. Como sugere Ives Gandra, não devemos atentar contra "a liberdade de escolha, opinião e crença", nem para nos defender do "erro da intolerância", cometida pelo movimento homossexual "ao tentar impor um novo conceito de casamento". 35
 
2. Os cristãos devem participar de movimentos que assegurem a liberdade de expressão e de religião, para si mesmos e para os outros grupos, inclusive os ateus, que querem extinguir a religião. Os cristão não podem devolver as moedas que recebem.
 
3. Os cristãos devem estar atentos às agendas majoritárias, eloquentes e subliminares, que partem de premissas inaceitáveis à luz da Revelação bíblica, nossa autoridade final. Uma delas é a ideia que a prática homossexual é uma orientação para a qual a pessoa não concorre. Não existe um consenso vindo do conhecimento científico de que a homossexualidade não seja uma escolha. E se houvesse tal consenso, os cristãos precisam decidir, no caso de oposição, com que lado ficar, dada a impossibilidade de conciliação.
 
4. Os cristãos precisam saber que nao podem legislar para o Estado, que é leigo. A questão remonta à Idade Média, quando a igreja (no caso, a igreja católica) regia o governo e a sociedade, as leis e os hábitos.
O problema está na origem do nascimento do protestantismo no Brasil, que se juntou aos positivistas, aos maçons e aos liberais em geral para ver aprovado o ideário de separação entre igreja e estado, configurado na Constituição de 1891.
Como cristãos, não podemos, nem devemos legislar. Legislação é verbo para legisladores (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores). Se forem cristãos para defender toda a sociedade, devem agir segundo suas consciências.
Quanto aos cristãos que levam a sério a Bíblia, eles não podem legislar, mas podem e devem profetizar. Os cristãos devem orar pelo Estado e corrigir o Estado. Os cristãos devem orar pela sociedade e corrigir a sociedade, a começar por eles mesmos.
 
5. Os cristãos devem se empenhar pela aprovação de leis que promovam o exercício da liberdade com responsabilidade. Assim, os cristãos devem lutar contra uma medida que proíbe, por exemplo, que psicólogos e outros profissionais da saúde sejam impedidos de apoiar homossexuais que desejam outro estilo de vida que não seja a prática da homossexualidade, primeiro por respeito às escolhas dos seus clientes e segundo por acreditarem que a graça de Deus é para todos. Os cristãos não precisam aceitar que a homossexualidade seja imutável.
 
6. Os cristãos devem continuar afirmando que a moral não é apenas um contrato que as coletividades assinam e variam com o tempo, mas deve ser derivada da fonte divina. Não são os costumes que sedimentam os valores. Antes, devem ser os valores que sedimentam os costumes.
 
7. Os cristãos devem continuam afirmando que necessariamente as leis discriminam. No Ocidente, as leis sobre o casamento, por exemplo, discriminam com base na idade (há uma idade mínima para se contrair núpcias), na condição conjugal (ninguém pode casar com duas pessoas ao mesmo tempo… por enquanto) e nos laços de sangue (um irmão não pode casar com um irmão ou um pai com sua filha). A questão, portanto, não é a discriminação, mas se a discriminação é certa ou errada. 36 O que é legal não é necessariamente bom.
 
8. Os cristãos devem continuar afirmando que a prática da homossexualidade é um desvio do projeto de Deus para o ser humano, não importa que o ser humano não queira este projeto para si. O projeto divino de que o casamento é uma união entre um homem e uma mulher é imutável, exatamente por sua origem. Não é homofobia, por exemplo, ler no  púlpito, no rádio ou na televisão um texto bíblico orientando sobre a sexualidade, mesmo que reprove a prática da homossexualidade. A Constituição brasileira garante a liberdade de expressão, que não deve ser usada para ofender as pessoas. Esta liberdade, como todas, é limitada: não dá o direito à ofensa ou a apologia de atos violentos, sejam verbais ou físicos.
 
9. Os cristãos devem obedecer as leis, mesmo aquelas que estejam em contradição com as suas crenças, se estas crenças estão solidamente fincadas na Bíblia. No caso específico, enquanto persistir, a lei que estabelece o casamento homossexual deve ser respeitada, mesmo que sob protesto. Se o autoritarismo chegar ao ponto de serem obrigados a celebrar casamentos religiosos entre pessoas do mesmo sexo, os cristãos devem e precisam desobedecer, com a disposição de pagar o preço que lhes for requisitado. 37
 
10. Os cristãos que operam no âmbito do Direito precisam considerar as demandas de suas profissão segundo a sua consciência, ouvida a Revelação. Assim, se é procurado para conduzir um pedido de uma dupla de homossexuais para terem o seu casamento firmado no cartório, um advogado cristão precisa refletir.
A pergunta parece fácil aos de fora do território do Direito, mas aos de dentro é complexa, uma vez que uma premissa é que todas as pessoas têm direito à defesa dos seus pleitos.
A decisão é de foro íntimo do advogado. No entanto, bem irá a sua consciência, dados os princípios bíblicos maiores que segue, se declinar da possibilidade, mesmo sabendo que outros patrocinarão a causa.
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[1]"Gay marriage already won". Time, de 8.4.2013.

[2]BARNA Group. America’s Change of Mind on Same-Sex Marriage and LGBTQ Rights. Disponível em <https://www.barna.org/barna-update/culture/618-america-s-change-of-mind-on-same-sex-marriage-and-lgbtq-rights#.UgWhosu9KK0>. Publicado em 3.7.2013.

[3]Conselho Nacional de Justiça. Resolução 175. Disponível em <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/resolucao/resolucao_175_14052013_16052013105518.pdf>.

[4]KIRK, Marshall, MADSEN, Hunter. After the Ball: How America Will Conquer its Fear and Hatred of Gays in the 90s.

[5]MOHLER, Albert. Same sex marriage as a civil right are wrongs rights. Disponível em <http://www.albertmohler.com/2013/04/24/same-sex-marriage-as-a-civil-right-are-wrongs-rights/>

[6]BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992, p. 16-17.

[7]Cf. relato de DIAS, Maria Berenice. Rumo um a um novo ramo do direito. Em: DIAS, Maria Berenice, org. Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 252. Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8ª edi. São Paulo: Revista dos Tribunals, 2011, p.

[8]DIAS, Maria Berenice. Rumo um a um novo ramo do direito…, p. 252.

[9]Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ACDPF 132/RJ.

[10]ADI 4227.

[11]Supremo Tribunal Federal. Relatório transcrito em SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, org. União estável entre homossexuais; comentários à decisão do STF face à ADI 4.277/09 e à ADPF 132/08. Curitiba: Juruá, 2012, p. 40.

[12]BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, no. 16, maio-junho-julho-agosto, 2007. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>

 [13]Supremo Tribunal Federal. Relatório transcrito em SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, org., p. 104-105.

[14]MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Constituição "conforme" o STF. Disponível em <http://www.gandramartins.adv.br/project/ives-gandra/public/uploads/2012/01/01/CONFORME%20O%20STF.pdf>

[15]DIAS, Maria Berenice. Rumo um a um novo ramo do direito…, p. 263.

[16]Conselho Nacional de Justiça. Resolução 175. Disponível em <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/resolucao/resolucao_175_14052013_16052013105518.pdf>.

[17]SANTANA, Uziel. O STF, o CNJ e a Resolução nº 175/2013 sobre o casamento civil homossexual. Disponível em <http://www.anajure.org.br/via-coad-adv-o-stf-o-cnj-e-a-resolucao-no-1752013>

[18]CARVALHO, Henrique Rabello de. Analisando a resolução do CNJ sobre o casamento homossexual. Disponível em <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/analisando-a-resolucao-do-cnj-sobre-o-casamento-homossexual>.

[19]DIAS, Maria Berenice. Rumo um a um novo ramo do direito…, p. 263.

[20]DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 77.

[21]Para acompanhar a tramitacao no Senado, acesse <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>

[22]DOUGLAS, William. Apedrejando os outros; algumas observações sobre o PLC 122. Disponível em <http://blogwilliamdouglas.blogspot.com.br/2011/05/apedrejando-os-outros-algumas.html>

[23]DOUGLAS, William. Apedrejando os outros…

[24]"Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus. Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus". (1Coríntios 6.9-11 — NVI)

[25]FRANZOI, Vinícius. A Liberdade Religiosa no Direito Brasileiro: delimitação das possibilidades de crítica à homossexualidade. Brasília, 2011, p. 54.

[26]BOMFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, direito e religião: da pena de morte à união estável; a criminalização da homofobia e seus reflexos na liberdade religiosa.

Revista Brasileira de Direito Constitucional — RBDC n. 18, jul./dez. 2011, p. 102.

[27]FRANZOI, Vinícius, loc. cit.

[28]BOMFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, direito e religião…, p. 103.

[29]FRANZOI, Vinícius. A Liberdade Religiosa no Direito Brasileiro: delimitação das possibilidades de crítica à homossexualidade. Brasília, 2011, p. 54.

[30]BOMFIM, Silvano Andrade do, op. cit., p. 103.

[31]CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP N° 001/99. Disponível em <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf>

[32]CÂMARA DOS DEPUTADOS. Tramitação disponível em <www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=380A6D2AC1AB5540722669D79243EDF9.node1?codteor=881210&filename=Tramitacao-PDC+234/2011>

[33]Parecerizando para Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Ives Gandra sugere que  "esta diferença não representa qualquer diminuição da dignidade dos seres humanos que optaram por uma união entre iguais". (…) Dizer que, perante a Constituição, são iguais uniões que são biologicamente diferentes, tendo em vista que somente a que ocorre entre um homem e uma mulher é capaz de garantir a perpetuação da espécie, constitui, de rigor, uma falácia".

[34]MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Constituição "conforme" o STF. Disponível em <http://www.gandramartins.adv.br/project/ives-gandra/public/uploads/2012/01/01/CONFORME%20O%20STF.pdf>

[35]MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Constituição "conforme" o STF. Disponível em <http://www.gandramartins.adv.br/project/ives-gandra/public/uploads/2012/01/01/CONFORME%20O%20STF.pdf>

[36]MOHLER, Albert. Same-sex marriage as a civil right are wrongs-rights. Disponível em <http://www.albertmohler.com/2013/04/24/same-sex-marriage-as-a-civil-right-are-wrongs-rights>.

[37]Talvez fosse de bom alvitre que as igrejas evangélicas parassem imediatamente de celebrar casamentos religiosos com efeitos civis, nos termos da Lei 6.015 de 31/12/1973, devendo passar a chamar à cerimônia religiosa por outro nome, como, por exemplo, "bênção nupcial". Devemos saber que é balela que os homossexuais não quererão também o casamento religioso.