SAMARITANOS CONTEMPORÂNEOS (Flavio Mattos)

Ontem eu voltava da padaria bem cedo. Vinha distraído e deparei-me com uma moradora de rua, maltrapilha, carregando sacos, trazendo um pano na cabeça e sobre este pano, em lugar tão despropositado uma peça íntima. 
 
Fui tomado de surpresa de modo que não pude atravessar a rua antes. Exatamente quando eu estava prestes a cruzar por ela, um carro de alto padrão deteve-se na esquina. Saiu da direção um homenzinho barrigudo com um pacote na mão e uma garrafa d'água e, com eles, abordou-a:
 
– Aceita um sanduiche?
 
Ela aceitou sem demora e saiu dali rindo de felicidade.
 
Ao entrar no carro, o homenzinho, percebendo meu olhar curioso deu de ombros e explicou:
 
– Era muito para mim.
 
Entrou no carro e saiu.
Deixou comigo uma ponta de esperança, e outra de vergonha.