Salmos 47:7 (Rui Xavier Assunção)

“Pois Deus é Rei de toda a terra,
cantai louvores com inteligência”. 
(Salmos 47:7)
 
Como filho de pastor batista frequento a igreja desde a mais tenra idade. Alcancei os oitenta anos de existência com a graça e pelas misericórdias de Deus. Bem vividos. Pretendo viver mais uns pares de anos, tantos quantos o Senhor Deus, o Autor da vida, aprouver me conceder. Com saúde, claro está. Com onze fui batizado e ao longo desse tempo, com exceção de poucos anos, participei ativamente de organizações da igreja, a exercer as mais variadas funções.
 
Quando menino gostava de cantar  nos cultos dos quais participava e o fazia com entusiasmo. Um dia alguém, talvez com a intenção de me incentivar, passou a  dizer: “cante com voz grossa, de homem. Parece mulher com essa voz fina!” Atendendo ao apelo passei a forçar a voz, a cantar um tom ou uma oitava abaixo,  se é assim que se diz. Fiquei com a voz mal empostada porque meu incentivador desconhecia que todo garoto tem voz aguda, a tal da voz fina. Continuo assim  até hoje.  Deixei de cantar com a congregação e jamais ousei participar de qualquer grupo coral.
 
Após me transferir para o Rio de Janeiro, bati com os costados na Igreja Batista Itacuruçá. Encantado e entusiasmado com o cântico congregacional, na época conduzido pelo missionário Edgar Francis Hallock, ali ancorei meu barco e lá permaneço até hoje.
 
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Elza Lakschevitz, nome naqueles dias  já muito conhecido no meio musical batista brasileiro e  no da música erudita,  secular,  que dispensa quaisquer comentários.  Deus me concedeu a incomensurável benção de com ela constituir família.  Nunca estudei música. Meus parcos conhecimentos musicais foram hauridos por osmose em virtude de nossa convivência diuturna.
 
O Cantor Cristão  foi substituído pelo Hinário para o Culto Cristão e tende ao desaparecimento. Sinto saudades do C.C. Frequentemente nos momentos de tristeza, perplexidade, angústia ou de esmorecimento na fé me ocorre alguma de suas melodias, de seus hinos e mentalmente os entoo. Enorme sensação  de alívio me invade como se fosse bálsamo  restaurador a agir, restituindo-me a paz de espírito e a tranqüilidade.
 
O H.C.C, por sua vez, ainda não supriu a lacuna deixada pelo C.C e enfrenta a concorrência dos chamados grupos, ou equipes de louvor e também as dos grupos gospel. São indivíduos acompanhados por instrumentos musicais variados ou por trilhas sonoras, que se põe a repetir frases muitas vezes sem sentido e que nada transmitem.  Os líderes de tais grupos imaginando-se inspirados, discorrem sobre temas, os quais à semelhança das “musicas” apresentadas, nada acrescentam.  Tudo isso com a aparelhagem de som em altíssimo e ensurdecedor volume. Não lhes ocorre que Deus, assentado em seu alto e sublime trono não é surdo e nem os ouvintes o são. Quando se cansam concedem ao pastor a oportunidade para apresentar o sermão. Em geral esses  cultos se tornam longos, cansativos e enfadonhos.
 
Há poucos meses visitei outra igreja batista de nossa cidade. Naquela oportunidade a congregação não entoou um só hino! Havia lá um desses tais grupos de louvor. A cantora, com voz esganiçada e estridente, berrava a plenos pulmões. Uma frase por ela repetida exaustivamente era: Jesus é meu adivogado, Jesus é meu adivogado. A distinta pronunciava com ênfase a inexistente vogal i entre  as consoantes d e  v. Quedei-me a imaginar que ela estará em maus lençóis se depender da defesa desse adivogado.
 
Para mim, meus caros, isso não é louvor. Louvor vem de dentro para fora, é exaltação, é expressão de júbilo, de alegria (não confundir com gritaria) interior, é reconhecimento da grandiosidade do Criador. Desnecessário é elevar o tom de voz, gritar, berrar.. Cantar louvores não é massacrar os tímpanos alheios. Pelo menos em meu entendimento.
 
Minha impressão é a de que esses grupos não têm o mínimo preparo vocal. Será que sabem o que isso significa?  Imagino até que façam o chamado aquecimento das vozes antes de seus ensaios ou apresentações. Se o realizam não parece.
 
Presenciei muitos ensaios ministrados pela Elza. Nos aquecimentos que precedem os ensaios ou as apresentações, ela dizia aos coralistas ou  coristas, para expelirem o ar pelo céu da boca. Com a palma da mão direita virada para cima e entre aberta, lentamente erguia o braço e fazia o gesto que se assemelhava a um jogador de basquete a colocar a bola  diretamente na cesta. Praticavam esse exercício por quinze ou vinte minutos após os quais o som fluía límpido, puro, sonoro  e cristalino.
 
Estamos adquirindo o mau hábito de bater palmas quando um desses grupos se apresenta. Não concordo com a prática porque o salão  de cultos, o santuário não é sala de espetáculos. Ali, no santo dos santos,  só  quem deve ser aplaudido, cultuado, reverenciado é Aquele que se assenta no alto e sublime trono e não simples mortais, por mais competentes que sejam.
 
Você está velho e antiquado, dirão uns. Questão de exegese, de hermeneutica, de interpretação. Sou idoso mas não me sinto e nem me considero velho. Velho era Matusalém que viveu novecentos e sessenta e nove anos e morreu (Genesis 5:27). Ainda não cheguei aos cem.
 
Os tempos mudaram, argumentarão outros. É verdade. Concordo plenamente mas a verdade dita pelo salmista permanece inalterada: “cantai louvores  “COM INTELIGÊNCIA. Inteligência! Virtude que está a faltar em muitas de nossas práticas!
 
“Batei palmas todos os povos. Aclamai a Deus com voz de júbilo” recomenda o salmista (Salmo 47:1), alguns observarão.  Realmente assim está escrito mas certamente o salmista não se referia às casas de espetáculo de seu tempo. Ademais os tempos mudaram. Lembram-se? 
 
‘DESPERTA, Ó TU QUE DORMES” (Efésios 5:14).