“E Davi dançava com todas as suas forças diante do Senhor vestindo um colete de linho.” (2Samuel 6.14)
A arca da aliança, aquela que Deus mandara Moisés confeccionar no deserto, tem história. Como registra o capítulo 4 de 1Samuel, os israelitas, em desvantagem na guerra contra os filisteus, levaram a arca para o campo de batalha, com a concordância de Eli, o sumo sacerdote e seus dois filhos, Hofni e Finéias, que a acompanharam. A ideia é que a arca funcionasse como um talismã. Não deu certo, porque os filisteus, apesar do terror que sentiram pela presença da arca, venceram a guerra, mataram trinta mil israelitas, inclusive os filhos de Eli, e capturaram a arca. Quando Eli e a mulher de Finéias souberam disso, também morreram.
Os filisteus trataram a arca como troféu de guerra e a colocaram no seu templo, junto com a imagem de Dagom, o suposto deus que supostamente lhes tinha dado a vitória, mas isso só lhes trouxe problemas, de modo que devolveram a arca aos israelitas. Na cidade onde a arca chegou, Bete-Semes, morreram setenta homens, ao olharem para dentro dela, por isso a levaram para Quiriate-Jearim, para a casa de Abinadabe, cujo filho Eleazar foi consagrado sacerdote responsável por ela. Ali a arca ficou até Davi ir buscá-la a fim de trazê-la para Jerusalém, cidade que ele acabara de conquistar e transformar na capital do seu reino.
Foi uma decisão política de Davi, porque de fato a arca deveria ir para Gibeom, onde estava o tabernáculo, em cujo compartimento chamado santo dos santos ela deveria ficar, segundo a Lei de Moisés. Mas houve um contratempo: a arca ia sendo levada num carro de bois, os quais tropeçaram; para evitar que ela caísse, Uzá, filho de Abinadabe, segurou-a com a mão e morreu na mesma hora. Contrariado com isso, Davi resolveu deixar arca ali mesmo, aos cuidados de Obede-Edom. Contudo, três meses depois, ao saber que este havia sido grandemente abençoado, animou-se a trazer a arca para Jerusalém, dessa vez, porém, da maneira certa, usando as varas próprias para transportá-la, conforme a lei de Moisés.
Davi transformou o transporte da arca num grande evento, com milhares de pessoas; uma grande festa, com música, dança e comida. Contudo, o mais entusiasmado de todos era ele próprio,i que vinha à frente do cortejo dançando e saltando, com todas as suas forças. O verbo no texto original tem o sentido de “rodopiar”. Provavelmente era um ritual antigo, em que se rodopiava. Evidentemente Davi exagerou na sua animação, pois sua esposa Mical, que era preconceituosa, chamou-lhe a atenção por se expor dessa maneira diante do povo.
É comum este acontecimento único ser usado como argumento para justificar a dança nos cultos evangélicos de hoje. Como Davi dançou, dizem, nós também podemos e devemos dançar. Entretanto, é uma regra de interpretação reconhecida que não se pode usar um evento histórico, ainda mais um evento único, para firmar um princípio doutrinário ou mesmo uma maneira de cultuar. Não é porque Davi dançou nessa ocasião que nós temos que dançar hoje nos templos. Aliás, a arca nem foi levada para templo, mas para uma tenda.
É por causa dessa maneira torta de usar narrativas históricas da Bíblia que estamos vendo tanta coisa esquisita nos cultos evangélicos hoje em dia.
Pr. Sylvio Macri