ACADEMIA DA ALMA 7 — Na Íntegra

ENCONTRO 1

DE ABRÃO A ABRAÃO, UM HOMEM FIEL À SUA VOCAÇÃO

 

PARA MEMORIZAR

"Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo". (Hebreus 11.8 — NVI)

 

PARA PENSAR

"Ou nos énecessário eliminar de uma vez a história de Abraão, ou então temos que compreender o espantoso e inaudito paradoxo que dásentido àsua vida, para que possamos entender que o nosso tempo pode ser feliz como qualquer outro, se possuir a fé". (KIERKEGAARD [1])

 

PARA VIGIAR

NÃO permita que as circunstâncias afastem você da sua vocação.

 

PARA ALCANÇAR

Porei Deus em primeiro lugar na vida.

Desejarei sempre que ele forme o meu caráter.

 

______

 

A história de Abraão ocupa diretamente 15 capítulos (11 a 25) no livro de Gênesis, mas seu nome é mencionado 238 vezes na Bíblia. Seus títulos são extraordinários, o maior sendo que é o pai de todos os que têm fé no Deus único (Gálatas 3.7).

No entanto, o "pai da fé" nasceu, como todos seres humanos, menino e foi sendo moldado por Deus para ser homem. Também neste sentido, Abraão é um modelo, ao nos mostrar o que podemos ser como pessoas.

 

1

AS JORNADAS DE ABRAÃO

Pouco sabemos sobre a infância e adolescência de Abraão.

Sabemos (Gênesis 11.26-32) que era de Ur (às margens do rio Eufrates, próximo ao golfo Pérsico, no Iraque de hoje), local onde talvez tenha nascido por volta do ano 2000 a.C. Seu irmão Harã, que era casado, morreu, deixando um filho (Ló). O pai deles, Terá, decidiu migrar com a família em direção a Canaã, às margens do mar Mediterrâneo. Abraão era casado com Sarai, sua meia-irmã, filha de seu pai contra outra esposa (Gênesis 20.12). Seu irmão Naor era casado com uma sobrinha, Milca. Por alguma razão, todo o clã fixou residência na cidade de Harã (identificada como Harran, na Turquia moderna, e referida na Bíbliacomo Padã-Harã, terra de Labão, sobrinho-neto de Abraão (Gênesis 12.31; 24.9), cerca de 1.000 km de Ur.



(Veja mapa)

 

Abraão tinha 75 anos de idade por esta época. Nesta cidade, ele teve sua primeira experiência com Deus, que lhe pediu para ir para Canaã, mais ao sul. Chegou a Siquém (hoje Nablus), cerca de 600 km (Gênesis 12.4-6). Ele peregrinou por essa região, alcançando o Neguev, ao sul do mar Morto, e depois o Egito, em busca de alimento. Acabou se fixando em Hebron, onde morreu aos 175 anos. O tempo (narrado) de sua vida é, portanto, de 100 anos. Como acontece conosco, são anos de dificuldades (fome e infertilidade), conflitos (com os povos da terra e com gente de casa: Ló), provas (sacrificar o único filho), mentiras e fidelidade a Deus e ao seu chamado.

(Veja mapa)

Abrão ("pai elevado") teve seu nome mudado na conversão, mas ele se tornou verdadeiramente Abraão ("pai de uma multidão") no processo.

 

 

2

O DRAMA DA CHAMADA

O maior drama de um homem é ser chamado por Deus para uma missão. Uma chamada é o roteiro para a verdadeira felicidade, mas o caminho é feito de incertezas e inimizades, segurança e paz.

Estêvão nos diz, talvez a partir de uma tradição judaica, que a chamada de Abraão se deu ainda em Ur (Atos 7.2-3), quando ainda morava com seus pais. Deus se identificou como aquele que o tirou da Mesopotâmia (Gênesis 15.7; Neemias 9.7).

A ida para Canaã não foi em linha reta, porque incluiu uma passagem em Harã (ou Padã-Harã), onde ficaram seu pais e outros parentes. Talvez tenham saído de Ur em busca de melhores condições de vida, com Deus usando a adversidade como método para a chamada.

Seu caminho até Canaã foi demorado e perigoso. Incluiu conflitos e ameaças, como a fome e a perda da esposa para o harém do faraó (Gênesis 12.14-20) e do abimeleque (Gênesis 20).

A chamada de Abraão, como toda chamada, foi uma jornada em direção ao desconhecido. O destino seria indicado no caminho, depois de ter saído de casa ("para uma terra que lhe mostrarei"  — Gênesis 12.1). Quando chegou a Harã, pode ter pensado: será aqui?

Não era. Deus lhe mostrou. Deus sempre nos mostra a direção, mas sua metodologia nos é desconhecida. Ele pode pedir coisas aparentemente estranhas como uma circuncisão aos 99 anos de idade (Gênesis 17.24) e a morte (anunciada mas não ocorrida) do filho da promessa (Gênesis 22).

 

Talvez Abraão tenha parado em Harã porque seu pai assim determinara. Importava obedecer seu pai. É possível que, após alguns anos, tenham acertado que Abraão seguiria seu caminho independente, sem seu pai.

A missão precisou esperar. A família é algo tão importante que o Deus da missão diz que a missão de Deus pode esperar.

 

O DRAMA DA INFERTILIDADE

O maior drama de Abraão foi o da infertilidade de Sara. No Oriente antigo, uma família sem filhos não era uma família. Naquele contexto, uma família sem filhos era uma família sem proteção, uma família sem honra, uma família sem memória, uma família maldita.

Deus disse a Abraão que ele teria um filho (Gênesis 15.4), mas Sara era estéril (Gênesis 11.30). Ambos já tinham passado da idade de gerar/gestar filhos.

Como o filho não veio, eles resolveram o problema sem esperar por Deus. Nasceu Ismael, que não era o filho da promessa, mas da precipitação. Abraão tinha 86 anos de idade (Gênesis 16.16). Nasceu Ismael, surgiram os conflitos em casa.

Deus renovou sua promessa (Gênesis 18.1-15). Sara duvidou (Gênesis 18.12). Isaque nasceu. Abraão tinha 100 anos de idade (Gênesis 21.5). Continuaram os conflitos em casa.

 

A ARTE DE GERENCIAR CONFLITOS

Abraão enfrentou dois sérios conflitos em casa, que ele gerenciou, um com sabedoria e outro sem santidade.

 

1. O primeiro foi com o sobrinho Ló.

Abraão e Ló, o sobrinho que ele criava, se desentenderam por questões patrimoniais. O território ficou pequeno para os dois (Gênesis 13.5-12).

Abraão era o chefe do clã. Abraão concluiu que a solução era pôr fim a um relacionamento de décadas, dando ao sobrinho a primazia de escolher o território que queria ocupar.

Ló, talvez ouvindo seus pastores do campo, escolheu o que achava melhor (a partir das aparências)e se fixou bem ao sul, perto do mar Morto. Sua escolha lhe trouxe consequências pesadas, inclusive a perda da esposa.

Abraão não escolheu. Ficou com o que lhe sobrou. A escolha de Abraão foi deixar seu sobrinho escolher, mesmo que isto significasse perder. Não reclamou. Sua região era mais habitada e teve que enfrentar mais guerras. Ele venceu as guerras. Abraão, ao se permitir perder ou a permitir que um sobrinho ajudado por ele ficasse com a melhor parte, não perdeu: ganhou.

Aprendemos com Abraão como gerenciar conflitos.

Ele continuou amando seu ingrato sobrinho (que deveria ter dito: "Tio, pelo que fez por mim, escolha o senhor primeiro") ao ponto de arriscar sua própria vida, para salvá-lo num conflito em que se envolveu (Gênesis 14.1-16).

 

2. O segundo foi mais complexo. Envolvia duas mulheres e uma criança (Gênesis 21.8-20).

E ele o gerenciou muito mal.

O casal estava em Canaã fazia dez anos e Sara não conseguia engravidar.

A solução que encontraram para que Abraão tivesse um herdeiro foi ele se unir à concubina egípcia Hagar (ou Agar), escolhida por Sara. No início, foi tudo bem.

Ainda grávida (imagine-se o que viria depois), a mãe começou a espezinhar a esposa de Abraão. Sara deu um ultimato ao marido (do tipo "ou ela ou eu"). Em lugar de proteger a futura mãe do seu filho Ismael, Abraão deu carta branca a Sara para agir e ela escolheu o caminho da vingança.

Hagar não suportou e fugiu. Abraão não fez nada para salvá-la, mas Deus fez. Deus fê-la voltar para casa, onde teve o bebê. Abraão ficou feliz.

Trezes anos depois, Sara ficou grávida. Abraão ficou muito feliz.

Os dois, mesma com a diferença de idade (14 anos), conviviam e o mais velho, às vezes, debochava do menor. Sara tomou aquilo como algo pessoal e deu um ultimato a Abraão (do tipo "ou eles ou eu"). Agora, angustiado (porque também gostava de Ismael), ele orou e Deus — diante da impossibilidade do convívio harmonioso — o orientou a atender o pedido de Sara, garantindo que cuidaria do menino. Então, despachou os dois. E Deus cumpriu a sua promessa, dando um belo futuro ao garoto rejeitado.

Sara tripudiou sobre a rival. Abraão desrespeitou Hagar, mas Deus não agiu assim. Um filho fora do casamento deve ser tratado com toda a dignidade. Ele não tem culpa dos desatinos dos seus pais.

 

UM CARÁTER EM FORMAÇÃO

O gigante Abraão nasceu pequeno.

Ao mesmo tempo em que era chamado e obedecia, tinha o seu caráter formado por Deus.

Abraão foi chamado em Ur, mas parou em Harã. Desde a Mesopotâmia, Deus estava preparando o seu caráter. Deus sempre esteve formando o caráter do filho de Terá.

 

1.    A área em que Deus mais precisou trabalhar foi a propensão de Abraão para mentir.

 

Abraão mentiu quando esteve no Egito. Com medo de morrer, deixou que o faraó levasse Sara (sua esposa) para o harém, afirmando que era sua irmã e pedindo que ela contasse a mesma mentira também (Gênesis 12.11-20).

Algum tempo depois, em outra peregrinação, agora em Gerar, mentiu para o abimeleque da região (Gênesis 21), pelo mesmo motivo.

O padrão contaminou sua esposa, que riu da promessa que seria mãe e mentiu para dizer que não rira (Gênesis 18.15).

O padrão prosseguiu por gerações. Isaque repetiu o pai até nos detalhes (Gênesis 26.1-22). Jacó refinou o padrão.

Nos casos das mentiras de Abraão, ele agiu para defender sua pele e também, talvez, para tirar vantagens da beleza de sua mulher. No entanto, quando negocia com o rei de Sodoma ou com os donos da caverna de Macpela (Gênesis 23.7-9), que queria transformar em túmulo da familia, ele quer apenas um preço justo, pelo qual paga.

 

2. Deus precisou também ensinar a Abraão a ser firme no que precisava ser.

 

Quando Sara lhe sugeriu uma concubina, ele aceitou. Quando Sara entrou em conflito com Hagar, ele concordou com os maltratos inflingidos à futura mãe de Ismael. Quando o menino nasceu, concordou em mandar mãe e filho embora. Nesses momentos, foi um fraco.

Depois desta sucessão de falhas, não encontramos mais esta falha no seu caráter. Aprendeu.

 

QUALIDADES A IMITAR

Além de sua fé-modelo, [2] Abraão é personagem a ser estudado por outras virtudes.

 

1. A SUPERAÇÃO — Abraão era um homem que aprendeu a gerenciar conflitos.

Ele estava em Ur, quando algo (talvez uma dificuldade econômica, que Deus usou para tirá-lo da Mesopotâmia, ou talvez a morte do irmão Harã) lhe aconteceu. Mudou-se.

Estabeleceu-se em Harã, talvez a contragosto, porque Deus o chamava para outro lugar. Quando teve a convicção que era preciso mudar, adotou o sobrinho Ló como filho e se mudou-se.

Quando seu sonho de ser pai se frustrou, ele aceitou. Quando a esposa sugeriu um plano alternativo (uma mãe-de-aluguel), ele aceitou. Quando Ismael nasceu, ele o amou. Quando Isaque nasceu, ele o amou. Quando Deus lhe pediu Isaque, ele aceitou. Quando a fome bateu, deixou sua casa, mudou-se para o Egito.

Ao longo da vida, mudamos porque nós mesmos mudamos, porque as pessoas mudam, porque as coisas mudam. Abraão mudou e se mudou (de lugar) várias vezes.

Abraão era com uma enorme capacidade de se adaptar. Se queremos superar os reveses, temos que nos adaptar, enfrentando o que pode ser enfrentado, aceitando o que não pode (há coisas que não podemos alterar), contribuindo sempre para que novas realidades emerjam.

Todos somos chamados para sair de onde estamos.

 

2. A GENEROSIDADE — Depois de uma guerra em que foi vencedor, Abraão consolidou o traço mais marcante do seu caráter: a gratidão.

Este traço já estava notado nas vezes (Gênesis 12.8; 13.18; 22.9) em que ergueu altares dedicados a Deus, o primeiro (Gênesis 12.7) logo após a primeira experiência com o Eterno. Ele continuava a tradição iniciada por Noé (Gênesis 8.20).

O traço da generosidade acompanhou seu filho Isaque (Gênesis 26.25), seu neto Jacó (Gênesis 33.20; 35.7) e seus descendentesmais distantes, como Moisés quatro séculos depois (Gênesis 17.15).

O momento mais elevado foi a descoberta do dízimo (Gênesis 14.17-24; cf. Hebreus 7.1-10), que depois seria codificado em termos legais e rituais, permanecendo como uma herança no cristianismo, sobretudo no cristianismo evangélico.

Depois de uma vitória militar do seu clã sobre outros clãs, ele foi abençoado por Deus através de Melquisedeque. Em sua bênção, o rei de Salém (ou Jerusalém, que seria conquistada e refundada pelo rei Davi um milênio depois) mostrou que sua vitória foi na verdade um presente de Deus para a sua vida. Com esta consciência, Abraão entregou a Melquisedeque o dízimo de tudo o que recebera como resultado das batalhas.

Abraão compreendeu que Deus é o Senhor de todas as coisas, tanto que, quando o rei de Sodoma, quis lhe pagar por ter lutado com ele contra os outros reis, Abraão rejeitou. Não quis tirar proveito de uma situação, para receber uma recompensa, mesmo que justa.

Outra demonstração da generosidade foi sua oração (intercessão) por Sodoma (Gênesis 18.16-33). Ali moravam o sobrinho Ló e seus familiares, o mesmo que criara caso com ele alguns anos. Diante da iminência da destruição, Abraão roga pela cidade. Ele se expõe em sua oração. Ele corre risco em sua intercessão. Nada o demoveu de interceder pela compaixão que sentia pelos moradores de Sodoma.

 

3.  O CUIDADO — Abraão era um homem previdente. Toda a sua peregrinação foi, em parte, para atender seu chamado e, em parte, para prover um futuro melhor para a sua família. Demonstram-no duas situações.

Quando chegou o tempo de Isaque se casar (40 anos), ele se preveniu e agiu para que o rapaz de casasse no clã, em que se levava o Deus único a sério. Apesar da idolatria ainda estar presente na família do sobrinho-neto (Gênesis 31.10), o monoteísmo era o valor maior.

Todo o cuidado foi tomado (inclusive com oração) para que a escolha fosse certa e Deus orientou processo, indicando Rebeca.

Quando a morte se aproximava, Abraão providenciou um jazigo perpétuo para família, a partir da necessidade de sepultar Sara. Neste túmulo ele mesmo foi enterrado, bem como Isaque, Rebeca, Jacó e Lia (Gênesis 49.29-31).

 

4. A OBEDIÊNCIA — O maior conflito de Abraão foi interno. O Deus que lhe deu Isaque lhe pediu Isaque (Gênesis 22). Seu pedido era para temer e tremer. Os povos vizinhos sacrificavam seus filhos (geralmente crianças) a Deus. Isaque não era mais uma criança, mas um jovem solteiro (ele se casaria aos 40 anos — cf. Gênesis 25.20).

O pedido foi feito numa noite. Na manhã seguinte, Abraão já estava a caminho do local indicado para o sacrifício. Como ele não conhecia, como nós, o final da história, deve ter passado uma noite terrível. Deve ter sido terrível a caminhada ao lado do filho lhe fazendo perguntas. [3]

Abraão obedeceu a Deus, mesmo que a ordem parecesse absurda. Passou na prova. Sim, era só uma prova e ele foi aprovado. Por isto, é o pai da fé. Depois daquela prova, Abraão estava pronto para o canal pelo qual Deus abençoaria a toda a humanidade. Só a obediência a Deus nos torna prontos para uma vida que vale a pena.

Abraão agora é um homem que põe Deus em primeiro lugar. As demais coisas lhe foram acrescentadas.

 

 

 

ACORDE

1. Faça um inventário pessoal,perguntando-se: "Em que sou igual ou diferente de Abraão?". (AUTOCONHECIMENTO)

2. Confesse o seu pecado (ou pecados) em alguma área da sua vida,admitindo sua dificuldade e pedindo perdão e orientação para mudar. (CONFISSÃO)

3. Ore especificamente sobre este assunto.Como disciplina, escreva uma oração apresentando a Deus a sua necessidade no caminho da mudança. (ORAÇÃO)

4. Medite sobre o assunto.Concentre-se na verdade  bíblica: "Sem fééimpossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam. (Hebreus 11.6  — NVI).  Memorize este versículo. (REFLEXÃO)

5. Decida viver a dinâmica da transformação.Háum preço a ser pago; decida pagá-lo. (DECISÃO)

6. Empenhe-se para se para pôr Deus em primeiro ligar, como Abraão.Vigie para não retroceder. Mude seus hábitos. (ESFORÇO)

 

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

KIERKEGAARD, Soren A. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Háoutras edições)

 

 

ENCONTRO 2

JOSÉ, UM VENCEDOR DE VERDADE

 

PARA MEMORIZAR

"[Deus] mandou vir fome sobre a terra e destruiu todo o seu sustento; mas enviou um homem adiante deles, José, que foi vendido como escravo". (Salmo 105.16-17)

 

PARA PENSAR

Eis o segredo da habilidade de Josépara perdoar. Ele olhou para trás e compreendeu que Deus permitiu que fosse vendido como escravo porque tinha um plano para ele, um plano pelo qual ele resgataria da fome a casa de Israel. Quando olhou para trás, compreendeu que Deus permitiu a injustiça contra ele — de ser acusado falsamente pela esposa de Potifar — porque tinha um plano para ele, um plano que permitiria se encontrar com o copeiro na prisão. Quando olhou para trás, ele compreendeu porque Deus permitiu que o copeiro, restaurado ao seu cargo, o esquecesse, deixando-o na prisão; foi porque Deus tinha um plano para ele, um plano para o copeiro finalmente o apresentar a Faraó". [4]

 

PARA VIGIAR

NÃO permita que as circunstâncias determinem quem você será.

 

PARA ALCANÇAR

Quererei ser José, nunca seus irmãos.

 

_________

 

As histórias bíblicas não são apenas histórias bíblicas. São histórias de vidas verdadeiras, mesmo quando nos incomodam. São histórias com personagens ainda vivas, mesmo que tenham existido há três ou dois mil anos. São personagens dignas e heróicas, indignas e vergonhosas. São narrativas que nos pedem uma escolha: quem somos na história; com quem honestamente nos identificamos?

 

UMA FAMÍLIA NADA EXEMPLAR

A história de José nos fascina, porque José nos fascina. Mas será somos mesmo José? Seremos José, se tivermos que pagar o preço que ele pagou, só porque sonhou?

 

Eram doze os filhos de Jacó, além de Diná. Eles nasceram de quatro mulheres diferentes. A última a lhe dar filhos, já fora da fazenda do pai Labão, foi Raquel, a preferida de Jacó e por quem trabalhou 14 anos, como nos lembra o lindo poema de Camões. Os dois tiveram dois meninos: José e Benjamim.

 

Sete anos de pastor Jacob servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

Mas não servia ao pai, servia a ela,

E a ela só por prémio pretendia.

 

Os dias, na esperança de um só dia,

Passava, contentando-se com vê;

Porém o pai, usando de cautela,

Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

 

Vendo o triste pastor que com enganos

Lhe fora assi negada a sua pastora,

Como se a não tivera merecida;

 

Começa de servir outros sete anos,

Dizendo: – Mais servira, se não fora

Para tão longo amor tão curta a vida!

 

Lia, que o pai, Labão, lhe empurrara, deu seis homens (Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zebulom) e uma mulher (Diná) a Jacó.

As duas esposas ofereceram ao bisneto de Abraão duas concubinas, uma prática do mundo antigo. Raquel escolheu Bila, e Bila deu a Jacó dois filhos (Dã e Naftali). Lia escolheu Zilpa, mãe de Gade e Aser. Todos, exceto Benjamim, nasceram em Padã-Harã, para onde Jacó fugira de Esaú e se abrigara na casa do tio e depois sogro Labão.

Depois que Padã-Harã ficou pequena para ele e o sogro, Jacó migrou para Hebrom, com suas quatro mulheres e 13 filhos. Raquel não chegou, porque morreu no caminho, após o parto de Benjamim.

Destes filhos, José foi quem lhe salvou a vida, depois de quase ter morrido. Jacó viveu 147 anos, mas quando estava com 91 anos de idade sua vida mudou completamente por uma briga de família. Seu filho mais novo, Benjamim, era ainda muito pequeno, com seus dez anos. José estava com 17 e tinha um relacionamento melhor com Dã, de, provavelmente, 38 anos de idade, Naftali, de 36, Gade, de 34, e Aser, de 32.

As menores diferenças eram com Issacar e Zebulom, talvez com 28 e 26 anos de idade, mas eles eram filhos de Lia, rival (Gênesis 30.8) de sua mãe. Os outros filhos de Lia eram muito mais velhos; por essa época, por exemplo, Rúben tinha, provavelmente, 48 anos de idade; Simeão, 46, Levi, 42, e Judá, 40. Seu irmão por inteiro, Benjamim, era ainda um júniore não participava das brincadeiras e das tarefas.

Jacó sabia pouco do que ia no coração dos seus filhos. Além disso, não aprendeu com seu pai Isaque, que não se deve preferir filhos. Ele mesmo foi vítima disso e teve que usar de fraude para receber a bênção do pai. Ele não aprendeu que onde há preferência há rejeição. Agora, adulto, fez o mesmo, preferindo José, seu filho com Raquel. E ele não escondia sua predileção e fazia questão de publicá-la. Um destes gestos foi mandar fazer para ele uma túnica especial, bem longa, e logo diferente das dos seus irmãos, que eram túnicas-padrão. Além disso, encarregou José de vigiar o comportamento dos seus irmãos mais velhos. Os padrões de José eram elevados, e seus irmãos eram sempre reprovados. E ele erauma pessoa de uma fé inabalável, tal como o pai. Deus lhe falava por meio de sonhos, num tempo em que não havia escritura, nem profecia.

José não era perfeito e, para piorar as coisas, gostava de ser o preferido. Tinha sonhos e, em lugar de guarda para si, contava para quem os quisesse ouvir. O pai, em lugar de ver a revolta estampada nos rostos dos filhos, não viu ou fez que não viu. Em lugar de repreender o filho, ficou calado.

A situação só não explodia, porque Jacó era o patriarca. Ninguém ousava desafiá-lo. Seus filhos o preocupavam. O mais velho, Simeão, era violento, tendo chegado a liderar uma chacina contra a família de um jovem que seduzira sua irmã Diná (Gênesis 34). O que vinha depois, Rúben, era mulherengo, e seduziu uma das concubinas do seu pai (Gênesis 35.22).

Num dia, então, enviou seu filho preferido para ver como estavam os outros no seu trabalho de pastorear o imenso rebanho da família. Eles tinham ido longe. José achou que estavam em Siquém, a 49 quilômetros, mas não estavam; teve que caminhar mais 19 quilômetros, para encontra em Dotã.

Enquanto sorria de felicidade, vendo-as a distância, seus irmãos, tomados por um ódio há muito reprimido, planejaram fazer o que não tinham coragem perto do pai: assassiná-lo. Só a um faltou a coragem de levar o plano adiante: Rúben deu a idéia menos cruel: vendê-locomo escravo e dizer ao pai que ele fora devorado por alguma fera. Nunca mais seriam vigiados e poderiam fazer o que bem entendessem. Nunca mais teriam que ouvir sonhos de grandeza. Nunca mais teriam que conviver com um irmão preferido. Nunca mais veriam sua túnica especial. Nunca mais seriam corrigidos pelo irmão mais novo, que agora vai pagar o preço, porque quem corrige um pecador tem que pagar um preço. Daquele momento em diante, mesmo vivo José estaria morto.

Eles contaram a história da morte que não houve e o pai a engoliu. A narrativa deles era precisa nos detalhes. Até chorar eles choraram.

Durante muitos anos, a mentira se tornou a verdade.

 

ONDE ESTAMOS NESTA FAMÍLIA?

Esta é, portanto, uma história de muitas personagens. Quem somos nesta história?

Somos Jacó, um pai que faz o que condena? Preterido por seu pai, Isaque, e quase morto pelo irmão Esaú, a quem enganou, Jacó faz o mesmo, preferindo um dos 13 filhos.

Somos Jacó, que não imagina o que a rejeição pode fazer? Se teve 13, devia a amar a todos por igual. Se temos dois, os dois são os prediletos. Se temos dez, os dez são igualmente amados.

Somos Jacó, um pai que não conhece o coração dos seus filhos, incapaz de perceber o ódio que nutriam por um dos irmãos?

Somos Jacó, um pai que alimenta a hostilidade, ao nomear um dos filhos como delator dos outros? Sim, ele fez de José um autêntico dedo-duro.

Somos Jacó, que parecia ter se deixado ficar à deriva, incompetente para liderar ou mesmo agir com sabedoria nas questões essenciais da sua família? [5]

Somos Jacó, que não percebe que os dez filhos não estão perigo, porque eles é que são o perigo para quem deles se aproxima?

 

Quem somos nesta história?

Somos os irmãos de José, que deixaram que a herança da inveja lhes travasse a possibilidade de ver na preferência de Jacó uma atitude inadequada, mas não uma rejeição deles?

Somos os irmãos de José, que nutriram tamanho e crescente ódio nos seus corações, que não perderam a única oportunidade que tiveram para eliminar aqueles a quem odiavam, sem lhe dar a menor chance de defesa ou correção de rumo?

Somos irmãos de José, que fizeram da violência o método para a solução das suas divergências? Eles, aliás, já tinham demonstrado sua sanguinolência, na resposta que deram ao problema com sua irmã Diná.

Somos os irmãos de José, que se recusaram a ouvir a voz de Deus para eles e para a família nos sonhos do filho adolescente de Raquel?

Somos os irmãos de José, totalmente absorvidos pelos valores da cultura de seu tempo, esquecidos da fé que receberam do seu trisavô Naor, do bisavô Abraão, do avô Isaque e do pai Jacó?

 

Quem somos nesta história?

Somos José, capaz de ouvir a voz de Deus no instrumento da época, o sonho?

Somos José, pronto para obedecer a seu pai, mesmo quando este lhe pede para executar uma tarefa duplamente perigosa, porque lançado num caminho cheio de feras para encontrar os corações ferozes dos seus irmãos?

Somos José, desejoso de mais para a si e para a sua família, quando seus irmãos pareciam satisfeitos com aquilo que o pai lhes conquistara?

 

NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA

Nossas vidas, como a de Jacó, José e seus irmãos, são feitas de heranças. O que faremos com elas?

Nossas famílias são assim.

Nelas alguns são vítimas de violência, das quais jamais se recuperam. Diná sofre uma violência e dela nunca mais se fala, como se tivesse morrido.

Mães dão a luz e morrem. O choro de Raquel no parto de Benjamim ecoa por toda a história de Israel.

Irmãos carregam rancores uns dos outros, ao ponto de não se falarem. Os irmãos de Jacó só se arrependeram três décadas depois da violência que cometeram. (Durante este tempo o remorso lhes corroeu a alma; sim, remorso, porque todo pecado não confessado é pecado não perdoado e pecado não perdoado é dor que se carrega, mesmo em silêncio, na ignorância de Jesus é fiel e justo para, com seu sangue, perdoar todos os pecados.)

Há irmãos nascidos fora da família, que conhecemos muito tempo depois ou jamais conheceremos.

Pais constroem patrimônios, que filhos fazem virar pó.

Pais um dia atentos se tornam relapsos ou por cansaço ou por escolherem seguir os seus próprios instintos.

Filhos dão as costas aos valores aprendidos na família, como se pudessem construir novos valores a partir de si mesmos.

Há filhos trapaceadores como seus pais.

Há padrões que se repetem, como na família dos descendentes de Naor. Abraão preferiu Isaque, em detrimento de Ismael. Isaque preferiu Esaú, em detrimento de Jacó, a quem, enganado, abençoou. Jacó preferiu José, e quase o viu morto por isto. José tentou alterar a bênção que Jacó lançou sobre Efraim, embora Manassés fosse o mais velho.

Há padrões que se repetem. Os irmãos de José planejaram matá-lo. O projeto não era novo na família. O tio deles,Esaú, intentou matar seu pai.

Sim, há padrões que se repetem, mas para que carregar a síndrome de padrões doentios para o resto da vida, geração após geração?

Há pessoas que condicionam sua felicidade ao ambiente em que vivem. José, e nisto ele é um modelo de vencedor a ser considerado, não o fez. O seu ambiente era de rivalidade, nutrida por preferências e rejeições.

Às vezes lamentamos nascer numa família pobre, mas olha como era a família de Jacó, rica, mas infeliz.

Você acha que o ambiente em que você vive é mais adverso que o de José?

José era feliz, apesar do seu pai, que mergulhou sua família na rivalidade. Assim mesmo, amou o seu pai e cuidou dele até a morte.

José era feliz, apesar de não ter mãe. Ele não fez da orfandade uma caverna para se esconder, uma desculpa para não amar, um trampolim para a fraqueza.

José era feliz, apesar dos seus irmãos. Ele tinha tudo para odiá-los e teve a oportunidade de pagar com a mesma moeda, mas retribuiu generosidade para todos.

José era feliz, apesar de ser detestado por seus irmãos, que odiaram a pessoa errada, pois José não tinha culpa de ser querido pelo seu pai; este, sim, deveria ser questionado.

José será feliz, apesar de sua família heterogênea, com idades,  gostos e religiosidades diferentes, tornando a comunicação bastante limitada.

José era feliz, apesar da sociedade em que vivia, marcada pela sexualidade desenfreada e pela violência desmedida, e foi feliz porque escolheu outro caminho, sem se deixar seduzir pela trilha da moda, pela escolha que alguns de seus filhos fizeram.

José era feliz, apesar de viver num ambiente em que os valores de Deus não eram buscados, como se alguém pudesse viver apenas de experiências espirituais do passado.

Olhamos para José como um vencedor, e ele o foi mesmo. No entanto, suas condições foram as mais adversas, como o são, por vezes, as nossas.

 

VENCENDO NOSSAS HERANÇAS

Desta história, da qual também participamos como personagens, escrevendo novas histórias, mesmo que jamais venham a ser contadas, aprendemos muito.

 

1. Aprendemos que espiritualidade, entendida como um relacionamento com Deus, não se transmite. Não há aqui nos bisnetos de Abraão, o pai da fé, uma espiritualidade capaz de ajudá-losa superar as adversidades. E fé que não resiste à adversidade não é fé. José aprendeu a bem-aventurança da adversidade, como se tivesse lido o que Tiago escreveu: Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma (Tiago 1.2-4).

 

2. Aprendemos que, se nos sentimos rejeitados por pai ou mãe ou irmão ou irmão em Cristo, é provável que não mudaremos os corações de quem nos pretere, mas podemos agir como José, que não venceu o mal com o mal (Romanos 12.21) e foi feliz, porque, diferentemente, do que parece, quem paga o mal com o mal se iguala ao mal. Na verdade, todo aquele que faz o mal, mesmo como resposta, odeia a luz e não se aproxima da luz, com medo de que as suas obras sejam manifestas (João 3.20).

 

3. Aprendemos que Deus anos abençoa em nossa família, não importa como ela é. Não importam as circunstâncias em que nascemos. Se o nosso berço foi esplêndido, saibamos que nele não poderemos ficar para sempre. Cada um de nós tem que fazer seu próprio caminho. Se o nosso berço foi de palha, não estamos condenados à pobreza, porque há um caminho a ser trilhado. O que importa se temos a convicção que Deus está conosco. Se temos esta certeza, vamos entender as palavras do apóstolo Paulo não como conformismo ou derrotismo, mas como alavanca para uma vida saudável: "pois aprendi a adaptar a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece"(Filipenses 4.11-13).

É isto que nos faz forte: a convicção que Deus está conosco. José recebeu aqueles sonhos como um sinal de que Deus estava com ele. Por isto, enfrentou as adversidades impostos por seus irmãos e por seus amigos no Egito como ações de Deus em seu favor e de sua família. Com Deus conosco, até as adversidades convergem para o nosso bem (Romanos 8.28). Não precisamos de condições ideais para uma vida ideal.

 

 

ACORDE

1. Faça um inventário pessoal,perguntando-se: "Em que sou igual ou diferente de José?". Em que minhas heranças são iguais ou diferentes do filho de Jacó? (AUTOCONHECIMENTO)

2. Confesse o seu pecado. Se cedeu áesposa de Potifar, confesse, com o desejo de não ceder mais. Se cedeu àautocomiseração, confesse. Se cedeu ao ódio, confesse. Admite sua dificuldade e peça perdão e orientação a Deus para mudar o que precisa ser mudado. (CONFISSÃO)

3. Ore especificamente sobre este assunto.Como disciplina, escreva uma oração apresentando a Deus a sua principal necessidade no caminho de ser José. (ORAÇÃO)

4. Medite sobre o assunto.Concentre-se na verdade bíblica: "Não permita que o mal vença em sua vida, mas vença o mal com a prática do bem" (Romanos 12.21 — A Mensagem). Viva este versículo. (REFLEXÃO)

5. Decida viver a dinâmica da transformação, para uma vida livre, sem o domínio da amargura, mas com o predomínio do amor (DECISÃO)

6. Empenhe-se para se para saber que o que vocêfaz com a sua vida vocêfaz a Deus ou o que o vocêfaz ao outro vocêfaz a Deus. Fique firme nesta concepção de fé.(ESFORÇO)

 

 

ENCONTRO 3

MOISÉS, UM HOMEM MOLDADO POR DEUS

 

 

PARA MEMORIZAR

"Moisés foi fiel como servo em toda a casa de Deus, dando testemunho do que haveria de ser dito no futuro, mas Cristo é fiel como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós, se é que nos apegamos firmemente à confiança e à esperança da qual nos gloriamos" (Hebreus 3.5-6)

 

PARA PENSAR

A partir do episódio em Mara, saiba que "a parte mais significativa de qualquer jornada não é o objetivo — o fim — mas, antes, o processo de chegar lá". [6]

 

PARA VIGIAR

NÃO permitirei que o fracasso de agora ou o sucesso do momento me deixe exatamente onde estou.

 

PARA ALCANÇAR

Já que "todos somos vasos de barro e todos estamos sendo moldados. E alguns são mais moldáveis que os outros", [7]eu estarei no grupo dos que se deixam moldar por Deus.

 

____________

 

A longa vida de Moisés (120 anos)[8]teve três períodos distintos, cada um com a mesma duração de 40 anos. Por isto, podemos concluir que ele "gastou seus primeiros 40 anos pensando que era alguém. Gastou seus segundos 40 anos apreendendo que não era ninguém. Gastou seus terceiros 40 anos descobrindo o que Deus faz com um ninguém".  (D.L. MOODY) [9]

 

 

 

UMA BOA HISTÓRIA COMEÇA CEDO

 

Moisés nasceu num contexto adverso. Ele era egípcio, mas suas origens eram hebreias.

Como egípcio, seu povo era milenar, com uma história de seis milênios e compunha a mais adiantada civilização da época, com realizações que os séculos seguintes não superariam, como a construção de pirâmides, a arquitetura de estátuas e a mumificação de corpos. Sua arte era riquíssima.

Como hebreu, seu povo era recente, chamando suas raízes a meio milênio, a partir do patriarca Abraão. Os netos e bisnetos do patriarca acabaram migrando para o Egito, vindos de Canaã, ao norte. Foram, num primeiro momento, favorecidos pelo bisneto José que obteve permissão para trazer a família do seu pai (cerca de 70 pessoas — conforme Êxodo 1.5). Quando Moisés nasceu, a situação política mudara e seus ancestrais deixaram de ser queridos. A situação demográfica também mudara, com os 70 se multiplicando para chegar a milhões.

Foi precisamente esta explosão populacional que trouxe uma tensão tal que nascer se tornou um crime. Esse era o método faraônico para reduzir a taxa de crescimento da população dos hebreus. O infanticídio era uma prática comum no mundo antigo. E Moisés nasceu. O Estado não honrou seus compromissos, mudando sua política ao sabor dos interesses e demonstrando que o futuro nunca está garantido.

Por três meses, e provavelmente já circuncidado, foi escondido pelos pais Anrão e Joquebede, do clã (tribo) de Levi, com a ajuda dos irmãos mais velhos, Miriã e Arão, que tinha três anos a mais que ele. [10]Colocado num barquinho preto, em forma de cesto, boiou pelo rio Nilo (ou talvez por um braço dele) até ser encontrado numa praia de águas escuras pelas empregadas da família real. "Este é o ponto preciso que a Bíblia tenta nos ensinar. Mesmo em meio à dificuldade, ao desespero e ao perigo", os pais de Moisés escolhem afirmar a vida. E o maior ato de afirmação da vida é levar mais vida a este mundo, porque se paramos de pensar sobre isto, em lugar de levar vida nova a este mundo, inevitavelmente acabaremos (…) levando morte ao mundo". [11]

A princesa se apegou ao bebezinho e decidiu adotá-lo. Esta princesa, que a tradição rabínica hebraica identifica com Bítia ou Bitia)[12], contratou, por sugestão de Miriã, a própria mãe biológica de Moisés (Joquebede), para ser sua ama-de-leite. Depois que ficou grande, a princesa mandou buscá-lo e lhe deu o nome, Moisés, comum entre os egípcios. Vivendo como membro (adotado) da família real, foi educado como um egípcio na capital (Avaris?). A literatura judaica informa que ele estava sendo preparado para ser o herdeiro do trono, servindo como um Faraó.

De qualquer modo, estamos diante de uma cena triste: "Moisés se tornou o filho de outra mulher com um conjunto de valores completamente diferentes. Um estranho. Um idólatra. Um estrangeiro". Suas duas mães representavam dois mundos: Joquebede (este era o seu nome) era monoteísta; Bitia (se este era o seu nome) era politeísta.

Nada mais sabemos de sua vida palaciana, exceto que foi brilhante nos seus estudos (Atos 7.22).

 

ESTRANGEIRO EM SUA TERRA, ESTRANGEIRO NA TERRA ESTRANHA

 

Quando ele completou 40 anos, decidiu voltar a Gósen, onde nascera e viviam seus familiares. Neste retorno, não há referência a seus familiares diretos, apenas aos hebreus em geral, milhões por esta época. Podemos, no entanto, supor que o filho adotado da princesa queria se reencontrar com sua mãe biológica. Adotado, deve ter se sentido derrotado até compreender que sua dação foi um ato de amor e sua adoção também. Só sua mãe poderia revelar este segredo. Encontrou-a? Estaria ela viva, com seus possíveis mais de 70 anos de idade?

É possivel que a volta às origens fosse algo latente no coração de Moisés. É possível que desejasse se reencontrar com o seu passado?

Não somos informados do que se passava em seu coração, mas podemos supor que não se sentia completamente egípcio, como o prova o partido que tomou na chegada ao território dos hebreus, para o que se pretendia ser apenas uma visita. Ele viu um egípcio espancando um hebreu. Forte (talvez treinado nas artes da guerra no palácio), defendeu o mais fraco com tanto vigor que matou o agressor. Diante do fato não previsto, enterrou o cadáver do egípcio. Talvez o episódio tenha facilitado sua decisão de renunciar à cidadania egípcia para ser hebreu. (Como lemos, "pela fé Moisés, já adulto, recusou ser chamado filho da filha do faraó, preferindo ser maltratado com o povo de Deus a desfrutar os prazeres do pecado durante algum tempo" – Hebreus 11.24-25). Ele fizera uma escolha e iria pagar por ela.

Querido no Egito, desconhecido em Gósen, seu crime foi denunciado. Se voltasse para casa, seria julgado, seja pela deserção, seja pelo homicídio. Restou-lhe o autoexílio. Para onde iria, se o Faraó, rejeitado por ele, era superpoderoso e sua nação a maior potência mundial?

Só o deserto lhe oferecia segurança e para lá Moisés rumou. O deserto ficava na região de Midiã (no hoje sul da Jordânia e noroeste da Arábia Saudita).

O menino nascido sob tensão e medo, o garoto afastado do convívio de sua família, o  adolescente vivendo longe de casa, o jovem educado para ser o que não queria, agora era um estrangeiro no deserto, onde não conhecia ninguém. Estrangeiro e desconhecido, mas não sozinho. Deus estava com ele, embora não o sentisse.

Termina aí seu primeiro período de 40 anos, um período de muitas mudanças, já que a mudança faz parte da natureza da vida, queiramos ou não.

Ele mudou de mãe, de família e de casa aos três meses de idade. Mudou para viver.

Ele mudou, aos 40 anos, do palácio da riqueza para a pobreza, de uma terra de pessoas livres para um imenso campo de refugiados escravos, embora devesse ser por um tempo. Mudou para se reconciliar com o seu passado e ficar firme com os seus valores. (Sim, o luxo carrega junto outros valores. Tê-lo implica em vender a alma aos seus valores.)

Ele mudou, ainda aos 40, da terra dos seus ancestrais e familiares para o deserto, no qual não tinha qualquer laço de parentesco. Mudou para sobreviver.

Em Midiã, foi acolhido como um pastor de animais, profissão que nunca exercera, que seus pais biológicos não conheciam, que seus urbanos pais adotivos nunca vivenciaram, que seus ancestrais praticavam séculos antes.

Ser pastor de ovelhas, cabras e carneiros era o que tinha para fazer. Aceitou o emprego. Assim, antes de ser chamado por Deus para tirar o povo do Egito, Moisés trabalhou 40 anos (ou 14.600 dias) para o estrangeiro Jetro, um Melquisedeque redivivo que mostra o universalismo da revelação e da graça, assim como ele repetia seu pai Jacó ao trabalhar para o sogro.

Nesses 40 anos, teve tempo para refletir sobre a sua vida. Deus busca os que refletem, os que fazem perguntas, os que querem mais.

Nesses 40 anos, deve ter pensado sobre a sua escolha: a de renunciar ao conforto do palácio e ao futuro certo.

Nesses 40 anos, deve ter refletido sobre a sua capacidade de reagir com violência às situações que o desagradam.

Nesses 40 anos, deve ter tirado a lição do homicídio: um pecado omitido continua sendo pecado; ah, se ele soubesse antes que a justiça não deve ser feita com as próprias mãos.

Nesses 40 anos, deve ter sentido saudade de sua terra (tanto a palaciana quanto a de seus pais) e mesmo sofrimento diante do sofrimento dos seus.

Nesses 40 anos, casou-se e teve dois filhos.

Nesses 40 anos, venceu como pastor de animais.

Nesses 40 anos, deve ter orado ao Deus de Abraão, Isaque, Jacó, José e Anrão.

Nesses 40 anos, deve ter-se perguntado se a sua vida terminava ali. 

 

TIRADO DAS ÁGUAS ONTEM, TIRADO DE DESERTO HOJE, PARA UMA MISSÃO

 

Foi no mundo do trabalho que Deus o encontrou, 40 anos depois. (Não é no mundo do trabalho que Deus nos encontra?)

Quando Deus o encontrou, Moisés tinha perdido o senso de missão.

Seu trabalho não só era umdeserto como era feito nodeserto. Ele não se encontrou no deserto, mas foi encontrado nele, não numa tempestade, como no caso de Jó (Jó 38.1), mas no meio de uma acácia, árvore até hoje comum na região e que nasce nos lugares mais desérticos.

O deserto preparou Moisés para ser encontrado. É que "no majestoso cenário do deserto, nossas mentes (…) são levadas para mais alto e aprendem a perceber a pequenez das vaidades que a tantos encantam. Ali aprendemos a nos relacionar com Deus não em segunda mão, como é comum na civilização humana, mas diretamente, enquanto ele nos dispensa o maná com sua própria mão e faz jorrar da rocha dura as correntes que satisfazem nossa sede. Perdemos o luxo que minava e consumia nossa natureza moral, para nos encontrarmos abraçados e fortalecidos em cada músculo pela privação e pela dificuldade. A paciência, a liberdade, a fé e o espírito peregrino, todas estas coisas são filhas da peregrinação no deserto". [13]

E Moisés foi encontrado. Ele "saiu da mente das pessoas por 40 anos e elas não sabiam o que tinha sido feito dele, mas Deus estava de olho nele. Ele era o melhor dos homens que Deus queria". Deus precisava dele. Deus poderia ter falado ao Faraó sem Moisés. Ele poderia ter falado numa voz de trovão e quebrantado o coração do Faraó com uma fala, se quisesse, mas preferiu tomar um agente humano. Ele poderia mandar Gabriel descer, mas sabia que Moisés era o homem acima de todos os outros, pelo que o chamou". [14]

Moisés não sabia quem era, mas o que importa é quem Deus é. "Quando os homens aprendem a lição que nada são e Deus é tudo, então não existe um lugar em que Deus não os possa usar', nem mesmo no deserto de uma vida sem sentido ou no turbilhão de uma vida marcada por descontroles. Deus usa homens para falar aos homens; ele trabalha através de mediadores. Ele poderia ter realizado o êxodo num relâmpago, mas, em lugar disto, escolheu enviar um pastor solitário e desprezado para levar a cabo seu propósito através da dor e da decepção. Este foi o caminho de Deus no Antigo Testamento e também no Novo. Ele enviou seu Filho na forma de carne pecaminosa para ser o mediador entre Deus e o homem". [15]

Deus sempre nos encontra, se permitirmos.

O encontro de Deus e Moisés não foi um monólogo, mas um diálogo.

Moisés não conhecia Deus o suficiente. Por isto, perguntou-lhe o nome.

Moisés tinha uma carreira certa, medíocre, diante do que poderia fazer, mas certa. Diante do tamanho da missão que Deus lhe tinha, era muito melhor ser empregado do sogro. No entanto, sua resistência não durou muito. A missão lhe ardeu, como ardia a acácia.

Moisés era tímido, ao ponto  de gaguejar nas horas mais tensas. Na verdade, ele se achava inferior. Suas palavras são bem reveladores: "Por favor, Senhor! Eu não sei falar bem. Nunca tive jeito com as palavras, nem antes nem depois de teres falado comigo. Eu gaguejo e sou inseguro para falar” (Êxodo 4.10). Quando lemos os discursos longos de Deuteronômio, notamos como Moisés venceu sua gagueira. Parece que ficou curado logo após as missões diante do Faraó, porque depois disto não usou mais Arão como porta-voz.

Moisés, preparado no palácio, tinha agora o palácio como um dos seus locais de trabalho. Ele conhecia as regras do cerimoniais. Ele conhecia os atalhos. As coisas não deviam ter mudado, porque naquele tempo as coisas mudavam devagar.

Moisés não estava preparado apenas intelectualmente. O encontro com Deus o preparou espiritualmente e disto a vara na mão era o símbolo. A vara de Moisés é também o símbolo que já temos nas mãos os recursos de que precisamos para realizar a nossa chamada.

E Moisés vai. Moisés é um homem chamado (como todos nós) e com a consciência de que é chamado (como poucos de nós).

E Moisés vai. Protótipo de vidas que mudam, ele muda de novo, aos 80 anos. Agora, no caminho inverso, ele marcha do campo para a cidade. Aos 80 anos, ele se torna um peregrino.

O peregrino enfrenta o Faraó, mas não o vence. Quem vence é Deus. O peregrino tem apenas uma vara. Sem a vara, é incompetente. Com a vara na mão, é um guerreiro invencível, embora não branda a vara. É Deus que convence e vence. Quando não convence, vence, porque faz o mar se abrir ao meio.

O Faraó deixa o povo ir. Deus não lhe deixa escolha. O Faraó não obedece; como muitas pessoas, cede.

O povo segue em direção à terra prometida, a mesma prometida e pisada por Abraão, mas abandonada, por causa da fome, pelos seus descendentes.

 

O HOMEM IMPERFEITO

 

Moisés não era perfeito. A biografia que a Bíblia lhe traça contém seus fracassos. Por isto, é chamado de homem, "o homem Moisés" (Êxodo 11.3).

Vejamos num mosaico, algumas das imperfeições mosaicas:

 

1. Moisés tinha um complexo de inferioridade.

Ele não tinha nenhuma razão para isso. Salvo da fúria insana do Faraó, tornou-se seu neto. No palácio, era bajulado, como são os ricos e os príncipes. Assim mesmo, ele se depreciava.

Ele se deixou moldar. Deus fez do tímido um líder, um líder corajoso.

 

2. Moisés tinha uma tendência a resolver seus problemas pela força.

Ele fez isto quando matou um inimigo. Ele fez isto também quando bateu na Rocha, embora instruído para lhe falar.

Ele se deixou moldar. Esta foi talvez a maior transformação ocorrida no seu caráter.

Talvez pelo poder que gozara no palácio real, qual menino mimado, não podia ser contrariado. No entanto, a Bíblia o apresenta como o homem mais manso (ou humilde e paciente — Números 12.3) da terra.

 

3. Moisés precisou aprender a colocar o trabalho no seu devido lugar.

Quando se tornou pai, priorizou a missão e se esqueceu de circuncidar um de seus filhos. Deus, no entanto, põe a família (e não ele mesmo) em primeiro lugar.

Ele se deixou moldar. Demorou a perceber. Deus teve que ameaçá-lo (com a perda da vida) para ele aprender (Êxodo 4.24-26). A doença o salvou.

Neste mesmo contexto de priorização do trabalho, ele se achava insubstituível e cuidava de tudo em Israel, até que Deus usasse seu sogro para o instruir a delegar (Êxodo 18).

 

4. Moisés teve que aprender a lidar com a crítica e a rebeldia.

Como líder, Moisés era um realizador. Talvez, no início, fosse um "trator", de olho mais nos resultados do que nas pessoas. Obviamente, enfrentou resistências e críticas, inclusive vindas de seus irmãos, que foram contra o seu (segundo) casamento com uma mulher de fora do povo (Números 12.1).

Às vezes, respondeu com indignação e rispidez (Êxodo 16.20). O temperamento de Moisés foi sendo controlado por Deus, porque naturalmente era explosivo. Deus o vinha ensinando. Quando o povo se levantou cheio de medo de morrer no deserto, Deus lhe orientou a que ignorasse (o medo faz parte da natureza humana) e mandasse o povo marchar (Êxodo 14.15).

Quando seus irmãos se rebelaram contra ele, Moisés nada fez. Deixou o assunto por conta de Deus. Quando Miriã ficou doente por causa de sua rebeldia, Moisés orou por ela (Números 12.13).

Moisés amava as pessoas. Ele gostava de pessoas e contava com elas. Quando, por exemplo, algumas pessoas começaram a se destacar, ele estimulou a que continuassem, em lugar de as deter (Número 11.29).

Moisés aprendeu a amar as pessoas.

 

Enfim, Moisés não era perfeito, mas procurava viver de modo santo.

O que ele pedia ao povo para fazer ele mesmo o fazia. Ele se considerava parte de um povo santo (Êxodo 33.16).

Humano, feriu a rocha quando devia apenas falar (Números 20.11). O temperamento falou mais alto. Ele pediu perdão por seu pecado. [16]

Mesmo magoado, aprendeu também a não retaliar. Ele dizia ao povo a como proceder; o povo fazia o que bem entendia. Assim mesmo Moisés intercedia pelo povo (Números 21.7).

 

COMPROMISSOS QUE MOISÉS NOS INSPIRA

 

Nem todos temos trabalhos de Moisés a realizar, mas podemos observar o seu  itinerário.

Na vida somos sempre líderes, nem que seja apenas de nós mesmos.

Moisés foi líder de si mesmo, para ser líder de um imenso povo.

 

1. Moisés era um homem de oração.

Afora os inúmeros diálogos diretos que Moisés travou com Deus, o Pentateuco reproduz integralmente nove orações que o líder do êxodo fez (Êxodo 15.6-17, Números 10.35-36 e Deuteronômio 3.24-25, 9.26-29, 21.8, 26.5-10, 26.13-15, 33.7 e 33.8-11).

Seu poder vinha da oração, nunca burocráticas, algumas sendo autênticos tour-de-force com Deus, como Jacó diante do Jaboque. Numa delas, diz que Deus lhe pode tirar a vida, se não pode fazer bem o seu trabalho de líder (Números 11.11-15). Quando ele levantava suas mãos (num gesto que demonstra ao mesmo tempo exaltação a Deus e dependência dele), as coisas corriam bem para o povo. Interceder era com Moisés (Êxodo 17.11; Números 21.7). Em outra pede a presença de Deus com ele, como condição para continuar seu ministério (Êxodo 33.15).

Pela oração, chegou ao topo. Estando no topo, não se recusou a descer para servir, antecipando a orientação que Jesus daria aos seus discipulos depois da Transfiguração no monte. A glória de Deus não é para consumo individual, mas para todos.

 

Então, como Moisés, mantenha-se em diálogo com Deus. (Este diálogo tem um nome: oração!)

 

2. Moisés tinha uma clara percepção de sua missão.

Desde quando foi encontrado na tranquilidade do deserto, Moisés foi colocado no lufa-lufa da obediência.

Uma pessoa de visão vê o que a maioria não vê.

Uma pessoa de visão sabe para onde está indo, embora alguns achem que anda em círculo.

Para realizar uma missão, uma pessoa precisa da consciência dela.

Não descobrimos uma missão; somos expostos a ela por Deus, que espera uma decisão.

Se queremos uma missão, devemos nos deixar ser encontrados no vazio do deserto.

Nosso alvo deve ser "trabalhar como parceiros de Deus no esforço de fazer o mundo um lugar melhor. E quando o fazemos, nossas faces irradiam a luz divina".

[17]

Como Moisés, seja parceiro de Deus. É na parceria que nossas vidas brilham, transbordando de qualidade.

 

3. Moisés aprendeu a lidar com a sua humanidade.

Moisés não tinha a competência necessária para o desempenho de sua missão. Ele se deixou capacitar por Deus, tanto no front interno quanto no externo.

Internamente, teve que lidar com suas fragilidades.

Teve que lidar com a sua timidez, que lhe trazia dificuldades de falar.

Teve que lidar com a sua solidão: em Midiã, ficou longe da família biológica e da família adotiva no palácio, e no Egito, de novo, ficou longe da esposa e dos filhos, que permaneceram em Midiã por muito tempo.

Teve que lidar com seus rancores, experiência que levou um rabino psicólogo a oferecer a seguinte sugestão: "Se nosso ódio não é enfrentado, ele nos destrói.Logo, o melhor que podemos fazer é nos lembrar de fazer o bem. Perdoamos os outros não somente pelo bem deles, mas também para o nosso. Odiar é autodestrutivo e desperdiça energia. Uma divorciada me disse: "Eu não odeio meu ex-marido. Se eu agisse assim, continuaria casada com ele". Ela deu adeus não apenas à casa que compartilhavam, mas também às fortes emoções que ele despertava nela". [18]

Teve que lidar com a tentação de ser vítima. Expulso de casa quando era bebê, não habitou em tendas mas nos palácios. Habitante dos desertos, fez deles palcos da glória de Deus. Atacado, olhava para sua missão, para não se ver como uma vítima.

Externamente, enfrentou seus desafios. Aceitou ajuda (um irmão como porta-voz, um sogro como conselheiro, uma esposa como profeta) e foi sendo moldado. Ninguém está plenamente preparado para sua missão, antes de começar a realizá-la. É no caminho, com suas demandas, que somos preparados.

 

Como Moisés, "saiba que você tem a capacidade de se transformar na imagem de Deus". [19]

 

4. Moisés era um homem fiel aos seus compromissos.

Moisés, porém, não teve dificuldades para atender o último desejo de José (Gênesis 50.25), que era levar seus ossos para Canaã e os enterrar em Siquém (Josué 24.32). Ao levar os ossos na longa peregrinação, Moisés reconhecia que  tinha agora mais do que apenas uma equipe a contar para conduzir o povo. De certo modo, a vara simbolizava o poder, enquanto os ossos de José, que eram transportados na arca, era a fonte de sua força espiritual.

Aqueles ossos eram a lição de vida, porque eram os ossos de um homem que aprendeu a perdoar. "Os ossos de José recordavam aos israelitas sobre a longa jornada adiante, em que todas as questões de família e todos os conflitos espoucariam. Tudo deveria ser resolvido pacificamente pela adoção das atitudes e da fé demonstradas por José. O perdão é o único caminho para a terra prometida. Ingerir a toxidade psíquica dos outros impede que uma pessoa de lidar com sua vida". [20]

Aqueles ossos eram um elo com o passado, demonstrando que Deus cumpre as suas promessas, mesmo que aparentemente tão tardiamente. Carregar os ossos era agradecer a Deus. A volta à terra prometida se tornou possível por causa daquele homem cujos ossos seguiam com o povo.

 

Seja fiel aos seus compromissos.Rompa só aqueles que Deus mesmo desfizer.

 

5. Moisés queria chegar a Canaã.

Moisés agiu para entrar em Canaã. Moisés orou para entrar em Canaã (Deutornômio 3.23-29). Deus lhe permitiu ver a terra, mas não entrar nela.

Devemos nos mover pelo mesmo desejo, com a diferença da certeza que entraremos.

Para todos nós, "Canaã não representa apenas o descanso que nos espera do outro lado da morte, onde o desgaste e a irritação da vida terão desaparecido, mas o descanso que pode ser experimentado aqui e agora, em que a alma é libertada da tirania do eu e da corrupção e frui a paz de Deus que ultrapassa toda a compreensão. A vida se torna uma abençoada sucessão de obediência confiante à vontade de Deus. Somos, então, satisfeitos com a abundante riqueza guardada para nós em Deus, que nos faz beber do rio de seu prazer. Esta é a santa terra da promessa, (…) que experimentamos quando seguimos a Arca através do rio da morte à vida centrada e seguida no solo da ressurreição". [21]

 

Como Moisés, não se contente com a vida que você leva.Canaã espera por você. Deseje chegar a Canaã

 

***

 

 

ACORDE

. Autocompreenda-se. Responda a seguinte pergunta: "Qual é o meu chamado?" Elabore uma resposta. Tenha-a diante de você, como se fosse um ímã de geladeira. Não importa se será compreendido pelos homens, desde que o seja por quem o chamou.

 

. Confesse que os seus temperamentos o controlam. Confesse que, por vezes, você tem vontade de desistir de lutar contra eles, como se tivesse perdido.

 

.  Ore, pedindo capacitação para vencer os inimigos internos e externos da sua vida. Ore com fé, que "só é possivel quando estamos sob o plano de Deus e permanecemos sob as promessas de Deus. É inútil orar para que a fé seja aumentada, se não cumprimos as condições da fé. É igualmente inútil gastar tempo em lamentos e lágrimas diante dos fracassos que são devidos à nossa incredulidade". [22]

 

. Reflita sobre as influências sobre a sua vida. As luzes do palácio do Faraó não seduziram Moisés. As estrelas do céu no deserto de Midiã não encantaram Moisés. E com você? Quem o influencia? Lembre-se que as vozes e as influências concorrentes se tornam menos sedutoras, se nos permitimos ser completamente receptivos à interação com Deus. Neste sentido, podemos nos ver a nós mesmos no Sinai. [23]

 

. Decida recusar o palácio, se morar nele é estar fora do projeto de Deus para a sua vida. Decida rejeitar o deserto, senão como casa provisória, onde é preparado para voltar ao cenário da vontade de Deus em ação.

 

. Esforce-se para olhar para sua vida como Deus a olha, em que cada período é  o ventre do próximo. É nisto que repousa a sua fidelidade a ele, como o percebeu o autor aos Hebreus (Hebreus 3.5-6).

 

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

 

 

ENCONTRO 4

DAVI, COM QUEM PODEMOS APRENDER A FAZER TRABALHO DE REI

 

PARA MEMORIZAR

"[Deus] escolheu o seu servo Davi

e o tirou do aprisco das ovelhas,

do pastoreio de ovelhas,

para ser o pastor de Jacó, seu povo,

de Israel, sua herança.

E de coração íntegro Davi os pastoreou;

com mãos experientes os conduziu".

(Salmo 78.70-72)

 

PARA PENSAR

"A escolha de Davi, pastor de ovelhas e, quando muito, mascote da família, para ser o ungido, para ser o símbolo e representante da presença atuante de Deus na vida e na história humana, traz consigo, certamente, a intenção de nos transmitir um sentido de inclusão de todos os homens e mulheres comuns, gente simples, aqueles que não se destacam ao olhar dos que os cercam, aqueles que não possuem proeminente posição social nem estirpe nobre. (…) A eleição para os propósitos de Deus não se baseia em capacidade comprovada ou promessa em potencial". [24]

 

PARA VIGIAR

Vigiarei para que a agenda do mal seja a minha.

 

NÃO ouvirei as vozes que me afastam do meu chamado (Salmo 1).

 

PARA ALCANÇAR

Desejo ter o coração de Davi. Meu maior prazer é viver na convicção de que Deus está ao meu lado. Quero saber, pela oração, a hora de lutar e a hora de esperar. Quando receber um, quero retribuir. Quando fizer um compromisso, quero cumprir. Quando pecar, quero ter a atitude arrependida dele.

 

***

 

 

Perto de mil vezes mencionado na Bíblia, Davi nasceu por volta do ano 1035 a.C., na cidade de Belém. Seu pai se chama Jessé, mas o nome da sua mãe não é mencionado nas Escrituras, conquanto o Talmud lhe chame de Nitzevet. [25]

Tornou-se o primeiro rei verdadeiro de Israel, porque o antecessor não governara sobre todas as 12 tribos. Ele, sim.

Sua biografia ocupa 60 capítulos no Antigo Testamento: metade de 1Samuel (capítulos 16 a 31); todo 2Samuel (capítulos 1 a 24); a abertura de 1Reis (capítulos 1 a 2) e um terço de 1Crônicas (capítulos 11 a 29).

É em Samuel (1Samuel 13.14) que encontra seu título mais notável, posto em destaque na boca de Paulo (Atos 13.22): um homem segundo o coração de Deus. Os Salmos expressam com força e beleza a força deste relacionamento.

No entanto, o tom não é laudatório, porque suas virtudes não anulam seus pecados, com cujas consequências arcou, embora perdoado. "Foi um pai infeliz, um marido infiel" e um guerreiro exagerado no derramamento de sangue. Sua "importância não reside em sua moralidade ou em suas proezas militares, mas, sim, em sua experiência e em seu testemunho para com Deus. Cada acontecimento em sua vida foi uma confrontação com Deus". [26]

Pouco sabemos sobre Jessé, exceto que descendia de Rute e Boaz e que tinha 9 filhos (sete homens e duas mulheres). Davi era o mais novo e, na divisão das tarefas domésticas, cabia-lhe apascentar o rebanho da família. Possivelmente em função desta profissão em que passava muito tempo sozinho tenha desenvolvidos suas habilidades artística, com harpista, compositor e poeta.

Quando Saul pôs seu reinado a perder, por infidelidade a Deus, o profeta Samuel foi encarregado de escolher outro rei. Ele foi até à casa de Jessé e, contra todas as expectativas, selecionou o mais novo. A unção foi restrita à família (1Samuel 16.13) e nunca chegou ao conhecimento do público. Possivelmente não foi levada a sério, uma vez que Davi era ainda um menino (talvez de 10 a 13 anos).

A habilidade de Davi como harpista o credenciaram a prestar serviço esporádico (1Samuel 17.15)  ainda adolescentes para a casa real. As dificuldades começaram quando o estro militar do rapaz aflorou. A primeira demonstração de sua coragem e competência foi sua vitória (quando em torno de 17 anos) sobre Golias (1Samuel 17), numa briga travada no vale de Elá, bem perto de Belém (8 km). Saul, que era alvo de seus serviços musicais, sequer sabia seu nome. Foi então que perguntou (1Samuel 17.58).

Trabalhando junto à família real, tornou-se amicíssimo do filho de Saul: Jônatas, que acabaria morrendo em combate. Essa amizade ajudou a incendiar o ciúme do rei, que prometeu a Davi uma de seus filhas mediante um dote-armadilha mortal (1Samuel 18.20-21). Davi cumpriu a sua parte se tornou genro do rei, que se tornou seu inimigo até o fim de seus dias.

Durante, pelo menos, dez anos, Saul tentou claramente matar Davi. Saul usou diferentes estratégias, desde sua nomeação como comandante (para ver se morria em batalha) ao confronto direto. Davi nunca revidou, vivendo como fugitivo. Ao mesmo tempo se fortalecia como comandante militar das tropas que fariam dele um rei.

Saul morreu em combate e Davi, finalmente, assumiu o controle da região sul (Judá), onde vivia, aos 30 anos de idade. Era o ano (provavelmente) 1000 a.C. A dinastia de Saul continuava como se nada tivesse acontecido (2Samuel 2.9-10). A partir de Hebron, governa Judá por sete anos e meio (2Samuel 2.11). Nesse período nascem-lhe sete filhos, de sete esposas diferentes. Três anos Davi se torna rei de todo Israel, ao conquistar Jerusalém, cidade que ampliaria, pelo que se chamaria pelo seu nome ("cidade de Davi"). Em 982, o reino está consolidado.

As frentes de guerra lhe trouxeram derrotas em casa. Seus filhos se rebelam. Seu coração o trai e ele trai suas esposas com Bate-Seba, matando-lhe o marido. Meses depois (980 a.C.), seu pecado é revelado. Advertido, acaba confessando.

Um novo pecado (o de promover o recenseamento geral, por autossuficiência) o abala, 16 anos depois (964 A.C.) mas Deus também o perdoa.

Estabelecido e, também, em paz com os vizinhos, Davi sonha em construir um templo em Jerusalém, mas Deus não aceita seu projeto, que ficará para o filho Salomão executar, escolhido por ele (961 a.C.), para o ser o novo rei.

Em 961 a.C., aproximadamente, ele morre, tendo entre 70 e 75 anos de idade. Foi enterrado na cidade que conquistou e reconstruiu. [27]

 

APRENDER PARA NÃO VIVER

Da história de Davi, o que aprender negativamente?

 

MEDO — Qual a maior virtude de Davi? É difícil escolher uma, mas certamente a coragem está entre elas. No entanto, há pelo menos um episódio em que fica claramente com medo (1 Samuel 21.10-15).

Enfraquecido diante da fúria persecutória de Saul, Davi fugiu para Gate, cidade filisteia governada por Aquis. O rei local reconheceu Davi como guerreiro poderoso. Em lugar de se valorizar, o filho de Jessé temeu que Aquis o enfrentasse e derrotasse.

Então, teve medo.

Na tentativa de se livrar, fingiu-se de louco. A estratégia deu certo. Em seguida, fugiu para outro lugar.

Aprendemos, com esta passagem, que o mundo é o que ele é e não o que gostaríamos que fosse. Por isto mesmo, Jesus, quando enviou seus apóstolos, deu-lhes esta (estranha) instrução: "Eu os estou enviando como ovelhas entre lobos. Portanto, sejam astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas" (Mateus 10:16). Davi tinha o dever de proteger a sua vida. O cuidado é não tornarmos a ética da exceção na ética da regra, legitimando-se todos os recursos em nome de uma propalada defesa da vida.

Esta mesma passagem, no entanto, nos adverte que a nossa força pode ser nossa fraqueza. O valente Davi teve medo.

Talvez devêssemos julgá-lo: ele não cantou nenhum salmo. Ele teve medo. Antes, devemos nos identificar com ele: há situações que nos põem medo. Por que não admiti-lo.

O que não podemos é fazer do medo a regra.

Se tivermos medo, devemos, no limite, agir como Davi; como ideal, devemos pedir a Deus que nos fortaleça.

 

VAIDADE — Entre os pecados de Davi, está também a vaidade. A irritação de Deus quando o rei mandou fazer um (aparentemente inocente) recenseamento o indica (2Samuel 24).

Qual o problema em promover um recenseamento? Nenhum.

Mas veja os números mencionados: são números de soldado.

O número era para mostrar o quão capaz era Davi em formar um exército. Aplauda-me, povo. Vocês têm um rei realmente genial. Ninguém me segura. Vaidade.

O número era para mostrar que Davi não precisava mais depender de Deus para vencer; dependeria do número dos seus soldados. Adeus orar para guerrear. O número garantia. Autossuficiência.

Veja também a objeção do seu assessor ao censo. Davi não ouve. Estou mandando.

A agenda de Deus não incluía um recenseamento, que estava na de Satanás, que tentou Davi, que caiu.

Foi tentado a contar e contou. Não consultou a Deus.

A seu favor, reconheçamos, Davi se arrependeu. Também por isto, é um homem segundo o coração de Deus. Não podemos não pecar, mas podemos nos arrepender.

Davi também aprendeu, e não fugiu, que o pecado tem consequências, mesmo quando confessado. Excepcionalmente, ao nos perdoar, Deus pode remover também as consequências, mas esta não é a regra geral. No caso, qual foi o castigo: o número de soldados foi reduzido. O orgulho era o número; o preço foi no número.

 

SENSUALIDADE — Davi não só pecou por vaidade. Na crise dos 50, cedeu feiamente também à tentação do sexo (2Samuel 11 e 12).

Talvez tenha pecado por vaidade, o ninho onde são chocados os outros pecados (podemos dizer, parafraseando de C.S. Lewis).

Davi tinha várias mulheres. Há anos vinha se satisfazendo sem limites. O pecado é inexaurível. Como o dinheiro, quanto mais tem, mais quer. A vida de Davi o preparou para o pecado. Davi relaxou. Davi não cuidou. Davi deixou a vida lhe levar. Ele era o rei. Seu desejo era rei. "Há 17 nos ele experimentava um sabor ininterrupto de prosperidade; em cada guerra vencida, uma grande oportunidade de crescer a bajulação dos seus súditos. Perigo à vista". [28]

Pode ser o contrário também. Pode ser que Davi, agora rei estabelecido, se imaginou acima do bem e do mal. Achou que o adultério só acontece com os fracos, não com ele. O  adultério é para os imorais contumazes, não para ele. Achava que não precisava vigiar, e não vigiou. Não vigiou seu desejo. Não vigiou sua conduta. Diante de Bate-Seba, desejou e fez.

Pode ser ainda que tenha pensado. Ela está me tentando. É dela a responsabilidade. Ele se esqueceu que não importa quem seduziu quem; importa quem pecou. Os dois pecaram.

Na verdade, "a moralidade sexual é o apogeu de uma série contínua de pensamentos, escolhas, decisões e ações". O que fazemos no campo da moral é o resultado cumulativo de tudo a que a expomos a nossa mente, sejam coisas boas ou más. Por isto, "Deus nos chama para ser puros não apenas no comportamento, mas em nossos corações, em nossas imaginações, em nossos desejos e paixões, em nosso eu interior". [29]

Precisamos saber que "nossa tarefa prioritária na vida cristã não é evitar o pecado, o que é impossível, mas reconhecê-lo. Sim, somos pecadores, mas há muito autoengano no pecado. E quando o nosso pecado está associado com as mentiras do Maligno, a tarefa de reconhecimento torna-se complicada". [30]

 

VOCAÇÃO — Davi desejou construir um templo para Deus, mas Deus não quis receber um templo das mãos de Davi. O texto bíblico explica assim o "não" de Deus ao próprio rei:

"Você matou muita gente e empreendeu muitas guerras. Por isso não construirá um templo em honra ao meu nome, pois derramou muito sangue na terra, diante de mim" (1Crônicas 22.8).

Se entendemos que Deus está reprovando a Davi, podemos entender que o pecado do guerreiro esteve nos excessos que cometeu, já que sua tarefa era unificar as tribos, que é coisa de guerra. Se é assim, precisamos estar prontos para pagar o salário do nosso pecado (no caso do rei, o excesso).

Embora isto seja verdade, é verdade também que a vocação de Davi não era a construção de um templo. Construir templo é coisa sagrada. Templo não é casa, não é edifício, não é auditório. Um templo é para ser construído com oração, além da mão de obra e dos materiais.

A vocação de Davi era outra. Ficaria conhecido por sua vocação política e militar. Não precisaria de novas missões.

Cada um de nós tem a sua vocação. Ninguém precisa invadir a seara alheia para fazer algo que agrade a Deus.

 

APRENDER PARA VIVER

 

Mas Davi é homem segundo o coração de Deus.

 

Somos também chamados para ser homens e mulheres segundo o coração de Deus.

A biografia de Davi nos mostra um pouco da sua intimidade, que fica desnudada nos salmos que escreveu.

A partir da Bíblia podemos radiografar o coração de Davi, para vermos o coração de Deus.

 

CONSCIÊNCIA DA PRESENÇA — Davi era um homem que tinha a consciência da presença de Deus. Ele sabia que, se estivesse no palácio que construíra ou num refúgio de uma caverna, Deus estava com ele. Ainda que andasse pelo vale da sombra da morte, onde tantas vezes trafegou, Deus estava ao seu lado (Salmo 23.4).

Durante a noite, Deus era como uma lua que o acompanhava na jornada. Durante o dia, mesmo sedento no calor das pedras do deserto, Deus era a fonte de água que o satisfazia.

 

Se quisesse fugir, não tinha para onde. Mesmo que fugisse, Deus ia junto, para o proteger. Coisa de pastor.

Davi tinha sempre o Senhor Deus diante dele, como cantou:

 

"Bendirei o Senhor, que me aconselha;

na escura noite o meu coração me ensina!

Sempre tenho o Senhor diante de mim.

Com ele à minha direita, não serei abalado".

(Salmos 16.7-8)

 

Portanto, "tudo o que Davi conhece de Deus são experiências que viveu — de ingresso, abraço, reconhecimento em si mesmo". Para ele, Deus "não é uma doutrina", porque "e uma pessoa que o tem conduzido e cuidado dele. Deus não é uma abstração longínqua, que o distancia da vida real, mas uma presença íntima que confirma sua vida diária como a própria matéria-prima de sua salvação". [31]

 

COMUNHÃO PELA ORAÇÃO — O guerreiro Davi era um homem de oração. Suas biografias bíblicas transcrevem nove destas orações.

Antes de começar uma guerra, ele consultava a Deus se devia ir (1Samuel 23.2; 23.10-12; 30.8 e 5.19).

Quando precisou escolher a cidade a partir da qual governaria Judá, orou (2Samuel 2.1).

Quando já estava consolidado no poder, orou (2Samuel 7.18-29). Quando pecava, orava (2Samuel 24.10 e 17).

Quando estava em perigo, orava (2Samuel 15.31).

Quando estava feliz, orava (2Samuel 22.3b, 26-30, 36-37, 40-44, 49-50).

Os Salmos, que são em grande parte sua biografia, estão cheios destas orações.

Quando estava com medo, orava (Salmos 3, 7, 12, 59, 140, 142).

Quando se sentia injustiçado, orava (Salmos 4, 13, 17, 26, 109).

Quando recebia algo de Deus, orava (Salmos 9, 18 34 65, 124).

Quando via a maldade prosperar, orava (Salmos 10, 37, 52, 58).

Quando estava aflito, orava (Salmos 22, 54, 56, 57, 60, 69, 86).

Quando pecava, orava (Salmos 32, 51, 39, 101, 139).

Quando estava desanimado, orava (Salmos 63, 143).

Quando estava feliz, orava (Salmos 40, 103, 108, 122, 144, 145).

 

A unidade e a coerência desta "maravilhosa variedade" de Salmos vem da ideia fixa de Davi de que Deus pode ajudá-lo. "Davi é um homem de fé e um homem de oração". [32]

 

CONFIANÇA PARA ESPERAR — Embora não o soubesse, Davi, ungido rei na adolescência, estava sendo preparado por Deus (como Moisés o foi para ser libertador) para ser rei. Depois da unção, nenhuma palavra lhe é dita. Ninguém lhe disse para esperar. Não há nenhuma oração dele sobre isto. Ele apenas faz o seu trabalho. Ele esperou sua hora.

Também esperamos. Esperamos a resposta de um pedido que fazemos. Esperamos uma promoção no trabalho. Esperamos um projeto se realizar. Esperamos o resultado de um exame. Esperamos a volta de Jesus. Esperamos. Continuamos esperando, mesmo quando não vemos as coisas acontecerem na direção desejada. Mesmo quando estamos na caverna de Adulão. Davi esperou com paciência porque se submeteu a Deus.

 

CAPACIDADE DE OUVIR — Davi era um homem que ouvia.

Ele ouviu Samuel, que o buscava  para o ungir, ainda menino (1Samuel 16). Possivelmente não entendeu, mas escutou, escutou com palavra de Deus para o seu coração. Davi era um homem segundo o coração de Deus porque lhe importava obedecer  (Salmo 19.11)

Ele ouviu Abigail como embaixadora de Deus para o desviar do mal (1Samuel 25). Graças a ela, agenda da crueldade do outro não se tornou a sua; se tornasse, ele seria igual a quem condenava. A experiência de Davi nos lembrar que "há uma enormidade de tolos no mundo e somos frequentemente provocados por eles. Ms não demora muito para que, ao tentarmos corrigi-los, acabemos caindo na mesma tolice que estávamos determinados a rejeitar". [33]  A agenda do mal acaba se tornando a nossa. Davi era um homem segundo o coração porque não dava ouvidos aos conselhos de malfeitores (Salmo 1). Podemos ser como Abigal, suave intercessora.

Ele ouviu Natã, quando o profeta foi lhe confrontar o pecado com Bate-Seba. Embora seja verdade que tenha demorado em admitir seu pecado — ele adulterou em abril (2Samuel 11.1) e se arrependeu em dezembro — (2Samuel 11.27) e resistido à advertência do profeta, arrependeu-se amargamente:

 

"Lava-me de toda a minha culpa

e purifica- me do meu pecado.

Pois eu mesmo reconheço as minhas transgressões,

e o meu pecado sempre me persegue.

Contra ti, só contra ti, pequei

e fiz o que tu reprovas,

de modo que justa é a tua sentença

e tens razão em condenar-me".

(Salmo 51.2-4)

 

A confissão humana e o perdão divino, neste caso, mostram que "o pecado é sombrio, perigoso e danoso, mas não pode paralisar o amor de Deus; ele não pode mudar o amor que não é de ontem, mas da própria eternidade. A única coisa que pode realmente ferir a alma é manter esta confissão confinada dentro de si mesmo". [34]

Afinal, nosso pecado, por maior que seja, é ridiculamente pequeno diante da graça de Deus, quando nos pomos diante dele para recebê-la.

 

A vida de Davi tem um antes e um depois da sua confissão. Mais tarde, quando pecou, ao proceder um recenseamento vaidoso, não precisou a confrontação do profeta Gade. Antes de ele chegar, confessou. Seus termos são inspiradores, em oração diante de Deus:  “Não fui eu que ordenei contar o povo? Fui eu que pequei e fiz o mal.Estes não passam de ovelhas. O que eles fizeram? Ó Senhor meu Deus, que o teu castigo caia sobre mim e sobre a minha família, mas não sobre o teu povo!” (1 Crônicas 21.17).

Davi sabia que era o responsável pelo censo, contra o conselho de sua assessoria. Assim mesmo poderia se esquivar e transferir responsabilidades. Ele sabia que era o mentor do crime; confessou-o.

 

FIDELIDADE ATÉ DEPOIS DA MORTE — Durante, pelo menos, dez anos, Davi foi alvo da perseguição contumaz e covarde do rei Saul. No entanto, Davi lhe foi inteiramente fiel. Nunca conspirou. Nunca levantou a mão contra seu perseguidor, mesmo correndo risco de morte.

Enquanto serviu ao rei, Davi lhe foi fiel, mesmo perseguido. Ele cumpria seus deveres. Sua atitude é um paradigma para todos os trabalhadores, injustiçados ou valorizados. Davi nos ensina que "o fiel cumprimento das tarefas comuns da vida diária é o melhor preparo para qualquer grande demanda que repentinamente nos possa aparecer". [35] Davi é um mestre na arte de sobreviver no emprego.

Depois que foi forçado a deixar a casa do rei, Saul lhe foi fiel. Perseguido com um cão (1Samuel 24.14) por causa da inveja (1Samuel 18.9), Saul ainda era o ungido de Deus (2Samuel 1.14). Assim o tratou até que morresse.

Ele tratou bem ao seu amigo Jônatas mesmo depois de morto. Jurou-lhe fidelidade. Jurou que seria leal para com seus descendentes, caso morresse. Ele morreu. Quarenta anos depois, Davi procura por um descendente do amigo (Mefibosete) e passa a sustentá-lo (2Samuel 9) e mesmo a defender sua vida (2Samuel 21.7)

O cuidado da descendência de Jônatas não contemplava os interesses de Davi, já que a família de Saul continuava inimiga. Assim mesmo, a palavra dada ao amigo foi honrada para sempre.

 

GRATIDÃO COMO ESTILO DE VIDA — Além dos salmos de gratidão a Deus, Davi demonstrava gratidão para com os homens, coisa de quem era segundo o coração de Deus.

Entre os episódios, há o de Barzilai. Em tempos de dificuldades, este fazendeiro rico o protegeu, alimentando a ele e seu bando errante (2Samuel 17.27-29). Quando Davi se consolidou no poder, com a ajuda de homens com Barzilai, ficou grato. Como expressão concreta, convidou-o a ir com ele para a capital. Barzilai declinou. Davi insistiu e acabou levando um amigo do antigo protetor (2Samuel 19.31-40). Entre as instruções que deu a Salomão, na posse deste no comando do país, Davi pediu que fosse generoso com os filhos de Barzilai (1Reis 2.7), embora o rapaz já devesse ter aprendido em casa a ser grato.

Em Davi, a gratidão era um estilo de vida. Pode ser o da nossa também. E ela pode nos sobreviver, alcancando nossos descendentes. Gratidão se ensina, porque gratidão se aprende.

 

ACORDE

. Autocompreenda-se. Como você se sente na vida:

. fazendo um trabalho sem sentido ou fazendo um "trabalho de rei", [36] pelo sentido que dá ao que faz?

. desvalorizado?

. assolado com o seu próprio pecado, como se ele fosse maior que a graça?

. abraçando a indiferença ou mesmo o rancor com relação ao próximo (talvez até dentro de casa)?

. sem coragem para enfrentar os gigantes que passaram a aterrorisá-lo?

. sem confiança que Deus está ao seu lado, mesmo no deserto?

 

. Confesse que as seus circunstâncias o controlam. Confesse que, por vezes, você tem vontade de desistir de lutar contra Saul.

 

.  Ore, pedindo coragem espiritual e coragem emocional para olhar para Jerusalém, mesmo que esteja en En-gedi. Ore pedindo coragem espiritual e coragem emocional para  que o mal não diminua você.

 

. Reflita sobre as virtudes de Davi, como apresentadas na Bíblia. Em que elas o ajudam a ter a mente de Jesus. Leia as bem-aventuranças (Mateus 5.1-11). Leia os salmos; faça de alguns deles a sua própria oração, como este:

 

"Bendirei o Senhor, que me aconselha;

na escura noite o meu coração me ensina!

Sempre tenho o Senhor diante de mim.

Com ele à minha direita, não serei abalado.

Por isso o meu coração se alegra e no íntimo exulto;

mesmo o meu corpo repousará tranqüilo,

porque tu não me abandonarás no sepulcro,

nem permitirás que o teu santo sofra decomposição.

Tu me farás conhecer a vereda da vida,

a alegria plena da tua presença, eterno prazer à tua direita".

(Salmo 16.7-11)

 

. Decida ser uma pessoa segundo o coração de Deus, sabendo que o chamado a Davi é um chamado para todos nós.

 

. Esforce-se para não permitir que a agenda do mal nao seja a sua. Esforce-se para ser uma embaixadora da paz como Abigail. Esforce-se para alimentar Davi, nada esperando em troca, como Barzilai. Esforce-se para se manter fiel aos seus compromissos. Esforce-se para manter vivo o ensino bíblico de que onde abundar o pecado, superabundará a graça (Romanos 5.20).

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

 

 

ENCONTRO 5

JEREMIAS OU O SUCESSO INVISÍVEL

 

PARA MEMORIZAR

"Eu sei, ó Senhor, que não é do homem o seu caminho,

nem do homem que caminha, o dirigir os seus passos".

(Jeremias 10.23 — ARC)

 

PARA PENSAR

"A coisa mais importante não é o sucesso; é a fidelidade.

Jeremias pregou ao mesmo povo durante 40 anos e poucos creram nele ou obedeceram sua mensagem. Ele teve poucos amigos que permaneceram com ele e o animaram. A nação que ele tentou livrar da ruína abandonou o seu Deus afundou no desastre. (…) Jeremias pode ter pensado que fracassou, mas Deus o viu como servo fiel e é que realmente conta".  [37]

 

PARA VIGIAR

Tomarei cuidado para não ser ranzinza.

 

NÃO me abaterei diante do aparente fracasso do meu estilo de vida, se, de fato, me for inspirado por Deus.

 

PARA ALCANÇAR

Consciente do meu chamado, quero ser fiel a ele. Sei que pgarei um preço, mas peço a Deus que me sustente ao pagá-lo.

___________

 

Nosso modo de (vi)ver caminha pelas seguintes rodovias.

A coisa mais importante da vida é o sucesso.

Se for grande e rápido, chegamos ao ponto ideal.

Aprovados pelas pessoas, nós, então, nos consideramos aprovados.

Logo, a pior coisa da vida é o fracasso.

Se ele nos flagrar várias vezes aos olhos de todos, será como viver na lama de um poço profundo.

Reprovadas pelas pessoas, o que nos resta?

Sempre foi assim. O que muda é a quantidade das pessoas envolvidas e a velocidade das coisas trazidas.

Como classificaríamos uma pessoa que durante 40 anos pregou ao seu povo? Nesse tempo, quase ninguém creu nele. Para contar os amigos, não precisava de todos os dedos de uma de suas mãos. Foi desmoralizado e esbofeteado em público. Foi preso. Foi exilado. Morreu esquecido.

Sabemos de sua história pelos livros, que talvez os seus contemporâneos não tenham lido.

O paradoxo é que Jeremias, o profeta que viveu 26 séculos antes de nós, estava com a razão.

 

UM HOMEM TRISTE

 

O profeta Jeremias viveu no momento mais difícil da história de Israel.

Houve tempos igualmente difíceis, mas todos terminaram bem, como a perseguição egípcia aos hebreus,  que terminou em derrota para eles; a conquista sangrenta da terra prometida, que acabou realizada; a morte do sacerdote Eli, que foi esquecida com o ministério fiel de Samuel; o desvario do rei Saul, que encerrou uma dinastia mas possibilitou o surgimento de outra, encabeçada pelo rei-modelo Davi; a baalização da política, da cultura e da religião com Acabe, que, com sua humilhação diante de Elias, se tornou o cenário para o povo escolher a quem servir; a divisão de Israel em duas nações rivais, porque de uma delas viria o Messias.

No entanto, o que dizer de Jeremias, que amealhou derrota sobre derrota e morreu sem uma linha sequer de elogio?

O fim de Israel não passava de uma crônica anunciada, embora os israelitas ainda se achasse seguro. Afinal, Deus morava no seu santo templo em Jerusalém…

Do norte, de onde, a partir de Nínive (hoje Mosul, no Iraque, e perto de 1.000 km ao nordeste de Jerusalém), a Assíria dominava, não chegavam notícias boas. Jeremias ainda não era nascido.

Em 722, os assírios, invadiram Israel do norte, tomaram a capital (Samaria) e dispersaram a população.

Marchar sobre Jerusalém, a capital de Israel do sul, era uma questão de tempo. Chegando, as tropas da Assíria humilharam o rei Ezequias, que teve de lhes pagar pesados tributos, uma condição que duraria muitas décadas.

A Assíria, contudo, desistiu de tomar a cidade. 701 não era ainda o ano. Jeremias ainda não era nascido. [38]

Aos poucos, também, como ocorrera antes com o poderoso Egito, a Assíria foi perdendo força, substituída por um novo império, a Babilônia, nome também da capital, distante 450 km de Jerusalém. Israel estava na mira da Babilônia. Mais uma vez, a dominação era uma questão de tempo.

Nesse clima, em 627, Jeremias nasceu, na cidade Anatote, localizada a 5 km de Jerusalém, ainda o orgulho de Israel do sul (Judá). Seu pai, Hilquias, era um sacerdote na cidade da família, onde dirigia os sacrifícios, espalhada antes da proibição imposta pela reforma religiosa de Josias (em 622), que os centralizou no templo de Jerusalém. Jeremias estava, então, com cinco anos de idade.

A reforma religiosa de Josias, morto em combate, perdera seus efeitos. O caos não foi apenas religioso. Seu filho, Jeoacaz, foi aclamado rei, embora fosse o terceiro na sucessão, e ficou apenas três meses, deposto pelo Egito, forte ainda na Síria e na Palestina. Em seu lugar, assumiu o irmão mais velho, Jeoaquim, em 609.

A realidade era que "o grande experimento de Josias chegara ao fim. O mapa do Oriente Médio estava mudando. O Império Assírio estava nos últimos estágios do seu declínio e a Babilônia estava em ascensão. Em 610, o faraó Psamético morrera, sendo sucedido por Neco III, que, no ano seguinte, marchou pela Palestina para pedir ajuda ao acuado rei assírio. Josias interceptou o exército egípcio em Megido e foi morto no primeiro encontro. Nenhuma de suas reformas lhe sobreviveu. O drama da independência política fora sepultado. Judá era agora uma peça inexpressiva na luta entre o Egito e o novo império babilônico, que ameaçava a sua sobrevivência". [39] Tudo agora eram lágrimas.

Era preciso que alguém criasse uma nova visão a partir da experiência da dor, da perda e da humilhação. [40]

Nesse contexto, em 609, estando com 18 anos de idade, Jeremias foi chamado por Deus para pregar. Resistiu, como Moisés e Amós, mas, como Moisés e Amós, aceitou.

Começava seu prazer em ser a boca de Deus, prazer do dever cumprido com fidelidade; começa também seu sofrimento, porque o povo e seus líderes queriam que Deus lhes mandasse uma mensagem mais palatável. Eles não queriam conhecer a vontade de Deus, porque queriam ganhar uma "caixinha de promessas", para abrir quando precisassem.

A própria vida da nação era um sofrimento. Jeremias pregava. Uma de suas primeiras mensagens foi o memorável sermão do templo (Jeremias 7.1-12 e 26.7-24), ainda no ano 609, no qual fazia um duro ataque à religião, que tinha se torna idólatra ao ponto de as pessoas adorarem à "Rainha dos Céus". Foi proibido de pregar e ameaçado de morte.

Depois de quatro anos (605), a Babilônia derrotou o Egito em Carquêmis, valendo a coroa a Nabucodonosor. Pouco depois, ele marchou sobre onde hoje é faixa de Gaza e aplicou sua política arrasadora. Jerusalém estava a um pulo.

Proibido de entrar no templo, Jeremias chamou Baruque e lhe ditou alguns sermões. Era mais um esforço para ser ouvido, na esperança de que o povo se arrependesse (Jeremias  36.7). Como o próprio rei Jeoaquim queimou o rolo, o profeta ditou outro.

Enquanto isto, as ameaças da Babilônia se avolumavam. Jeremias passou a insistir que o melhor para todos seria a rendição. Mais uma vez, foi rechaçado. A história seguia seu curso, na direção contrária aos profetas oficiais e à crença do povo.

Em dezembro de 598, o exército babilônico avançou contra Jerusalém e a cercou. "A fúria do ataque babilônico a Jerusalém, Judá e todo o Levante foi mais destruidora que a ferocidade assíria. O país entrou na idade das trevas, num dos mais miseráveis períodos de toda a história. Jerusalém e seu templo se tornaram uma desoladora ruína". [41]

Para piorar as coisas, além da guerra prenunciada, houve uma tremenda seca. [42] Em meio à desolação, Deus lhe pede para não se casar e nem participar de casamentos e funerais. O profeta experimenta um tempo de desânimo, deixando estes momentos registrados no livro que leva seu nome. [43]

O próprio Jeremias recorda e lamenta como ficou a cidade:

 

"Como está deserta a cidade, antes tão cheia de gente!

Como se parece com uma viúva, a que antes era grandiosa entre as nações!

A que era a princesa das províncias agora tornou-se uma escrava.

Os que foram mortos à espada estão melhor do que os que morreram de fome,

os quais, tendo sido torturados pela fome, definham pela falta de produção das lavouras.

Com as próprias mãos, mulheres bondosas cozinharam seus próprios filhos,

que se tornaram sua comida quando o meu povo foi destruído".

(Lamentações 4.1, 9-10 — NVI)

 

Quando a desolação final (a queima do templo) aconteceu, Jeremias estava detido no palácio do governo, em Jerusalém, podendo circular com relativa liberdade. Foi, então, solto, com a possibilidade ir para a Babilônia, se quisesse. Ele preferiu ficar. Depois, seguiu (nao se sabe se forçado ou voluntariamente) com um grupo de rebeldes que foge para o Egito.

 

Do que lhe acontece depois não fica registro. Ficam apenas alguns sermões que pregou em Tafnes, no delta do Nilo.

 

EM BUSCA DO CORAÇÃO DE JEREMIAS

 

Jeremias foi um homem que, "com uma intensidade de amor e simpatia, viveu sentiu e sofreu em sua mensagem. As cordas do seu coração vibravam a cada nota, fosse maior ou menor. O homem e sua mensagem eram uma coisa só". [44]

Ele revela "ter um coração tão autenticamente semelhante como o de Jesus", demonstrado em seu sofrimento empático com Deus e os homens, na paciência que não se vinga, na esperançosa preocupação com seus patriotas, na motivação honesta, na humildade, com sua disposição para o autossacrifício e com sua eloquente fidelidade, mesmo tendo que ser duro em sua denúncia".  [45]

Talvez Jeremias não tenha sabido que, na vida, o mais importante não é o sucesso, mas a fidelidade (como escreveu W.W. Wiersbe [46]).

Mas é isto que nos ensina.

Quem de nós aprendeu?

Se queremos um coração amoroso para com os homens e fiel para com Deus, podemos olhar para Jeremias.

Eis algumas lições que aprendemos de sua vida e mensagem:

 

1. Reconheçamos as influências sobre as nossas vidas.

Jeremias era um homem do seu tempo, pelos vestígios que vemos em seus sermões e pelas decisões que tomou na vida.

Criado num ambiente sacerdotal, diante da função do pai (o sacerdote Hilquias), certamente isto lhe marcou, tornando-o familiar com a tradição do seu povo. Sua cidade era muito próxima de Jerusalém, a sede religiosa e política da nação.

Estudioso, tinha conhecimento dos ensinos dos patriarcas e dos profetas que lhe antecederam.

Assim, foi foi influenciado por Oseias, quando usa a metáfora de Israel como noiva ou esposa de Deus. Ele cita Amós, Oseias e Isaías. Ele sa as narrativas da criação e dos patriarcas em Gênesis. Menciona Moisés e Samuel. Ele retoma a rica tradição do seu povo.

Ele também influencia. Ezequiel usa a sua ideia de comer o rolo. [47] Isaías se inspira na experiência pessoal de Jeremias [48] para criar a figura do servo sofredor. O poeta do livro de Jó toma metáforas de Jeremias. [49] Jesus mesmo se identifica com Jeremias. Vem do profeta sua referência ao templo como "covil de salteadores". [50]

Todos somos pessoas do nosso tempo. Não temos como negar o nosso tempo. Somos influenciados pelo que lemos, ouvimos e vemos. Nosso tempo nos influencia; só não pode nos fazer dar as costas para Deus.

Reconhecendo estas influências, podemos celebrar as boas e tentar rejeitar as ruins.

Na expressão brasileira, Jeremias nadou contra a maré. Todos diziam que Deus libertaria Judá. Contra todos, Jeremias disse que não não libertaria Judá.

Se for preciso, eis o que devemos fazer.

Todos bebiam, mas o recabitas não tocavam em vinho, embora muito tentados. [51]

Precisamos ter a coragem de nos abster do espírito da época, e não apenas no campo da moralidade.

Como nos lembrou Francis Schaeffer, "Jeremias nos serve como um amplo estudo de nossa própria era, em que o homem se afastou de Deus e a sociedade se tornou pós-cristã". [52]

É precisa que nos lembremos que Deus não necessita de você ou do nosso sistema religioso ou de nossas ideias sobre política ou adoracao. "Deus não necessita de nada deste mundo". Seu caminho é outro: "Deus está constantemente considerando novas possibilidades, propondo novos padrões quando os velhos faliram, trazendo vida nova quando só há morte. Abra seus ouvidos e escute Deus. Sacuda o pó dos caminhos do passado. Você não precisa depender de nada deste mundo, nada senão de Deus; grave uma coisa apenas: a permanência do propósito e da promessa de Deus para o seu povo".  [53]

 

2. Busquemos intimidade com Deus.

Como Jeremias enfrentou tudo e se manteve firme como Jó?

A resposta é um lugar-comum. Jeremias orava. Na verdade, podemos traçar um perfil de Jeremias por suas orações, já que 15 delas são transcritas integralmente, em meio aos seus sermões [54] e poemas em Jeremias e Lamentações. [55]

. Em suas orações, Jeremias reconhece que pode orar a Deus porque é grande ("Não há nenhum deus igual ao Senhor! O Senhor é grande e o seu nome é cheio de poder). [56]

. Deus não é um amuleto, mas uma pessoa real. Logo, precisamos chamar Deus para a rotina, para a rotina de uma consulta médica, para a disciplina metódica dos estudos numa escola, para a sequência dos dias de trabalho, para a previsível leitura de um livro, para a alegria banal de uma festa de aniversário, para a tranquilidade de uma viagem de férias. [57]

. Jeremias sabe que a disciplina de Deus vem. No entanto, lhe pede que não pegue pesado, porque, se o fizer, nada vai sobrar. Jeremias sabe que Deus se ira. Jesus veio ao mundo porque Deus se ira. Jesus morreu na cruz porque Deus se ira. Na cruz, a ira de Deus, uma expressão do seu amor, foi satisfeita pela graça, outra manifestação do seu amor. Assim, para aqueles que aceitaram a graça do sacrifício de Jesus na cruz não há mais ira de Deus. [58]

. Diante do que não entende, Jeremias questiona ("Justo és tu, Jeová, quando eu pleitear contigo; contudo, pleitearei a causa contigo" [59]). Não há problema em perguntar. O problema é quando a pergunta nos fecha para a resposta e nos deixa cegos para ver Deus em ação.

. Achamos justa a disciplina quando vem para os outros. Quando ela chega para nós, achamos que o braço de Deus foi menos longo, como se sua longanimidade pudesse ser curta. Queremos mais uma chance e ele nos dá, mais de uma. [60]

No entanto, chega um tempo em que ele grita: Basta! É o tempo da disciplina. A disciplina de Deus é agora a nossa última chance. [61]

Nosso sofrimento pode vir por várias fontes. O de Jeremias veio de sua fidelidade a Deus.

A oração nos ajuda a entender o que Deus está fazendo conosco. [62]

. Deus que se importa com as coisas humanas e intervém. Podemos até perguntar por seus critérios para a intervenção, mas as páginas bíblicas não nos possibilitam questionar a existência do Deus único ali revelado. [63]

. A confiança em Deus não ser abalada. Justamente ao contrário, a oração é uma confirmação desta confiança. [64]

. Aprendemos que precisamos ser honestos em nossas orações. Se formos sinceros com as pessoas (sobretudo as que ocupam funções hierárquicas superiores à nossa), pode ser que não nos compreendam e até nos punam. Deus sempre nos compreende e podemos abrir os nossos corações diante dele. [65]

. Jeremias ora, mesmo decepcionado com Deus. Sua vontade era uma. Como a de Deus era outra, ele se submeteu. O resultado, no entanto, foi o sofrimento. Jesus ora. [66]

. Jeremias está pronto para obedecer, mesmo que a ordem de Deus lhe pareça estranha. No caso específico, para mostrar o futuro de Judá, Deus lhe manda comprar um terreno na cidade, que já escuta o som da marcha dos soldados caldeus avançando sobre ela. [67]

 

Essas orações nos mostram que devemos orar e nos são uma escola. Não poemos dar as costas para Deus, na alegria ou na aflição. É por isto que "o propósito maior de toda a Bíblia e, certamente, do livro de Jeremias, para nós, é nos levar a nos tornar íntimos de Deus por nós mesmos, entrar em nosso próprio diálogo com Deus. A grande reclamação em Jeremias 2 é o que o povo tinha dado as costas para Deus. Assim nós também somos chamados a voltar nosso rosto para Deus, para entrar em diálogo com Deus, a nos envolver com Deus, a permitir que Deus nos mostra como somos responsáveis por nossa vida diária". [68]

 

3. Chamados, não resistamos.

Jeremias não era um sacerdote propriamente, embora seu pai o fosse. Ele era um profeta.

O povo nao precisava de um consolador, mas de um profeta. Alguém que dissesse ao povo o que precisava ouvir, nao o que queria. Era esse foi o seu chamado. Responder ao chamado de Deus é dizer "amém" ao que Deus faz.  [69]

Ele  "estava convencido que sua missão era anunciar ao seu povo que o juízo de Deus sobre a deslealdade deles, um juízo manifesto basicamente através da invasão e derrota para o exército babilônio. Uma vez que o exército babilônio invadiria e Judá cairia, Jeremias se sentia totalmente responsável por elaborar uma teologia adequada para o desastre que sobreviria ao povo. E uma vez que não estava disponível nenhuma teologia alternativa tão adequada quanto a de Jeremias, foi sua visão que ajudou a formar a ideia do povo durante esses terríveis anos de derrota e humilhação e também no meio século posterior à sua morte quando o povo foi forçado a repensar seu destino daí para a frente".[70]

Ele viveu a sua chamada.

Nem todos somos chamados para ser profetas, mas somos chamados todos para ser íntegros, o tempo todo.

Além do chamado à integridade, podemos ser chamados para ser a voz ou a mão de Deus num determinado contexto.

 

4. Sejamos realistas.

O conflito de Jeremias com os judaítas era basicamente a recusa deles em ver a realidade. Jeremias via as coisas como elas sao e queria que o povo fosse igualmente realista. Seus contemporâneos preferiam fechar os olhos. Então, diante deles, "seu nome tornou-se um sinônimo de pessimismo exagerado". No entanto, "Jeremias não estava sendo 'negativo'. Ele estava correto. Sua fidelidade dolorida e corajosa expressava um dos princípios essenciais" daquela época e de todos os tempos: "as coisas são como realmente são". [71]

A realidade não era boa (Jerusalém iria cair, com todas as consequências disto), mas era a realidade.

Jeremias aplicou a hermenêutica do mundo para si mesmo. Em lugar de negar seu sofrimento, Jeremias apresentou-se ao povo como um homem triste, abrindo seu coração para ouvir o terror, a raiva e a miséria de sua época. Ele queria que vissem seu interior. "A negação não é uma opção; na verdade, ela impede a visão". [72]

Devemos ver as coisas como elas são. Ser realista não é ser pessimista.

Lidemos com a dor, aceitando-a, se for real.

 

5. Reformulemos nossa teologia.

Todos temos uma teologia, mas nem sempre temos uma boa teologia. Nós precisamos de uma boa teologia.

Uma boa teologia nos ajuda a compreender o mundo. Toda boa teologia é uma teologia da história, ao pôr ordem no que parece não ter ordem alguma. Enquanto as pessoas viam o fim das promessas de Deus para Israel, Jeremias via na desgraça um ponto de partida para a graça, começando com o arrependimento do povo.

Uma boa teologia nos dá esperança. Jeremias tinha uma boa teologia, que lhe ajudou a atravessar a desesperança dos seus dias. Uma boa teologia olha para Cristo: sua vida, sua morte, sua ressurreição, sua ascensão, sua volta, enfim, seu senhorio, mesmo que o faraó Neco grite ou que Nabudonosor ponha um anzol no nariz dos governantes e do povo. A boa teologia sempre nos leva a um coração confidente, ao pormos nossa confiança na Palavra de Deus, uma vez "a fé vem pelo ouvir e ouvir a palavra de Deus". [73]

Uma boa teologia nos envolve no processo de mudanças, fazendo-nos pensar como o mundo deve ser e como agir para que ele seja o que sonhamos (Deus e nós).

A este propósito, somos lembrados que, na reforma de Jesus, os chamados deuteronomistas, "pioneiros na ideia de uma ortodoxia bíblica, usaram os textos que tinham herdado para introduzir mudanças fundamentais". O problema é que geralmente "as pessoas usam a Bíblia para se opor as mudanças e conservar o passado". [74]

Para ser boa, a teologia precisa ser bíblica.

Para ser boa, a teologia precisa estar em diálogo com as ciências, sem serviência (sob elas) e sem onisciência (sobre elas).

Para ser boa, a teologia precisa ser criativa, indo além da repetição, para incluir a inovação e, se for o caso, a radicalidade.

Para ser boa, a teologia precisa ser feita com o coração. Uma boa teologia não é árida, porque é feita também com o coração. "Jeremias era um profeta do coração. Ele não se contentava em apresentar uma mensagem tratada de forma superficial; ele queria penetrar no interior da pessoa e ver o seu coração mudado. Com firmeza, disse ao povo que os dias próximos lhes fariam lembrar da arca ou sentir a necessidade dela. De fato, chegariam os dias quando seriam parte de uma nova aliança que deveria ser escrita no coração, não em tábuas de pedra. Esta era uma religião radical, mas a mensagem de Deus era a mesma". [75]

Para ser boa, a teologia precisa ser feita com oração. Se a teologia é feita como resposta a um chamado, quem chama tem o mesmo desejo. Teologia não pode ser apenas coisa humana, embora jamais seja apenas divina.

 

***

 

ACORDE

Autoconheça-se. Veja você como você é. Veja as pessoas como elas são. Veja o mundo como ele é. Devemos ver as coisas como elas realmente são. O otimismo é uma ilusão; o pessimismo, também.

 

Confesse. Quando pecamos, sentindo ou não o seu peso, "não basta que oremos e busquemos sua ajuda. Todas as pessoas em dificuldade fazem assim. Precisamos nos arrepender de nossos pecados, julgá-los e confessá-los e sinceramente buscar a face de Deus. Chorar por causa dos sofrimentos do pecado faz com que demonstremos remorso mas não arrependimento". A lição de Jeremias está resumida em Joel 2.13 ("Rasguem o coração, e não as vestes") e no Salmo 51.17 ("Os sacrifícios que agradam a Deus

são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás".  [76]

 

Ore para que Deus lhe dê confiança, quando seu coração está seco, para que Deus o regue como um jardim. Ore quando você está com raiva da injustiça (pessoal ou social), para não ser consumido diante. Ore quando estiver tomado por sentimentos que não trazem alegria. Ore para que Deus lhe dê o espírito de discernimento e não ser levado pelas ondas do otimismo ou do pessimismo.

 

Reflita sobre a sua integridade. Você tem coragem de dizer que está limpo hoje do seu pecado? Fique longe do pecado conhecido hoje. Ore amanhã do mesmo modo.

 

Decida ser fiel a Deus.

 

Esforce por agir de um modo que a palavra de Deus seja a primeira (no tempo e no valor) que você ouve.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ARMSTRONG, Karen. The great transformation. London: Atlantic, 2006.

HOLLADAY, William L. Jeremiah. Minneapolis: Fortress, 1990.

SHULTZ, John. Commentary to the Book of Jeremiah. Edição eletrônica.

WIERSBE, Warren. Be decisive (Jeremiah). Coloroado Springs: David Cook, 1990.

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

 

 

ENCONTRO 6

DANIEL: EM QUE ELE É MODELO?

 

PARA MEMORIZAR

"Os ministros e governadores se reuniram para ver se descobriam algum ponto fraco de Daniel que pudessem usar contra ele, mas não conseguiram nada. Ele era exemplar e absolutamente confiável. Não conseguiram achar nenhuma evidência de negligência ou má conduta. Após inúmeras tentativas, desistiram e disseram:“Nunca vamos descobrir nada contra esse Daniel".

(Daniel 6.4-5 — A MENSAGEM)

 

PARA PENSAR

"Daniel tinha pesquisado e estudado, mas agora orava. A súplica deve vir sempre como consequência da meditação". [77]

 

PARA VIGIAR

NÃO cederei, a menos que (como gritou Lutero) seja convencido pelas Escrituras.

 

PARA ALCANÇAR

Quero viver de um modo que o mundo me aprove, não porque faça o que lhe agrada, mas por fazer o que agrada a Deus.

 

 

AS PROVAS DE UM HOMEM APROVADO

 

Naquele sábado Daniel também foi ao templo, com seus pais. [78]

Os meninos mas nem todos tinham o interesse dele. Queriam apenas brincar. Ele gostava de brincar também, mas prestava atenção.

Seus pais estavam preocupados. Quando iam ao templo prestar seus sacrifícios, voltavam animados, sobretudo depois que ouviam que o Senhor Deus os abandonaria. A arca, no Santo dos Santos, era a garantia de uma presença que ninguém pode derrotar.

No fundo, ficava a dúvida. Os comentários nas ruas não eram para deixar animado quem fosse bem informado.

Durante um bom tempo, o reino de Judá (o remanescente de Israel, já que o norte tinha sido desmantelado pelos assírios. Os assírios ameaçaram Judá, mas quem dava as cartas era a Babilônia. O Egito tentava se equilibrar, mas o rei Josias ainda acreditava que a Assíria lhe daria o apoio que precisava.

Em Jerusalém, um profeta enxergava longe. Era Jeremias, que pregava andando pelo pátio do ainda majestoso templo, para quem quisesse ouvir, que a Babilônia regeria o mundo.

Naquele sábado do ano 610 a.C. em que Daniel estava no templo, ele pregou para quem teve ouvidos para escutar ((Jeremias 7.3-16):

 

"Não confiem nas palavras enganosas dos que dizem: ‘Este é o templo do Senhor, o templo do Senhor, o templo do Senhor!

Mas se vocês realmente corrigirem a sua conduta e as suas ações, e se, de fato, tratarem uns aos outros com justiça, se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva e não derramarem sangue inocente neste lugar, e se vocês não seguirem outros deuses para a sua própria ruína, então eu os farei habitar neste lugar, na terra que dei aos seus antepassados desde a antiguidade e para sempre.

Mas vejam! Vocês confiam em palavras enganosas e inúteis.

Eu farei a este templo que leva o meu nome, no qual vocês confiam, o lugar de adoração que dei a vocês e aos seus antepassados, o mesmo que fiz a Siló. Expulsarei vocês da minha presença, como fiz com todos os seus compatriotas, o povo de Efraim".

 

Daniel sabia o que acontecera a Siló: o antigo lugar de adoração virou um monte pedras. Daniel conhecia o destino de Efraim, o reino do norte de Israel, que desapareceu.

Só mesmo a oração poderia reverter o destino do sul. Por isto, ele ficou ainda mais assustado quando Jeremias contou que Deus lhe proibiu de interceder pelo povo porque não seria ouvido: "não ore por este povo nem faça súplicas ou pedidos em favor dele, nem interceda por ele junto a mim, pois eu não o ouvirei"

Naquela noite, foi difícil dormir.

E Jeremias estava com a razão.

 

O PRIMEIRO TESTE: AS RAÍZES SÃO DEIXADAS PARA TRÁS

 

Quatro anos depois (605), o rei da Babilônia, Nabucodonosor, tendo vencido os egípcios em Carquemis, marchou contra Jerusalém e cercou inapelavelmente a cidade. Jeoaquim não pôde fazer nada. Os profetas que circulavam pelo palácio real e pelo templo ainda insistiram no velho discurso que a realidade peremptoriamente negava. Parte dos sagrados utensílios do templo foi levada, [79] para serem usados nas festas dedicadas aos deuses dos novos donos do poder.

A família de Daniel tentou preservá-lo, mas ninguém foi preservado. Entre 605, em diferentes viagens, Nabucodonosor mandou levar de Jerusalém "para o exílio todos os líderes e os homens de combate, todos os artesãos e artífices. Era um total de dez mil pessoas; só ficaram os mais pobres" (2 Reis 24.14).

Os novos dirigentes, ajudados pelos títeres de Judá, colaboraram na seleção dos melhores, os mais fortes, os mais inteligentes, os mais hábeis, os de mais futuro, os que poderiam ajudar a a Babilônia a dominar o mundo. As vagas para a viagem estavam destinadas a "jovens sem defeito físico, de boa aparência, cultos, inteligentes, que dominassem os vários campos do conhecimento e fossem capacitados para servir no palácio do rei" (Daniel 1.4).

Entre os aprovados na seleção estava Daniel (cujo nome significa "Jeová é meu juiz"), com 15 anos de idade. Ele e alguns dos seus amigos, três dos quais se tornaram como que irmãos: Hananias ("Jeová é bom"), Misael ("Quem é como Jeová"?) e Azarias ("Jeová ajuda"). Eles deixaram Jerusalém em agosto de 605.

Na cidade da Babilônia, com seus 27 km de muros de até 28 metros de altura e portões feitos de bronze, foram instalados numa escola de tempo integral, para uma educação radical. Talvez tenham sido emasculados, para servirem como eunucos (2Reis 20.18). Receberiam novos nomes. Teriam que aprender o caldeu, a língua da nova pátria. Seriam instruídos na cultura nacional. Teriam que mudar seus hábitos alimentares, para se tornar mais fortes e prontos.

Eles aceitaram seus novos nomes, todos pagãos: Beltessazar ("Bel proteja o rei"), Mesaque ("Eu sou de pouco valor"), Sadraque ("Tenho medo de deus") e Abedenego ("Servo do deus Nabu"). Aprenderam a língua e a literatura dos babilônios.

O problema era a alimentação. Não se trava de capricho. Daniel ouvira Jeremias advertir o povo contra a adoração à Rainha dos Céus ("Os filhos ajuntam a lenha, os pais acendem o fogo, e as mulheres preparam a massa e fazem bolos para a Rainha dos Céus. Além disso, derramam ofertas a outros deuses para provocarem a minha ira" — Jeremias 7.18).

Aquilo lhe marcou e não queria para si a ira de Deus. Embora não tenhamos informações a este respeito, Daniel entendeu (ou melhor: sabia) que os alimentos e as bebidas eram antes dedicadas aos ídolos, entre as quais a Rainha dos Céus. Preferiu se abster. Ele também não queria que sua saúde dependesse da dieta proposta por homens, mas antes da dependência de Deus.

A formação durou três anos, ao fim dos quais, certamente mediante uma prova, foram considerados aptos para servir na administração pública da Babilônia. Neste sentido, Moisés, versado na cultura egípcia, foi seu modelo.

 

O SEGUNDO TESTE: O PROFANO NÃO É SAGRADO

 

O primeiro trabalho foi desafiador. Aconteceu no ano 603.

O destemperado Nabucodosor teve um sonho e exigiu que seus assessores não só o interpretassem mas que o narrassem sem lhes contar, já que ficara tão perturbado que nao se lembrava bem do que sonhara. Eles falharam. Daniel não estava no grupo, mas pertencia a classe dos assessores reais. Era ainda muito jovem.

Nos seus 18 anos, tomou uma decisão surpreendente: decidiu interpretar o sonho, mas ele não conhecia nem o conteúdo nem a interpretação. Primeiro aceitou a tarefa, para ver como resolveria. A solução foi pedir aos seus três amigos que, juntamente com ele, orassem a Deus. Assim, ele só interpretou o sonho depois de um período intenso de oração. Sua interpretação foi, portanto, fruto de uma revelação divina. Ao fazê-lo, José, mestre na interpretação de sonhos, foi seu modelo.

O rei ficou satisfeito e intentou cumprir sua ameaça de eliminar fisicamente os assessores incompetentes. Como fez Jó com seus amigos, Daniel intercedeu por seus colegas de profissão.

Ganhou um posto elevado na administração pública, geralmente dado a pessoas mais experientes. Ele pulou etapas. Ele pulou etapas com a oração. Não orou para pular etapas, mas a oração fez com que as pulasse.

Subiu na carreira, mas não esqueceu os amigos Sadraque, Mesaque e Abedenego.

 

INTERLÚDIO PARA OS AMIGOS: UM TESTEMUNHO

 

Em sua carreira, foi testemunha de uma perseguição movida contra seus três amigos, sem nada poder fazer. Foi quando, em 595, seguindo a cartilha dos déspotas, Nabucodonosor seguia a cartilha dos déspotas mandou fazer uma estátua gigantesca (lembram-se da estátua de Saddam Hussein?), folheada a ouro, em homenagem a si mesmo.

O sucesso de quatro estrangeiros incomodava. Além disso esses estrangeiros continuavam firmes em sua fé, que lhes vedava adorar a outros deuses ou a qualquer representação deles. Tiveram chance de negar a sua fé, mas permaneceram nela apesar da ameaça de morte numa fornalha incandescente.

O  próprio rei pôde testemunhar que, lançados os três, no fogo havia um quarto homem, que não parecia humano. Não teve como não reconhecer o poder do Deus desses homens e não promovê-los na carreira.

 

O TERCEIRO TESTE: O REI SONHA, O SÁBIO SOFRE

 

Daniel continuou o seu trabalho, o mesmo devendo ter ocorrido com os três amigos, embora nada mais saibamos a respeito deles.

Desde sua promoção, aos 18 anos, uma longa folha de serviços foi prestada ao governo. Estava seguindo a orientação de Jeremias, de que deveria desenvolver normalmente a vida no país. Ele estava ali pela vontade permissiva de Deus.

Jerusalém já foram destruída. O templo já fora queimado. Ali agora era o seu lugar. Sua missão era na Babilônia.

Agora, 30 anos depois, sua fé estava para ser novamente testada. E não seria pela última vez.

Foi quando o rei sonhou de novo.

De novo, Daniel foi chamado.

A interpretação era terrível, terrível mas verdadeira: o rei sofreria de uma doença psíquico-somático, que o levaria a viver como um animal de patas e pelos. Aconteceu, por volta do ano 570. Oito anos depois, o rei morreu, após 43 anos no poder. Daniel continuou sua trajetória.

Seus descendentes não se firmaram no poder. O filho, Evil-Merodaque (2Reis 25.26; Jeremais 52.31) foi assassinado dois anos após sua ascensão. O assassino foi seu cunhado Neriglassar (Jeremias 39.3) que assumiu o governo, mas morreu quatro anos depois. Seu filho era uma criança com problemas mentais que foi espancado até a morte pelo grupo de Nabônido, que passou a chefiar o governo, até ser substituído por Belsazar,  seu filho mais velho. Daniel continuou sua trajetória.

 

O QUARTO TESTE: CORAGEM PARA DIZER A VERDADE QUANDO TODOS COMEMORAM

 

Como seu antecessor ("pai", cf. Daniel 5.11), teve seu futuro revelado por Deus, mas o conteúdo era enigmático. Foi quando sua mãe, a rainha Nitocris, sabendo dos dons de Daniel, mandou chamá-lo para a interpretação.

Tudo aconteceu num banquete, com bebidas e comidas servidas com os utensílios do templo de Jerusalém. Daniel disse que as escrita no céu indicava que seria morto por causa de seu orgulho, o que ocorreu na mesma noite. Era o dia 9 de outubro de 539, data em que o persa Ciro II conquistou a cidade e o reino. Daniel tinha 82 anos de idade e se tornou o segundo no governo: o primeiro era Nabônido, que desertara diante da ameaça dos persas, e o segundo era Belsazar, que se achava seguro dada a imaginada inexpugnabilidade da sua capital.

No dia 29 de outubro de 539, Ciro encarregou seu general Dario (também chamado de Gobrias), de 62 anos de idade (Daniel 5.31), para governar o novo reino conquistado.

Por essa época, Daniel começou a compreender que o tempo da volta dos judeus de Jerusalém estava próximo, cumpridos os 70 anos (Jeremias 25.11). O profeta pede perdão a Deus pelo pecado do seu povo). Ele jejua por esta causa. Sua oração é respondida na hora (Daniel 9).

 

O QUINTO TESTE: A INVEJA PERSEGUE OS BONS

 

Mudaram os governos, mas o império da intriga, movida a inveja, permaneceu.

Agora, a história se repete. Seus rivais procuram motivos para acusar Daniel, mas "não puderam achar nele falta alguma, pois ele era fiel; não era desonesto nem negligente" (Daniel 6.4). Informaram, então, ao rei que o judeu não lhe era fiel, por adorar outro Deus que não o próprio monarca.

Acusado, não negou; foi lançado numa cova de leões, para ser morto. Deus, no entanto, fechou a boca das feras e Daniel, agora com 83 anos de idade aproximadamente, sobreviveu.

Enquanto viveu, foi fiel. Final de sua vida, profetizou sobre o futuro do seu país, da terra que o recebera e da humanidade.

Em 535, por permissão de Ciro, o grande imperador do reino persa, os judeus começaram a voltar para Jerusalém. Tinham-se passado 70 anos desde a deportação de Daniel.

 

DANIEL, MODELO DE VIDA

 

Entre as marcas do jeito de ser Daniel, algumas podemos sublinhas, entre tantas:

 

1. Daniel foi um homem firme em seus princípios.

Daniel e seus três amigos ficaram firmes nos seus princípios e Nabucodonosor conheceu o fruto desta fidelidade (Daniel 2.10).

Daniel ficou firme, corajosamente interpretando o sonho de Nabucodonosor, e o rei o honrou e louvou a Deus (Daniel 2.46-47).

Os três amigos de Daniel ficaram firmes diante da ameaça e Nabucodonosor glorificou a Deus depois que ficaram livres do fogo (Daniel 3.38-20).

Daniel ficou firme e contou a Nabucodonosor a verdade e o rei se humilhou, glorificando a Deus (Daniel 4.34-37).

Daniel ficou firme ao contar a Belsazar a verdade e foi honrado pelo rei (Daniel 5.29). [80]

Daniel ficou firme diante de Dario e Ciro e Deus fez com que prosperasse (Daniel 6.28).

Daniel foi firme ao se prostra, humildemente pedindo perdão para si e seu povo, que foi restituído a sua terra (Daniel 9.24).

 

Ficar firme nos propósitos tem um preço. Daniel o pagou, várias vezes. Correu risco de perder a vida, mas não perdeu Deus de vista.

Um cristão firme de princípios não permite que o tempo dite os sues valores. Seus valores têm uma fonte: essa fonte é o próprio Deus, por meio da palavra que nos deixou.

 

2. Daniel era um homem com uma teologia da história.

Quando olhamos para o horizonte da humanidade, precisamos de uma teologia da história.

Quando nossas vidas vão bem, precisamos de uma teologia da história.

Quando enfrentamos dificuldades na vida pessoal e familiar, precisamos de uma teologia da história.

Quando foi deportado, Daniel levou no coração a mensagem de Jeremias: Deus estava no comando. Os reis achavam que comandavam, mas o comandante-general era Deus; ele fazia a história convergir para os sues propósitos. A deportação era humilhante, como foi humilhante ser jogado num poço, ser vendido, ser esquecido, como aconteceu com José, que sabia (quando aprendeu?) que até mesmo a maldade dos seus irmãos, a crueldade da mulher de Potifar ou o descaso de um amigo se desenrolavam sob os olhares de Deus e, no fim, seriam capítulos de sua vontade.

Em nossa família, uma criança fica doente. Não sabemos o que acontecerá com ela: se morrerá ou sobreviverá, mas sabemos que Deus está no controle.

Jesus enfrentou a cruz porque tinha uma teologia da história: ele estava nas mãos de Deus; sua missão era a missão de Deus. Paulo enfrentou os açoites e mesmo a rejeição interna, porque olhava para Jesus e o via exaltado pelo Pai (Filipenses 2.5-11).

Só enfrentamos a perseguição e a doença com a certeza confiante que Deus faz todas (inclusive as ruins) convergir para o bem. É por isto que Isaías registra suas hipérboles: "Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas" (Isaías 45.7).

Daniel não chora a condição do exílio; ele vence na condição do exílio. Ele sabia que o império de plantão era apenas isto: um império de plantão.

 

3. Daniel era um homem que dialogava com o seu tempo.

Se pudesse escolher, Daniel escolheria viver em Jerusalém. Nem sempre o ideal acontece. Enquanto buscamos mudar a realidade, temos que ser criticamente felizes nela.

Daniel não escolheu viveu na Babilônia, mas, reconhecendo que vivia na Babilônia, buscou a paz daquela cidade, como José visou o bem do Egito.

Daniel não era um alienado. Até quando orava era como se um dos seus olhos estivesse aberto.

Os governantes se sucederam mas Daniel, durante 70  anos de sua vida conhecida, permaneceu em seus postos. Certamente procurava se informar sobre a política, mutante, como em todos os tempos; sanguinária, com em todos os tempos. Certamente buscava se superar em sua profissão, desde a interpretação de sonhos até o exercício de outras funções públicas. A primeira requeria comunhão com Deus. A segunda requeria comunhão com Deus. A primeira era dom. A segunda era habilidade que precisava ser aprimorada.

 

4. Daniel foi um homem aprovado.

Daniel foi aprovado pelos homens. Até seus rivais provaram de sua aprovação. Buscavam mas nada encontravam que o desabonasse.

Certa vez, um pastor bastante conhecido me disse que se candidataria a um posto eletivo parlamentar no Brasil. Eu lhe disse:

— Vão vasculhar a sua vida por inteiro em busca de falhas.

— Não me importo: minha vida é um livro aberto. Nada tenho a esconder.

Ele tinha. Não foi aprovado.

Daniel foi aprovado por Deus. Quando jejuou e orou, com sinceridade, pedindo perdão, Deus viu o seu coração e, antes que a oração terminasse, a resposta positiva foi decretada.

Ao longo da vida, somos testados pelos homens, somos testados por Satanás, somos testados por Deus. Nossos vizinhos e colegas nos provam. Deus nos abençoe a não decepcioná-los. Satanás nos testa oferecendo facilidades que nos lançam na lama. Deus nos fortaleça para nos desenvencilharmos das armadilhas de Satanás. Deus nos testa para nos ajudar a ver como podemos falhar.

Daniel e seus amigos se recusaram a se alimentar segundo a dieta obrigatória da nova terra. Eles tinham outros valores. Foi arriscado. Deu certo.

 

5. Daniel era um homem que confiava em Deus.

Daniel confiava que Deus o abençoaria quando decidiu não seguir a dieta do rei; ele confiava que Deus faria com que tivesse saúde, mesmo com uma alimentação pior. Ele confiava que o homem não vive apenas de pão, como ensinaria Jesus.

Daniel confiava que, diante do desafio de um sonho enigmático, que Deus lhe revelaria o sentido, não só lhe preservaria a sua vida, como resultaria em glória para Deus por parte daqueles que criam em deuses de bronze.

Daniel confiava que, embora leões famintos sejam invencíveis, continuaria vivo mesmo jogado às feras, porque Deus era capaz de fechar a boca dos animais selvagens para não lhe fazer mal.

Daniel confiava que, lançados numa fornalha fumegante, seus amigos não seriam tostados. O modo como seus companheiros confiavam era o de Daniel, testemunha nesta história. Eis o que os amigos declararam ao seu contrafeito algoz: "Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das tuas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos teus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer” (Daniel 3.17-18). Quem confia em Deus não exige nada de Deus; apenas confia.

Neste cenário de confiança, enquanto as chamas crepitavam, um quarto homem passeava por entre as brasas e a fumaça. Ele também não se queimou.

 

***

 

ACORDE

Autoconheça-se. Você é íntegro como Daniel?

 

Confesse. Confesse seus pecados, como Daniel, que orava assim: "Tu fizeste tudo certo, Senhor, mas tudo que temos a apresentar é culpa e vergonha, todos nós". (Daniel 9.7 — A MENSAGEM)

 

Ore como Daniel, que explicou sua caminhada, com as seguintes palavras: "Recorri ao Senhor Deus, em busca de uma resposta, orava com dedicação e sinceridade, jejuava, vestia pano de saco e me ajoelhava nas cinzas. Derramei meu coração e abri minha alma para o Eterno, meu Deus" (Daniel 9.3 — A MENSAGEM)

 

Reflita sobre a sua humildade, como Daniel, que ao alcançar uma ggrande vitória, deu a Deus todo o crédito: "Quanto a mim, esse mistério não me foi revelado porque eu tenha mais sabedoria do que os outros homens, mas para que tu, ó rei, saibas a interpretação e entendas o que passou pela tua mente" (Daniel 2.30).

 

Decida obedecer a Deus, não aos homens.

 

Esforce para ser disciplinado na oração, como Daniel, que, "quando soube que o decreto [idolátrico] tinha sido publicado, foi para casa, para o seu quarto, no andar de cima, onde as janelas davam para Jerusalém e ali fez o que costumava fazer: três vezes por dia ele se ajoelhava e orava, agradecendo ao seu Deus" (Daniel 6.10).

 

***

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

GUZIK, David. Daniel: verse by verse commentary. Santa Barbora, CAL: edição do autor, 2012.

STENDAL, Russell. Daniel. Sun Prairie, WIS: edição do autor, 2012.

SHULTZ, John. Commentary to Daniel. [S.l.:] LLC, 2003

WHITCOMB, John C. The book of Daniel. Chicago: Moody,  1985.

 

 

 

ENCONTRO 7

MARIA TAMBÉM AMOU ATÉ O FIM

 

PARA MEMORIZAR

"Então disse Maria:

'Minha alma engrandece ao Senhor

e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,

pois atentou para a humildade da sua serva.

De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada,

pois o Poderoso fez grandes coisas em meu favor; santo é o seu nome'".

(Lucas 1.46-49)

 

PARA PENSAR

"A fidelidade de Maria vem da sua convicção que Jesus, apesar da cruz, era o Messias e da sua convicção que Deus, apesar da sequência de eventos, estava no controle. Maria continuou fiel a Jesus durante as cenas trágicas e durante os dois dias de estupefação, permanecendo fiel depois do que aconteceu na manhã de domingo. Tendo Jesus sido levantado dentre os mortos, a fidelidade de Maria na cruz era como uma flor plantada na certeza que a obra redentora de Deus tinha acontecido no momento em que ela, com os seus amigos, estava com  os olhos cheios de lágrimas ao pé da cruz de Jesus".

(SCOT MACNIGHT [81])

 

PARA VIGIAR

NÃO usarei o que julgo serem os meus direitos para negar minha fidelidade a Jesus Cristo como meu Senhor.

 

PARA ALCANÇAR

Alcançarei um coração que decide, mas que só decide depois de meditar.

 

 

***

 

UMA CRONOLOGIA DA VIDA DE MARIA

Para bem entendermos a vida de Maria, devemos começar com uma cronologia.

 

 

Ano 20 a.C. [82]

— Nasce Maria (tradicionalmente, filha de Ana e Joaquim), provavelmente em Nazaré (na região central de Israel).

 

8 a.C.

— Maria é prometida em casamento a José, filho de Jacó (e de mãe não mencionada).

 

7 a.C.

— Maria recebe a informação (por parte de um anjo) que dará à luz o Messias de Israel (Lucas 1.26-38).

— Maria visita a prima Isabel, grávida de João Batista (Lucas 1. 39-45).

— Possivelmente, Maria e José se casam numa cerimônia familiar.

 

6 a.C.

— Maria viaja com José a Belém (160 km ao norte), sua terra de origem, para ele se apresentar às autoridades do Censo (Lucas 2.5)

— Maria dá Jesus à luz, na parte térrea e dos fundos de uma casa de parentes (Lucas 2.1-7).

— A família de Maria recebe a visita de pastores, na madrugada do nascimento (Lucas 2.8-20).

— Maria e José recebem a visita de um ancião para circuncidar Jesus, de oito dias (Lucas 2.21).

— Maria e José levam Jesus, com 30 dias, para ser apresentado no Templo em Jerusalém  (Lucas 2.22-38)

— Maria termina o resguardo (40 dias) e é purificada mediante um sacrifício, no templo em Jerusalém.

— Maria e José retornam a Belém, onde Jesus passa seus primeiros anos.

 

5 a.C.

— A família de Maria é visitada pelos magos em Belém (Mateus 2.1-12).

 

4 a.C.

— Maria e José são informados do decreto de Herodes, de que todas as crianças de menos de dois anos tinham de ser mortas (Mateus 2.16-18).

— Maria e José fogem para o Egito, com Jesus, possivelmente com 1 anos e 6 meses (Lucas 2.39; cf. Mateus 2.19-23).

 

Entre 2 a.C. e 2 d.C.

A família de Jesus se restabelece em Nazaré.

 

7 d.C.

— Maria e José levam Jesus, de 12 anos, para participar da Páscoa, em Jerusalém (Lucas 2.41-52)

 

18 d.c. [83]

— Maria fica viúva.

 

26 d.C. 

— Maria se transfere com a família para Cafarnaum.

— Maria vai com Jesus, de 30 anos (Lucas 3.23), a um casamento em Caná, na Galileia (João 2).

— Maria acompanha o ministério de Jesus pela Galileia (Mateus 13.55; Mateus 12.46-49).

 

28 d.C.

— Maria assiste à crucificação de Jesus, em Jerusalém (João 19.25-27).

— Maria espera a vinda do Espírito Santo, após a ascensão de Jesus (Atos 1.15).

 

41 d.C.

— Maria morre. [84]

 

BREVE HISTÓRIA DE MARIA

 

De outro modo, podemos contar a história de Maria, nos seguintes termos, como lemos nos cinco primeiros livros do Novo Testamento. [85]

 

Maria era provavelmente natural de Nazaré, uma cidade de cerca de 400 habitantes. Era filha, segundo a tradição de Ana e Joaquim. A cidade tinha uma sinagoga, capaz de receber pouco mais de 100 pessoas para as celebrações sabáticas.

Como era costume na época, quando tinha 12 anos teve o seu casamento arranjado pela família. O mesmo deve ter ocorrido com sua prima, Isabel, casada com o sacerdote Zacarias.

O futuro marido de Maria se chamava José, bem mais velho que ela e já estabelecido como profissional no segmento da carpintaria.

Assim, ficou noiva dele, num tempo em que o noivado tinha o mesmo status de casamento, sendo dissolúvel apenas com o divórcio. Nessa condição (aos 13 anos ou um pouco mais tarde), foi visitada pelo anjo que anunciou sua gravidez especial, especial porque não de um homem (como José) mas do próprio Espírito Santo de Deus.

Ela aceitou a missão de gestar o Messias.

A gravidez de uma solteira (mesmo que noiva) era punida com o apedrejamento público. Por isto, José decidiu sair de cena, mas foi convencido a aceitar Maria como sua esposa. Por essa época, fez uma visita de três meses a Isabel, que estava grávida de João Batista. Em algum momento, os dois se casaram, numa cerimônia familiar, como eram todos os casamentos naquela época.

Quando Maria estava grávida, saiu o decreto imperial obrigando que os chefes de família se registrassem em suas cidades de origem. José teria que voltar a Belém. Preocupados, obedeceram a lei e viajaram para a cidade de Davi.

Procuraram uma casa de parentes, como era a prática comum naquele tempo. No entanto, não encontraram nenhuma que tivesse um aposento para hóspedes. Tiveram que se contentar com a parte térrea, nos fundos, da casa de um desses parentes. Nessa casa, Jesus nasceu.

Depois do nascimento, instalaram-se na casa, partidos os outros hóspedes. A partir dessa residência provisória, cumpriram todos os preceitos rituais, estabelecidos para os judeus no Pentateuco.

Além de estarem fora de sua casa, experimentaram outro momento de grande aflição. Após serem visitados por um grupo de sábios dos oriente (magos), saiu uma ordem do rei local Herodes, determinando a morte de todas as crianças com menos de dois anos. Jesus estava neste grupo.

Fugiram.

Atravessaram a fronteira até o Egito, onde Herodes não tinha jurisdição.

Em algum lugar fixo ou nômade, usando as economias de José ou até mesmo o dinheiro da venda dos brindes deixados pelos magos ou ainda pelo trabalho de José, vieram até se sentirem seguros para realizar o sonho de voltar para Nazaré.

O menino devia ter entre quatro e seis anos quando puderam voltar. Todos tocaram suas vidas. O casal teve outros filhos de ambos os sexos, nascidos uns (talvez) no Egito e outros em Nazaré. Os homens têm nomes conhecidos: Tiago, José, Simão e Judas (Mateus 13.55); as filhas, não.

Depois que se fixaram em Nazaré, todos os anos iam a Jerusalém, na companhia de outros familiares e amigos, para celebrar a Páscoa. Quando Jesus completou 12 anos foram também. Maria e José distraíram-se com a alegria da festa e deixaram o menino absorto nas conversas com os teólogos. Tiveram que voltar do caminho para resgatá-lo. [86]

Por esta época, deve ter aprendido o ofício do pai, chegando a trabalhar na profissão. O trabalho de Jesus, o mais velho, e os demais irmãos deve ter sido importante para a sobrevivência da família, depois que José, o provedor, morreu.

Ainda em Nazaré, ela viu seu filho começar a sua missão. Ele tinha 30 anos. Ela estava perto de chegar aos 50, idade avançada para os padrões de então.

Algum tempo depois, Maria levou seus filhos para Cafarnaum, 30 quilômetros na direção do lago de Tiberíades.

Quando houve um casamento de pessoas próximas em Caná (cidade colada a Nazaré), coube a Jesus, por ser o mais velho, fazer companhia a mãe à festa, que serviu como um dos marcos do início do seu ministério.

Maria acompanhou o filho, tendo que administrar os conflitos em casa, especialmente porque os seus irmãos não acreditavam que Jesus fosse o que ele dizia ser: o Messias. Para eles, era apenas um irmão meio fora de si.

Ela, certamente, percebeu que não demoraria muito e perderia o filho. Deve ter chorado muito ao longo de seus dramas, mas deve ter chorado muito mais ainda quando testemunhou, ao pé da cruz, junto com alguns filhos e amigos íntimos, a crucificação de Jesus, depois da condenação recebida num processo relâmpago.

Ela nunca desistiu da causa pela qual morreu seu filho. Certamente, quando soube da sua ressurreição e ascensão (talvez tendo sido testemunha desta), ficou junto ao grupo que aguardou em Jerusalém o cumprimento da promessa feita por Jesus que lhes enviaria o Espírito Santo para revestir de poder os seus discípulos. Maria estava entre eles.

A partir daí, nada mais nos diz o Novo Testamento sobre a mãe de Jesus. [87]

 

MARIA, PERTO DE NÓS

 

Maria parece tão distante de nós, que nos perguntamos em que podemos nos parecer com ela. Pelos episódios que os evangelhos trazem (e muito mais viveu ela), notamos uma mulher marcada por uma sucessão de dramas.

Em toda a Bíblia, não houve quem tenha sofrido tanto quanto ela. Ela sofreu por se ver grávida, vergonhosamente grávida, sem ter tido relações sexuais com seu noivo. Ela sofreu quando perdeu seu marido. Ela sofreu quando viu sua família dividida em torno da messianidade de Jesus. Ela sofreu quando seu filho foi perseguido. Ela sofreu quando seu filho foi julgado. Ela sofreu quando seu filho foi morto.  [88]

 

1. Maria obedeceu desde o começo.

A história de Maria começa com um ato de obediência. "Um anjo a visita, com a notícia que teria um bebê e com a palavra que seu filho seria o Messias. Certamente Maria ficou surpresa, mas a surpresa maior foi ela ter dado o seu consentimento ao plano de Deus. Depois que Gabriel trouxe as boas novas de Deus, Maria consentiu, expressando sua decisão com poucas palavras: 'aconteça comigo conforme a tua palavra' (Lucas 1.38)". [89] Portanto, "Maria, pela fé consentiu com o plano de Deus. Maria, pela fé, começou a levar a cruz antes que Jesus nascesse. Maria começou a sofrer antes que o Messias sofresse". [90]

Precisamos saber que há um preço em obedecer. Há um preço em desobedecer. E não há meio termo entre obediência e desobediência.

Deus precisava de um ventre pronto para receber Seu Filho. Deus precisava de um coração para fazer a Sua vontade. Deus precisava de uma vida abençoada que abençoasse outras.

Foi assim com Abraão, que, para experimentar a bênção de Deus, teve de sair de Ur, valer dizer, teve de abandonar seu estilo de vida (sua tranquilidade, sua cidade). Não há bênção sem obediência.

Deus chama pessoas para abençoar porque Ele sabe que abençoar é o verbo que quem quer ser abençoado precisa conjugar. Você quer ser abençoado? Abençoe.

Como precisou de Maria, Deus precisa de nós para abençoar outras pessoas. O sentido da vida do outro depende de nossa obediência. O sentido de nossa própria vida depende da nossa obediência.

 

2. Maria conhecia as Escrituras.

Maria obedeceu a Deus porque teve fé nele.

Maria obedeceu a Deus porque o conhecia.

Maria obedeceu a Deus porque o conhecia através da sua Palavra.

 

Talvez respondamos: se ouvimos claramente a vontade de Deus, nós também nos disporemos a segui-la.

Trepliquemos: se Deus manifestar a sua vontade para conosco, nós a reconheceremos?

Maria conhecia a Palavra de Deus. Por isto, quando viu um anjo reconheceu-o. Sua Bíblia era o Antigo Testamento, tão cheio de anjos. Aqueles relatos se tornaram vivos diante dela, porque ela conhecia os relatos. Maria sabia que os anjos aparecem para trazer recados de Deus. Maria conhecia as profecias sobre a vinda do Messias.

Mais ainda: quando respondeu ao anjo, ela perguntou: "como isto acontecerá?" (Lucas 1.34). Também quando cantou (no Magnificat), ela fez um resumo do modo como Deus agiu na história do seu novo, como narrado nas Escrituras.

Não temos, portanto, como obedecer a Deus se não conhecemos a sua Palavra, onde a sua vontade nos é revelada.

 

3. Maria guardou no coração até o que não entendeu.

Quando os anjos a visitaram, ela ainda se recompondo das dores do parto, guardou tudo no seu coração (Lucas 2.19). Guardar no coração é a atitude na vida de Maria por toda a sua história. Ela guardou no coração as palavras de Jesus menino no templo brilhando entre os professores. Ela  guardou no coração as palavras que Jesus lhe diz em Caná. Ela guardou no coração quando Jesus agonizou na cruz. Ela guardou no coração quando Jesus foi recolhido ao sepulcro.

Ela guardou o que entendeu e guardou o que não entendeu.

Os fatos da vida precisam de reflexão. Nem sempre o que parece é. Temos que cavar mais fundo para tocar nos tesouros. No entanto, a pressa e a preguiça nos fazem muito superficiais.

A felicidade conquistada na superficialidade será apenas isto: coisa superficial.

Precisamos aprender a meditar sobre a história de nossas vidas, com a nossa mente fincada na Palavra de Deus. Um coração mergulhado na Palavra de Deus é solo o fértil para uma vida realmente boa.

 

4. Maria abriu mão de sua maternidade para ser discípula.

Como João Batista que desaparece para que Jesus apareça, Maria diminui para que Jesus cresça. Ela começa como o centro da história e termina como se fosse uma espectadora das ações de Jesus, em torno de quem a sua vida discípula também gira.

Maria surge como quem ensina (nas suas atitudes e no seu Magnificat), mas depois ela aquela que observa e aprende.

Maria abre mão de suas prerrogativas de mãe, para ser seguidora. Seu filho parece aprender com ela: abre mão de sua divindade, para viver a nossa humanidade.

Maria nos ensina a ser o que nós somos: humanos. E infelizmente, embora sejamos humanos, precisamos aprender a ser humanos.

Maria nos ensina a ser o que somos: humildes. Quando Jesus se agiganta como aquele que transforma água em vinho, ela se recolhe em suas poucas palavras: façam o que ele mandar. O discípulo é aquele que faz o que o Mestre manda.

Maria foi abençoada porque se dispôs a se humilhar diante de Jesus, reconhecendo que Suas instruções eram sempre para o nosso bem. Ao longo de sua vida, Maria demonstrou aquilo que cantou.

Deus abençoa os humildes, porque os humildes precisam da bênção de Deus, sabem que precisam da bênção de Deus e buscam a bênção de Deus.

Humilde é quem sabe que não vive de sua própria força ou luz, mas do Espírito Santo que nele habita, para corrigir, apoiar, fortalecer.

Humilde é quem sabe que não faz o que faz de sua própria competência ou vontade ou esforço, embora eles cooperem com Deus.

Humilde é quem reconhece o que Deus lhe faz e canta, como Maria, "santo é o Seu nome" (Lucas 1.49).

Humilde é quem se dispõe a reconhecer os seus pecados e a se afastar da sua prática (Tiago 1.21), sabendo que Deus não espera perfeição de nós, mas progresso em direção à perfeição.

Precisamos de cristãos que ouvem.

 

5. Maria confiou sempre.

Um traço marca o caráter de Maria: a confiança.

Quando o anjo lhe disse que ela teria um filho, sendo e continuando a ser virgem, ela confiou que assim aconteceria.

Quando Jesus se separou da caravana de peregrinos, Maria confiou que a enigmática frase do menino, de que estava fazendo a vontade do Pai Eterno, tinha sentido embora ela não a entendesse de tudo.

Quando Jesus, na festa em Caná da Galileia, lhe pediu para deixar com ele a solução do problema da falta de vinho, ela confiou que seu filho faria o melhor.

Quando Jesus se assoberbou de trabalho, de modo a lhe causar preocupação, ela confiou que ele sabia o que estava fazendo.

Quando Jesus anunciou que seu destino era a cruz, ela confiou o que o que tinha que ser feito deveria ser feito e que Deus aprova todas as escolhas do filho.

Quando, na agonia da cruz, Jesus pediu a João que cuidasse dela, ela confiou, tanto que continuou reunida aos outros seguidores de Jesus.

Esta confiança gerou nela uma fidelidade inabalável. "A fidelidade de Maria vem da sua convicção que Jesus, apesar da cruz, era o Messias e da sua convicção que Deus, apesar da sequência de eventos, estava no controle. Maria continuou fiel a Jesus durante as cenas trágicas e durante os dois dias de estupefação, permanecendo fiel depois do que aconteceu na manhã de domingo. Tendo Jesus sido levantado dentre os mortos, a fidelidade de Maria na cruz era como uma flor plantada na certeza que a obra redentora de Deus tinha acontecido no momento em que ela, com os seus amigos, estava com  os olhos cheios de lágrimas ao pé da cruz de Jesus". [91]

É por isto que sua história termina como termina. O Novo Testamento, depois de tudo o que lhe aconteceu, retrata-a como parte de uma comunidade que confia, cresce e descobre o que era seguir sem Jesus fisicamente presente, guiada agora pelo Espírito Santo, com uma história a ser vivida. [92]

 

6. Maria amou até o fim.

Segundo o evangelho de João, tendo amado os seus, Jesus os amou até o fim (João 13.1). O refrão se aplica a Maria.

Mesmo tendo sua vida muda por decisões que não tomou, Maria continuou amando os seus.

Um episódio ilustra esta coragem de amar. Ela e seu marido tiveram que fazer uma viagem que não podiam, mas que tinham que fazer por determinação legal, para eles e para todos. Ser parte de uma sociedade impõe compromissos, nem sempre agradáveis. Ser parte de uma família, no caso uma linhagem familiar (linhagem de Davi, que não lhe trazia nenhum benefício material), cobrava um preço alto. Tinham que se registrar em Belém.

Ser parte de uma família às vezes cobra um preço alto, mas vale a pena. Ali somos acolhidos e acolhemos. Somos protegidos e protegemos. Somos formados e formamos. É na família que vamos nos tornando gente, e isso se aplica a recém-nascidos, que têm tudo para aprender, e a idosos, que também aprendem.

Nem sempre dá para planejar todas as coisas, mesmo num mundo como o nosso, em que há sites na internet até para dar nó em gravata, quanto mais fazer reserva em hotel. José, por mais cuidadoso que fosse, não conseguiu dar um lugar adequado ao seu filho (sim, seu filho, porque assim o tratou) para nascer.

Às vezes, as condições que nos são dadas não são as que queremos. Umas podem e devem ser recusadas. Outras devem ser aceitas. José e Maria buscaram onde foi possível um lugar decente para o primeiro filho do casal (sem berço, sem enxoval). Eles não gostaram das condições do lugar improvisado do nascimento e nem do berço improvisado. Não era o que sonharam. Foi o possível. Como uma mãe que dá a luz num camburão, Maria aceitou sua condição e ali foi feliz. Tinha que ser ali? Ali foi, com alegria.

Todos os outros episódios da vida de Maria mostra a intensidade com que amou. Mesmo com dor (porque o amor conhece e supera a dor), como ficou claro em sua presença silenciosa ao pé da cruz.

É como Maria que devemos amar.

 

***

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

 

Autoconheça-se, reconhecendo quem você é: servo. Era assim que Maria se via. É assim que você se vê?

 

Confesse que, muitas vezes, a sua fidelidade a Deus depende dos resultados obtidos com o relacionamento com ele.

 

Ore a Deus, quando não entender um fato que lhe sobrevenha. Deus lhe dará o esclarecimento.

 

Reflita sobre os acontecimentos ligados à sua vida. Guarde no no coração, o lugar da profundidade, não do sacrifício.

 

Decida ser, como Maria, um discípulo de Jesus. Ser filho de um discípulo não o torna um discípulo de Jesus. Ser membro de uma igreja não faz de você um discípulo de Jesus. O que o torna um discípulo é a decisão de amar Jesus até o fim, com todas as suas forças.

 

Empenhe-se para continuar fiel na jornada, mesmo que a estrada tenha muitos buracos, mesmo que o túnel não esteja iluminado, mesmo apareça uma cruz no alto da sua vida.

 

***

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AZEVEDO, Israel Belo. Aprendendo com Maria. Rio de Janeiro: Prazer da Palavra, 2008. (Edição eletrônica. amazon.com.br.)

BRAATEN, Carl E., JENSON, Robert W. Mary, mother of God. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2002.

GRAEF, Hilda. Mary: history of doctrine and devotion. Notre Dame, IN: Ave Maria Press, 2009.

MACNIGHT, Scot. Real Mary. Brewster, MA: Paraclete, 2007.

RUBIN, Miri. Mother of God: a history of virgin Mary. New York: Penguin, 2009.

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

 

 

ENCONTRO 8

PEDRO, FIEL APESAR DE SUAS FRAQUEZAS (COMO NÓS!)

 

PARA MEMORIZAR

"Como crianças recém-nascidas, desejem de coração o leite espiritual puro, para que por meio dele cresçam para a salvação, agora que provaram que o Senhor é bom". (1Pedro 2.2-3 NVI)

 

PARA PENSAR

"A transparência de Pedro é evangelho, é parte do evangelho, das boas novas da redenção em Cristo. Podemos e devemos entrar na escola de Simão Pedro, na escola de sua caminhada com Cristo, para seguir o Senhor como ele quer ser seguido, aproximando-nos de Jesus enquanto ele nos capacita a amá-lo".

(Mauro-Giuseppe LEPORI [93])

 

PARA VIGIAR

NÃO pensarei de mim o que não sou, para não cair no mesmo erro de Pedro.

 

PARA ALCANÇAR

Quero ser conforme a imagem de Cristo, sabendo que, "quando caminhamos com Cristo, pela constante ajuda do Espírito Santo, seremos conformados à sua imagem. Seus pensamentos e anseios serão transmitidas a nós de um modo simpaticamente divino. Teremos muito tempo para vê-lo honrado, amado e exaltado. Vamos desejar que ele veja o fruto do trabalho da sua alma e fique satisfeito. Devemos nos identificar com os seus interesses, sem olhar para nós mesmos. O Espírito Santo soprará estas faíscas em uma chama e nossa vida será gasta como a de Pedro, que, por seu amor a Cristo, foi capacitado para alimentar suas ovelhas e cordeiros".

(F.B. MEYER [94])

 

***

 

UMA VIDA

Simão, cujo nome significa "aquele que ouve a Deus", era filho de Jonas e nasceu provavelmente no ano 1 a.C. em Betsaida (João 1.44), perto (1,5 km) do mar da Galileia, no norte de Israel. Seu irmão André nasceria depois. Morreu possivelmente no ano 67, talvez em Roma.

Quando o conhecemos, ele já está estabelecido em Cafarnaum (4 km distante de sua terra natal), onde vive com a esposa (1Coríntios 9.5), os filhos e a sogra (Marcos 1.30). Sua profissão era a de pescador, como seu irmão André. Ele tinha barco próprio e formava uma sociedade, com Zebedeu e seus filhos Tiago e João (Lucas 5.10). A lucrativa empresa deles tinha empregados (Marcos 1.20).

Por volta do ano 27, João Batista começa o seu ministério, um pouco mais ao sul. André escutou suas pregações (João 1.40).

Pouco depois, Jesus começa a sua missão, batizado por João Batista, que o anunciava como Messias, conquanto enigmaticamente (João 1.29-36).

Jesus iniciou sozinho seu ministério e, aos poucos, foi formando sua equipe, sempre a partir de Cafarnaum, onde morava com a mãe os irmãos. Um dos primeiros auxiliares (chamados de discípulos) foi Simão (João 5.10-11), que também simpatizava com João Batista, que possivelmente o tenha batizado.

André, seu irmão, e João, seu sócio, foram os primeiros a ouvir Jesus. Eles levaram Pedro a Jesus. O encontro foi marcante.

Quando o chamou, por volta do ano 28, Jesus mudou-lhe o nome para Cefas (em aramaico) ou Pedro (em grego), significando "rocha". A partir daí, Pedro segue Jesus pela Galileia e, mais tarde, também pela Judeia, formando com João e Tiago o trio mais próximo de Jesus (Lucas 8.51).

Na biografia que o Novo Testamento lhe traça, Pedro protagoniza momentos de brilho e sombra. Seu temperamento explosivo levou-o a ser o primeiro em muitos momentos, de grandeza e baixeza.

 

UMA VIDA DE ALTOS E BAIXOS

Durante os poucos anos do ministério de Jesus, acompanhou-o até o fim, vivenciando experiências notáveis de altos e baixos. Eis algumas delas nos Evangelhos, onde ele é mencionado com destaque em 38 episódios. [95]

 

1. Pedro atendeu ao chamado de Jesus, sem retardar sua adesão. Ele deixou tudo para seguir a Jesus (Mateus 4.20).

Ele, por três vezes, negou que conhecesse a Jesus.

 

2. Pedro creu que Jesus poderia curar sua sogra, como, de fato, aconteceu (Mateus 8.14-15).

Ele dormiu quando Jesus precisou que orasse por ele (Mateus 26.40).

 

3. Pedro creu que podia andar sobre as águas e foi em direção a Jesus.

Ele fraquejou na fé e deixou de confiar em Jesus diante do medo do perigo (Mateus 14.28ss).

 

4. Pedro confessou que Jesus era o Cristo (Mateus 16.16).

Ele recusou o destino fatal de Jesus (Mateus 16.22), chegando, mais tarde, em pegar numa espada para o defender (João 18.10).

Quando confessou a Jesus, "Simão mesmo pode ter ficado surpreso pela profundidade do que acabara de sair de sua boca. Ele tinha realmente declarado que, ao contrário, da opinião local, o rabi de Nazaré era mais um dos profetas de Deus, bem mais que um dos profetas que tinha voltado dos mortos. Ele era, na verdade, o Messias, o Libertador, o Mediador, o único enviado por Deus Pai no poder do Espírito Santo para ser o maior Profeta, Sacerdote e Rei do seu povo. Ele era o Filho único de Deus, a única fonte de Vida". [96]

 

5. Pedro desejou estar com Jesus permanentemente no monte da Transfirguração (Mateus 17.4).

Ele seguiu a Jesus à distância quando foi julgado (Mateus 26.58).

 

6. Pedro não quis ter os seus pés lavados por Jesus (João 13.6).

Ele requereu, na esteira dos outros, seus direitos, por estar sendo fiel a Jesus (Mateus 19.27).

 

7. Pedro correu para ver o que tinha acontecido com o túmulo de Jesus (João 20.4).

Ele não acreditou no testemunho das mulheres de Jesus ressuscitara (Lucas 24.11)

 

Tendo Jesus partido, Pedro continuou a crescer na graça, com o livro de Atos lhe deixando 11 capítulos:

 

1. Pedro esperou o revestimento do Espírito Santo, conforme a promessa de Jesus (Atos 1.3).

Ele demorou a entender que o Espírito Santo era para todos, não apenas para os judeus.

 

2. Pedro teve fé para curar um mendigo aleijado (Atos 3.1) e um paralítico (Atos 9.33).

Ele demonstrou conhecer as Escrituras Sagradas. No seu sermão no Pentecostes, que tem 22 versículos, 12 sao citações dos salmos e e dos profetas.

 

3. Pedro, de pouca instrução, teve coragem para enfrentar os sábios do Sinédrio judeu (Atos 4.13).

Ele escreveu duas cartas, em que sua pouca instrução não comprometeu sua mensagem, pela dependência do Espírito Santo.

 

4. Pedro mudou sua teologia  para obedecer a Deus e aceitar que a salvação era só para judeus (Atos 10).

Ele demorou a compreender a missão do apóstolo Paulo. Em Gálatas, Paulo não nos diz como Pedro responde à sua advertência. No entanto, Pedro mesmo, mais tarde, deixa claro em sua primeira epístola que ele ouviu o amigo e voltou atrás. [97]

 

5. Pedro enfrentou, sem temer, a perseguição, que o levaria à cadeia (Atos 12).

 

6. Pedro prestava muita atenção no que diziam dele, ao ponto de se comportar diferentemente para agradar à plateia.

Ele mostrou, em suas cartas, que tinha aprendido a lição de Paulo de que todos somos sacerdotes diante de Deus, não havendo pessoas especiais neste sentido.

 

7. Pedro, se a tradição estiver correta, foi fiel a Jesus até o fim.

Ele percebeu, ainda segundo a mesma tradição, que estava muito aquém de Jesus, não querendo ser crucificado como ele, mas de modo diferente (de cabeça para baixo).

 

UMA VIDA SEMPRE À FRENTE

Pedro, portanto, era um homem de extremos. Na ação mais extrema, ele abriu a boca para confessar que Jesus era "o Cristo, Filho do Deus vivo". Na outra, por outro lado, ele disse que não permitiria que Jesus fosse morrer, ouvindo dele que era um Satanás que devia sair da sua frente". [98]

Ele foi o primeiro discípulo a reconhecer a Jesus como o Messias, confessando-o como o Senhor da sua vida (Mateus 16.13-17).

Ele foi o primeiro apóstolo a testemunhar a ressurreição. Assim, aquele que veemente negou a Jesus na hora do sofrimento foi o primeiro a testemunhar a ressurreição de Jesus na hora do triunfo (Lucas 24.34 e 1Coríntios 15.5).

Ele foi o primeiro missionário a proclamar a salvação aos não-judeus. Não por acaso, os primeiros 11 capítulos do livro de Atos se concentram no ministério de Pedro. Ele é o líder inconteste da igreja, tarefa passada a Tiago, irmão de Jesus, depois que Pedro se tornou um missionário.

Ele foi o primeiro pastor a liderar a igreja de Jerusalém. Quando, dentro e fora da comunidade que se formava, as pessoas ficaram sem entender o que acontecia, foi Pedro o primeiro a dar um passo a frente e interpretar o novo tempo. Neste papel, foi a Antioquia da Síria (Gálatas 2.11) e a Corinto (1Coríntios 1.12) e talvez a muitas outras regiões.

Ele foi o primeiro testemunha a inspirar a preparação de um Evangelho. Se a tradição estiver correta, ele foi a fonte empregada por Marcos para escrever o seu relato do ministério de Jesus.

 

CRESCENDO NA GRAÇA

Em uma de suas cartas, o apóstolo Pedro nos recomenda:

 

"Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! Amém" (2Pedro 3.18).

 

A vida de Pedro nos encoraja a crescer na graça, um processo contínuo, nunca estático.

 

1. Como Pedro, precisamos reconhecer nossa fraqueza.

 

Suas palavras são claras:

"Uma vez que vocês chamam Pai aquele que julga imparcialmente as obras de cada um, portem- se com temor durante a jornada terrena de vocês" (1 Pedro 1.17).

 

Eis o que é a nossa vida: uma jornada terrena, humana, frágil.

Quando extraordinariamente, Jesus o chama para uma conversa final. "Pedro negou a Jesus três vezes e agora é questionado por três vezes se o ama. O significado da conversa foi para Pedro compreender sua própria fraqueza e sua necessidade de Cristo para se fortalecer e pastorear a igreja, e, então, pegar sua cruz, seguir a Cristo e viver sua vida amando ao seu Senhor". [99]

 

2. Como Pedro, precisamos reconhecer que somos pecadores.

 

Em Pedro, realisticamente, gente a como a gente, vemos bem claramente a presença do pecado. Ele se parece conosco, estando mais próximo de nossa humanidade e, por isto, mais próximo de Jesus Cristo. [100]

O pecado está presente também em nossas vidas, mas, como nos mostra o exemplos de Pedro, "a presença do pecado em nossas vidas não significa que não sejamos cristãos, nem invalida nosso testemunho de Cristo". [101]

Não devemos esperar a nossa perfeição, nem a dos outros, embora saibamos da exigência divina à santidade. O que nos faz santos não é a perfeição, mas o desejo de não pecar.

Com certeza, "embora as ações de Pedro nem sempre tenham sido sábias o padrão geral do seu relacionamento com Jesus foi de lealdade e fidelidade. Ele falhou diante de Jesus e o negou enquanto tentava provar sua lealdade, uma falha que foi o resultado mais do modo do que de vontade em ser desleal. Seu arrependimento posterior foi genuíno com um choro sincero por ter negado ao Jesus que ele amava. Pedro era um homem cujo coração era reto para com o seu Senhor, um homem cujo fracasso temporário foi causado por tentar servir a Deus em sua própria força, quando prestou atenção aos perigos, tirando os olhos de Jesus". [102]

Pedro nos lega seu ensino: "Portanto, uma vez que Cristo sofreu corporalmente, armem- se também do mesmo pensamento, pois aquele que sofreu em seu corpo rompeu com o pecado, para que, no tempo que lhe resta, não viva mais para satisfazer os maus desejos humanos, mas sim para fazer a vontade de Deus" (1 Pedro 4.1-2).

 

3. Como Pedro, devemos nos conhecer a nós mesmos.

 

O apóstolo mesmo nos retrata como "escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue" (1 Pedro 1.2).

Como é difícil obedecer.

Como é difícil viver com sabedoria.

Pedro pode ser retratado, em sua personalidade, do seguinte modo:

 

. Pedro era geralmente impulsivo, explosivo mesmo, e rápido para falar. Parece que ele era rápido em tirar conclusões e juízos, estando pronto para agir antes de pensar". [103]

Em que alguns de nós somos diferentes dele?

 

. Pedro parecia alguém muito preocupado com o modo como Deus lidava com os outros, em lugar de estar com o foco sobre si mesmo (João 21.20-22). Ele agiu assim, por exemplo, quando questionou a Jesus sobre o destino de João (João 20.21), em lugar de se preocupar com o seu próprio.

Quantas vezes, não invejamos aquilo que o outro é ou tem, como se aquilo não fosse dádiva de Deus.

 

.  Pedro também parecia bastante preocupado com o que as outras pessoas pensavam a seu respeito. Esta atitude fica evidente quando se recusou em se assentar com os gentios depois que os judeus vieram de Jerusalém a Antioquia (Gálatas 2.11-14), o que lhe valeu uma justa repreensão da parte do apóstolo Paulo.

Por que temos esta necessidade da aprovação humana, se já temos a divina?

 

. Além disto, Pedro se mostrava um pouco teimoso em sua tendência em não voltar atrás quando achava que estava certo. Alguns exemplos desta tendência podem ser notados quando recusa aceitar a ideia de que Jesus vai morrer (Mateus 16.23), quando mostra sua dificuldade em deixar Jesus lavar os seus pés (João 13.8) e quando fez uso da espada para defender Jesus ameaçado de ser preso (João 18.10).

Como é difícil distinguirmos entre a teimosia (ou mesmo rebeldia) e a perseverança!

 

4. Como Pedro, não nos esqueçamos que Satanás nos peneira.

 

Pedro ouviu o conselho dos lábios do próprio Jesus:

 

“Simão, Simão, Satanás pediu vocês para peneirá-los como trigo.

Mas eu orei por você, para que a sua fé não desfaleça.

E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos”.

(Lucas 22.31-32)

 

Como fez com Jó, Satanás procura tentar os homens e mulheres de Deus. Esta é a sua ocupação. Nosso conforto é que ainda hoje Jesus intercede por nós junto ao Pai.

Quanto a nós, adverte-nos ainda Pedro: estejamos alertas e vigiemos, porque o Diabo, o nosso inimigo, anda ao redor como leão, "rugindo e procurando a quem possa devorar"

(1 Pedro 5.8). Não devemos nos iludir: Satanás continua com o seu negócio. Quanto mais relevantes somos, mais ativo ele está. Se ele não está interessado em nos devorar (isto é: se não somos tentados), é porque vivemos de um modo que não o incomode. Pedro é o exemplo de um homem relevante, de um homem tentado.

Peneirado, podemos ser aprovados. A vida de Pedro durou possíveis 65 anos, dos quais os últimos 40 foram dedicados à proclamação do evangelho de Jesus Cristo. Se lembrarmos que, no Antigo Testamento, o número 40 era sempre um número para teste (prova) e Pedro foi testado. Testado, peneirado, provado, tentado, Pedro passou com louvor. [104]

 

5. Como Pedro, podemos fazer movimentos que nos levem para mais perto da cruz de Jesus.

 

. Podemos sair do vazio ao chamado, que, atendido, gera relevância.

Pedro tinha a sua vida. Tinha uma empresa a tocar. Podemos imaginar que, tendo saído de Betsaida para Cafarnaum e tendo deixado de ser empregado pra ter o seu próprio negócio, Pedro estava realizado (e, é claro, cansado). Havia mais para ele e ele foi procurar por João Batista, até ser encontrado por Jesus que o convida a ser não mais pescadores de peixes mas de pessoas.

 

. Podemos nos converter.

Jesus orava para Pedro não ter a sua fé desfalecida. Jesus ainda ora por nós.

Jesus desejava (ou previa) que Pedro se convertesse, no sentido de ter sua a personalidade reorganizada para poder servir aos seus irmãos (Lucas 22.31). Jesus ora por nós para que tenhamos nossa vida interior reorganizada para que nossa vida valha a pena.

Jesus ora por nós, se este for o caso, para que a nossa fé sempre seja maior que a dúvida, para que o centro de nossas vidas não sejam as coisas da vida mas a vontade do Pai.

Jesus ora por nós para que tenhamos paixão pelas almas, isto é, tenhamos apaixonado interesse pela salvação das pessoas. Jesus orou para que Pedro deixasse de ser exclusivista (pensando apenas nos judeus) para ser inclusivista (pensando no mundo todo como o seu campo, a começar por seu vizinho de banco na igreja, que jamais pode sair dela sem um gesto de apreço da nossa parte).

Converter é mudar de rumo. Até para pior. Pedro, por exemplo, foi amigo de Jesus e, de amigo, foi a traidor e, de traidor, foi a amigo de novo. É triste saber que podemos nos tornar satanases (adversários) de Jesus (Marcos 8.33), coisa que pode até se dar com palavras, mas geralmente se faz com atitudes.

 

. Podemos ser restaurados.

Como se fosse uma homenagem, João posludia seu evangelho com a história da restauração de Pedro. Nossa restauração pode ser até mesmo um epílogo. Em outros palavras, não há situação ruim definitiva. Não há pecado que não possa ser perdoado. Não há história que não possa ser reescrita.

Nossa vida pode ser ressignificada, não importa o cansaço (físico ou emocional), não importa a decepção (que tenhamos causado ou recebido), não importa o tamanho das chaves da prisão, não importa a tragédia da infidelidade (como ter negado a Jesus uma, duas ou três vezes). Na verdade, "é exatamente quando estamos mais cansados e desapontados que Jesus nos pede para participarmos de sua missão. Só depois disto compreendemos que nosso Sim foi livre em parte porque não havia nada que justificasse a nossa recusa". [105]

Lendo, portanto, a história de Pedro, notamos que o homem intempestivo, arrogante e petulante se tornou um servo humilde, disponível e obediente a Jesus até a morte. [106]

 

Podemos continuar sendo Simão, mas podemos ser Pedro, homens e mulheres sobre quem, pela fidelidade, Jesus pode edificar a sua igreja.

Somos Simão mas podemos ser Pedro.

 

 

***

 

É por isto que, "quando olhamos para Pedro, vemos um homem que era, às vezes, seguro e, às vezes, confuso; às vezes, animado e, às vezes, desesperado; às vezes, bem humilde e, às vezes, bem arrogante; às vezes, corajoso e, às vezes, tímido. Vemos um homem que amou ao Senhor profundamente e se comprometeu a servi-lO sempre. No entanto, vemos também um homem que era imaturo em sua fé, o que o colocava em dificuldade. Vemos um homem que, embora muito fraco, foi também escolhido por Deus, amado pelo Filho de Deuse habitado pelo Santo Espírito de Deus. Em resumo, vemos um homem que em muito se parecia conosco. Nós podemos nos identificar com ele e isto nos ajuda a aprender com ele".[107]

 

***

 

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

 

AUTOCONHEÇA-SE!

Pedro era capaz de trair e de ser fiel. Ele sabia disto.

Pedro era temperamental, mas amoroso. Ele não permitiu que seu temperamento destruísse sua vida.

Pedro era limitado em termos de sua instrução, mas buscou se superar.

Pedro sabia que podia pecar, mas se firmado no amor perdoador de Deus.

Pedro misturava suas dúvidas com um compromisso incondicional com Cristo.

Pedro reconhecia sua(s) fraqueza(s).

E você?

 

CONFESSE!

Confesse quando trair.

Confesse quando se omitir.

Confesse quando perder o controle.

Confesse quando desejar o que atenta contra o projeto divino de santidade para a sua vida.

Quando pecar, confesse.

 

ORE!

Peça a Deus para lhe fazer Pedro se ainda é Simão.

Peça a Deus para ser mesmo uma rocha de fidelidade

 

REFLITA!

Se for necessário, pare tudo, para meditar no caminho (até agora) trilhado. Este pode ser uma noite que faça amanhecer a restauração.

 

DECIDA!

Decida caminhar com Cristo, com a força do Espírito Santo.

 

EMPENHE-SE!

Empenhe-se "para acrescentar à sua fé a virtude; à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio; ao domínio próprio a perseverança; à perseverança a piedade; à piedade a fraternidade; e à fraternidade o amor" (2Pedro 1.5-7).

 

***

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUSTIN-SPARKS, T. The significance of the person and ministry of the apostle Peter. Edição do autor, [s.d.].

DANLEY, Claud. Peter: friend and apostle of Jesus, failure and finally greatness. New York:iUniverse, 2012.

HENGEL, Martin. Saint Peter, the underestimated apostle. Grand Rapids: Eerdmans, 206.

KING, Robert Alan. A biography of saint Simon Peter the apostle; from fisherman to martyr. Casa Grande: King & Associates, 2012.

LEPORI, Mauro-Giuseppe. Simon, called Peter. San Francisco: Ignatius, 2010

MEYER, F. B. The life of P: Fisherman, Disciple, Apostle. Disponível em olivetree.com

ROSSON, M.E. Sandals in the dust. New York: BookSurge, 2005.

RUVOLO, Carol. Footprints of the fisherman. [S.l.]: Deo Volente, [s.d.].

STEPHENS, Shirley. Jesus' conversations with the apostle Peter. Brentwood: Nook, 2012.

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

 

 

ENCONTRO 9

PAULO, O HOMEM DO COMBATE QUE VALE A PENA

 

PARA MEMORIZAR

"Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda".

(2 Timóteo 4.7-8 — NVI)

 

PARA PENSAR

"A influência de Paulo recua e avança ao longo da história. Ela diminui e aparece desaparecer e, de repente, reúne força e velocidade e a terra árida se transforma num jardim de Deus".

(A.S. PEAK [108])

 

PARA VIGIAR

NÃO me desviarei da minha mão, seja quem for o inimigo (eu mesmo, o diabo ou outras pessoas).

 

PARA ALCANÇAR

Quero ser conforme a imagem de Cristo, sabendo que, "quando caminhamos com Cristo, pela constante ajuda do Espírito Santo, seremos conformados à sua imagem. Seus pensamentos e anseios serão transmitidas a nós de um modo simpaticamente divino. Teremos muito tempo para vê-lo honrado, amado e exaltado. Vamos desejar que ele veja o fruto do trabalho da sua alma e fique satisfeito. Devemos nos identificar com os seus interesses, sem olhar para nós mesmos. O Espírito Santo soprará estas faíscas em uma chama e nossa vida será gasta como a de Pedro, que, por seu amor a Cristo, foi capacitado para alimentar suas ovelhas e cordeiros".

(F.B. MEYER [109])

 

***

 

DA SUA FORMAÇÃO

Do nascimento de Paulo, sabemos que se deu nos primeiros anos do século 1 da era cristã (com a data sendo colocada entre e 4. a.C. e 8 d.C.), ao tempo do imperador Augusto.

Do seu nome, sabemos apenas seu cognome latino (Paulus, pequeno, e talvez pela semelhança com o seu nome judaico, Saulos, em homenagem ao primeiro rei de Israel). Não nos foi dado saber seu prenome e seu nome.

Da sua terra, sabemos que era Tarso, uma cidade portuária e universitária, de 250 mil habitantes (mais populosa que Jerusalém, mesmo no tempo da Páscoa), localizada na província da Síria-Cilícia, nas margens do mar Mediterrâneo, na hoje Turquia, e a 572 km da capital de Israel). Cosmopolita, a cidade era conhecida por seu comércio, mas também pelo seu nível educacional, sobretudo oratória e filosofia, sob forte influência estoica. Tinha templos monumentais, um estádio e um bom sistema de abastecimento de água. As tendas negras de coro, feitas em Tarso, eram usadas por caravanas, nômades e exércitos de todas a Ásia Menor e Síria. O geógrafo turco Estrabão (64 a.C. – 24 d.C.) colocou-a acima de Atenas e Alexandria como centro intelectual.

Da sua família, sabemos que era estabelecida no ramo de fabricação de tendas e tinha cidadania romana, obtida talvez por um algum favor prestado ao império, direito que alcançou o(s) filho(s). Ele tinha, pelo menos, uma irmã, que lhe deu pelo menos um sobrinho, que vivia em Jerusalém.

Da sua língua, sabemos que falava aramaico (e, logo, o hebraico) e grego (e talvez latim).

Da sua formação intelectual, sabemos que estuou em Jerusalém, quando adolescente, tendo sido aluno de Gamaliel. Possivelmente, fez os primeiros anos regulares em Tarso, na sinagoga e em alguma escola; os estudos religiosos em Jerusalém, onde foi aluno de Gamaliel, neto de Hilel, o grande mestre por muitas gerações, [110]e os estudos complementares em Tarso (ou Damasco [111]). Paulo dominava a técnica grega da diatribe e citava autores gregos (como Arato, em Atos 17.18; Meandro, em 1Coríntios 15.23, e Epimênides, em Tito 1.1).

Da sua religião, sabemos que era judeu ortodoxo (fariseu), da tribo de Benjamin, e bastante ligado ao Sinédrio, do qual provavelmente não era membro formal, [112] podendo ter se tornado um procurador (talvez informal) para prender os seguidores de Jesus Cristo em áreas fora de Jerusalém (como a Síria).

De sua própria família, nada sabemos. Paulo, possivelmente, "nunca se casou. Durante a maior parte da sua vida adulta, não teve um domicílio estabelecido. Teve amigas e colaboradoras, casadas e solteiras, a quem prezava". [113]

 

DA SUA MISSÃO

Da sua vida, sabemos que se dividiu em antes e depois de Jesus Cristo, isto é, antes do definitivo encontro com Jesus na estrada para Damasco.

Antes de Cristo, sob os imperadores Augusto (21 a.C. — 14 d.C.) e Tibério (14–37), sabemos apenas que, a partir de em Jerusalém, Paulo "se tornou um agente do Templo no ataque aos seguidores do recém-crucificado Jesus, que desempenhavam um papel desagregador e perigoso dentro do judaísmo". [114]

Da sua conversão, sabemos do seu próprio testemunho que, "na estrada para Damasco, com documentos que autorizavam um expurgo na cidade, ele ouviu a voz de Jesus repreendendo-o, ficou cego, recuperou-se, foi batizado e, aos poucos, foi encontrando seu caminho no novo movimento". [115]

Depois de Cristo, isto é, depois de sua conversão, sob os imperadores Tibério, Calígula (37-41), Claudio (41-54) e Nero (54-68), sabemos apenas que Paulo costurava pedaços de tendas de couro, ofício de família, como meio de se sustentar e pagar suas passagens de navio, em viagens em que "enjoou e vomitou", naufragou três vezes e, uma vez, boiou um dia e uma noite inteiros junto com os destroços. Vezes sem conta, ele ficou acordado com fome à beira da estrada, talvez escutando atemorizado quando passavam bandidos. Às vezes, depois de ter pregado, ele era açoitado até suas costas se transformarem em uma única ferida e, em cidade após cidade, apanhou de vara, porém não ficou calado. Tinha um estranho dom, não apenas para inspirar e convencer, mas também para causar confusão". [116]

Da sua vida como cristão, sabemos ainda que foi múltiplo: pregador itinerante, professor e escritor de cartas, geralmente ditadas em  grego koiné Idioma que predominou no mundo greco-romano de 300 a.C. a 300 d.C. a secretários, como era muito comum à época. [117] Ao mesmo tempo um homem de ação e um homem de oração, Paulo era "cheio de uma força de vontade incomum, nada fácil de ser desviado da trilha que achava que tinha o dever de seguir". Ele entendia que, tendo sido chamado por Deus para ser apóstolo (enviado) aos não-judeus, não tinha outra opção senão obedecer, o que fez com alegria. Nas outras questões da vida, "ele podia ter liberdade de escolha; nesta, não". [118] Esperavam-no os 80 mil km de estradas primárias e 320 mil de estradas secundárias, pelo não é exagerado afirmar que todos os caminhos levam a Roma. [119] Aguardava-o ainda o mar Mediterrâneo, com seus barcos, alguns podendo carregar 276 pessoas (Atos 27.37) ou mais.

Da sua morte, o que sabemos, pelos relatos bíblicos, é que chegou a Roma para ser julgado da acusação feita contra contra ele em Jerusalém pelo Sidédrio. O resto vem da tradição: foi liberto, sem julgamento, voltando a fazer o que nunca deixou de fazer: pregar e escrever. Novamente preso, foi condenado, talvez na fumaça do fogo sobre Roma ateado por Nero, e executado, em Roma.

 

Em termos de datas para a sua vida,  [120] podemos listar as principais, mesmo que disputadas algumas.

 

1-14 d.C. — Infância em Tarso, onde foi iniciado na fé e na cultura judaica e helenística.

14-21 — Adolescência em Jerusalém, para estudar o judaísmo.

21-31 — Primeira juventude em Tarso, aprender o negócio da família (fabricação de tendas).

31-33 — Envolvimento na causa dos fariseus, em Jerusalém (talvez com a família (ele tinha, pelo menos, um sobrinho na cidade, cf. Atos 23.16). Torna-se agente do templo na perseguição aos cristãos, recém-surgidos.

33 — Apedrejamento de Estevão, com apoio de Saulo; viagem para Damasco (Síria), a

220 km de Jerusalém; conversão de Saulo.

34 a 36 — Viagem e permanência na Arábia (Nabateia, cuja capital era Pedra).

36 — Viagem (primeira depois de convertido) a Jerusalém.

36 a 46 — Viagem e permanência em Tarso e na Síria (inclusive Antioquia).

46 — Viagem (segunda) a Jerusalém.

47-48 — Viagem a Chipre e Galácia, com Barnabé, retornando a Jerusalém.

49 — Concílio em Jerusalém.

49-52 — Viagem pela Ásia Menor e Grécia.

52 — Viagem (terceira) a Jerusalém.

52-55 — Viagem a Éfeso.

55-57 — Viagem pela Grécia.

57 — Viagem (quarta e última) a Jerusalém.

57-59 — Prisão em Cesareia Marítima.

59-60 — Viagem (preso) a Roma.

60-62 — Prisão (domiciliar) em Roma.

63-65 — (Ainda) Prisão (domiciliar) ou período de liberdade (em que poderia ter ido à Espanha).

65 ou 67 — (Prisão e) Morte, em Roma.

 

Quanto às suas cartas, a ordem cronológica pode ser a seguinte:

 

48 — Gálatas

50 — Tessalonicenses (1 e 2)

55-56 — Coríntios (1 e 2)

57 — Romanos

60-62 — Cartas da prisão (Efésios, Filipenses e Colossenses).

65 — Cartas pastorais (Timóteo, Tito e Filemon)

 

Sabemos disto pelo Novo Testamento. Fora dele, Paulo é silêncio.

Assim, insignificante aos olhos dos romanos do seu tempo, foi um gigante no campo da fé, tão grande quanto Abraão. O que aquele foi antes da graça, este foi no tempo da graça, da qual se tornou o teólogo-fundador.

Com ele, definitivamente aprendemos que Deus não trata as pessoas como se fosse um contador; antes, aceita-as livremente; correspondido, coloca o Espírito de Cristo nos corações delas para que possam responsavelmente mostrar aos outros o amor que os alcançou, em busca de uma vida que produza justiça no mundo. [121]

Paulo era um campeão da justiça, da justiça demandada por Deus.

Por isto, rejeitou a homossexualidade, tanto passiva quanto ativa.

Por isto, defendeu o direito das mulheres, vista como tendo os mesmos direitos dos homens.

Por isto, ficou ao lado de um escravo fujão.

Por isto, preconizou a ordem imperial, por ser mais justa do que a guerra. [122]

Segundo o testemunho de Clemente de Roma, Paulo "ensinou a justiça no mundo todo e chegou até os confins do Ocidente, dando testemunho diante das autoridades. Assim, deixou o mundo e foi buscar o lugar santo, ele, que se tornou o mais ilustre exemplo da paciência". [123]

 

UMA GALERIA DE CONTRASTES

Paulo é uma galeria de contrastes, [124] como todos aqueles que buscam ser semelhantes a Jesus.

Ele sabia que não era perfeito (Filipenses 3.12). Na verdade, achava-se o maior dos pecadores (Romanos 7.24 de 1 Timóteo 1.15-16). Tendo chegado à fé depois dos apóstolos de Jerusalém, considerava-se o menor deles (1Coríntios 15.9-11). Em relação, aos cristãos em geral, também se colocava no rodapé da escada (Efésios 3.8). Paulo, portanto, tinha consciência do seu pecado (Romanos 7.17).

Sabia que para anunciar o Evangelho e para ser obediente à sua vocação, o apóstolo dos gentios (Romanos 11.13) tinha que esmurrar seu corpo (1Coríntios 9.27), isto é, tinha quer ir contra si mesmo, contra a sua natureza. Entre ser prisioneiro da sua natureza, escolheu ser prisioneiro de Deus (Efésios 4.1 e 6.20), no sentido de ser um embaixador dele e escravo dele. Nesta trajetória, um viajante incansável, um trabalhador indômito, um fundador de igrejas e um teólogo (no dizer de Jesse Lyman Hurlbut [125])

Até nisto ele pode ser imitado.

Na verdade, "sua personalidade é colorida e impregnada até o fim por sua vida religiosa, "oculta juntamente com Cristo em Deus (Colossenses 3.3). Seu corpo é 'templo do Espírito Santo' (1Coríntios 6.19). Sua mente é a 'mente de Cristo' (1Coríntios 2.16). Seu interesse último é Cristo e ele decidiu 'nada saber … senão a Jesus Cristo e este crucificado' (1Coríntios 2.2.). Está pronto a sacrificar sua sabedoria, porque 'a loucura de Deus é mais sábia do que os homens' (1Coríntios 1.25). Cristo é o centro em torno do qual revolve sua existência". [126]

À luz da experiência e do pensamento de Paulo, precisamos, com cristãos, compreender que a redenção está incompleta e que aguardamos a redenção final. "O segredo do perfume que a teologia de Paulo lança sobre as pessoas deve ser encontrado na iluminação que alcançou sua própria história espiritual". Devemos compreender nosso cativeiro e nossa libertação, nossa miséria e nosso retorno, em meio ao desespero que vem de um conflito interior e de um senso de fracasso. "Uma teologia criada pela experiência fala com direção e poder aqueles cuja peregrinação o levou ao mesmo caminho" de Paulo. [127]

 

A GRANDE BATALHA

 

A maior frente de batalha de Paulo era o orgulho.

Paulo lutou contra o orgulho. Para ele, ser humilde representava uma luta constante. Ele se orgulhava de ser judeu (2Coríntios 11.22), de ser natural de Tarso, cidade não insignificante (Atos 21.3), de ser apóstolo (2Coríntios 11.5; 12.11). de nao ter edificado sobre fundamento alheio (Romanos 15.20), de ser escravo de Cristo (Romanos 1.1).

No entanto, este orgulho é contrabalançado por verdadeiras atitudes de humildade. Ele sabia que nao sabia (1Corínitos 13.12). Por isto, ele se iguala a seus colaboradores (1Coríntios 3.9), mostra a sua vergonha em ter perseguido o Evangelho, colocando-se como último dos apóstolos, necessitado das orações dos irmãos (1Coríntios 5.25). [128] A confissão de suas fraquezas é o contraponto de uma tendência natural nele, tendência combatida por ele juntamente com Cristo, que lhe deu um espinho na carne para não se exaltar a si mesmo. Ele desejou a humildade. Deus lhe deu o instrumento: o espinho na carne (1Coríntios 12.7). Após a experiência do êxtase, Paulo passou a sofrer de um mal físico incômodo e humilhante que ele recebeu inicialmenet como um incômodo. Depois ele compreendeu que, ao nocautear sua autoestima e mantê-lo em constante dependência da capacitação divina", tornou-se uma ajuda e não um empecilho. [129]

 

Paulo enfrentou seu orgulho com a consciência constante de sua fraqueza. Como nós, "na fraqueza do corpo, na impotência da carne, nos desmaios do espírito", Paulo "precisava de Jesus", que "vai conosco, ao nosso lado". Como nós, Paulo "podia sentir suas derrotas e perceber suas fraquezas É por isto que ele se agarra a Cristo como única e verdadeira tábua de salvação". [130]

Paulo enfrentou sua fraqueza lançando mão dos profundos reservatórios de sua própria fortaleza, alimentada pela presença de Cristo em sua vida. É assim que os insultos recebidos lhe dão a oportunidade de manter o autocontrole. Sua confiança em Deus leva-o a enfrentar as perseguições como um palco para revelar a sua grandeza pessoal.

 

MARCAS A SEREM IMITADAS

Paulo teve a coragem de se oferecer para ser imitado.

E muitos são as qualidades paulinas que podem ser sublinhadas:

 

1. Paulo era corajoso.

Pedro tinha uma missão e a levou até o fim. foi desafiado, apedrejado, mas não desistiu.

Teve medo (Atos 18.9), mas não permitiu que o medo o dominasse.

Sua coragem o levava a correr riscos. Sua prisão em Jerusalém, onde foi com quatro nazireus, se deveu a estarem também ali alguns para celebrar a Páscoa que o conheciam da Ásia e que levantaram um tumulto contra ele por ter entrado no pátio de Israel no templo. Esse pessoal o levou ao Sinédrio, presidido por Ananias ben Nebedeu. [131]

Então, aconselha: "Estejam vigilantes, mantenham-se firmes na fé, sejam homens de coragem, sejam fortes" (1Coríntios 16.13).

Quando estava em Cesareia Marítima, apelou para Roma. Era sua chance de chegar à capital, mesmo que algemado.

 

2. Paulo tinha um conceito adequado de si mesmo.

Ele viveu o que pediu: "Pela graça que me foi dada digo a todos vocês:Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu" (Romanos 12.13).

Assim, diante das críticas injustas, não se curvou. Também, "nunca correu, todavia, através do louvor ou da aprovação humana de seus atos". Antes, Paulo "reconhecia, como todo forte, seus erros e deles tirava lições seguras para as vitórias do porvir". [132]

 

3. Paulo era terno.

Adepto do "sim, sim, não, não", ensinado por Jesus (Mateus 5.37), Paulo era, em geral, terno. "Seu coração era tão vasto que mesmo um escravo fugitivo encontrava nele abrigo.

Quando se indignava, não permitia que sua indignação descambasse para ira crônica ou vingança. Sabia perdoar e tratar com amor, haja vista o caso de João Marcos. [133]

A maior demonstração desta ternura é o capítulo final da Carta aos Romanos, não só pelo número de pessoas mencionadas, mas pelos adjetivos carinhos que dedica a muitos deles.

 

4. Paulo era persistente.

Sua coragem gerava nele a persistência, que o levou a navegar 19 mil quilômetros pelo mar Meditarrâneo e e a viajar milhares de quilômetros por terra, alcançando, ao fim, pelo menos 50 cidades.

Para ele importava que o Evangelho, do qual não se envergonhava (Romanos 1.16). Ele o pregava e pedia que seus ouvintes e leitores o pregavam. Todos os esforços deviam ser dedicados e todo o tempo devia ser empregado na proclamação (2Timóteo 4.2).

 

5. Paulo tinha foco.

Lemos que Paulo se sentia chamado para ser pregador, apóstolo e mestre. Por isto, por exemplo, não batizava. Ele mesmo diz: "Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho, não porém com palavras de sabedoria humana, para que a cruz de Cristo não seja esvaziada" (1 Coríntios 1.17).

 

6. Paulo era paciente.

Embora direto e coerente, Paulo demonstra paciência ao escrever suas cartas, repetindo, às vezes, o mesmo conceito. Mesmo quando lamenta os que prefiram sempre beber alimento de bebê, ele tem paciência para explicar os conceitos essenciais.

Ele mostrou este traço desde cedo. Após sua conversão, foi a Jerusalém, onde ficou por 15 dias com o objetivo de "firmar laços de comunhão com os líderes da igreja-mãe  e obter deles as informações que só podiam ser recebidas ali". [134]

Na prática, mostrou paciência, por exemplo, com os líderes de Jerusalém, pelo que esteve na cidade várias vezes (quatro talvez), para mostrar que Jesus morreu por todos e não apenas pelos judeus.

Mostrou com paciência com seus discípulos, como Timóteo, a quem orienta terna e pacientemente.

Em sua paciência, mostrou-se conciliador, quando cedeu, por exemplo, diante dos que exigiam que alguns companheiros de viagem a Jerusalém tivessem seus cabelos raspados (Atos 21.17-26). Ele concordou. Assim mesmo foi preso.

Na verdade, com os fariseus, ele se fez fariseu. Adaptativo, seeu programa de vida era claro: "Para com os fracos tornei- me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns. Faço tudo isso por causa do evangelho, para ser coparticipante dele" (1Coríntios 9.22-23).

 

7. Paulo era perdoador.

João Marcos o abandonou numa viagem, mas Paulo o perdoou. Barnabé ficou ao lado de João Marcos, mas Paulo perdoou.

Quando foi julgado em Jerusalém, seus amigos o abandonaram. Diante da rejeição, pediu que a atitude não lhes fosse cobrada.

 

8. Paulo era comprometido com a causa de Cristo.

Em resumo, Paulo era um homem com uma causa, a causa de Cristo.

Por isto, podemos ler com interesse o seguinte parágrafo, preparado por uma escritora do século 21: "Imagino Paulo se instalando em uma casa de Roma, o último lugar em que viveu. Ele está arrumando seu quarto, dispondo suas ferramentas para a fabricação de tendas e umas poucas mudas de roupa num baú. Tem alguns papiros dos escritores judaicos, que ele arruma em divisórias de uma estante de livros. Está exausto e morrendo de fome, e suas costas o incomodam; ele nunca se livrará dos efeitos de tantas surras. Está começando a  ter pena de si mesmo. Suspira, ajoelha-se e agradece a Deus por ter chegado são e salvo, e por tudo o que pode fazer ali". [135]

Assim é Paulo.

 

***

 

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

 

AUTOCONHEÇA-SE. Peça a Deus para ter de si mesmo um conceito equilibrado, não tomado pelo pessimismo, nem dominado pelo otimismo ingênuo, já que ambos negam a realidade de quem você. É com o que você é que Deus fará o que deseja realizar por seu intermédio.

 

CONFESSE. Confesse, como Paulo, que faz o que não gostaria e não faz o que precisaria fazer (Romanos 7.25).

 

ORE. Ore para que, "com as suas gloriosas riquezas", Deus o "fortaleça no íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito", para que Cristo habite no seu coração mediante a fé, para que, estando arraigado e alicerçado em amor, você possa, "juntamente com todos os santos, compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento", para que você seja cheio de "toda a plenitude de Deus" (Efésios 3.16-19).

 

REFLITA. Reflita sobre o que importa para você. Faz sentido real para você este grito da alma: "Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim!” (Gálatas 2.20)?

 

DECIDA. Decida viver para o louvor de Deus, uma vez que, quando você ouviu e creu na palavra da verdade, o evangelho que o salvou, você foi selado em Cristo "com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória" (Efésios 1.13-14).

 

EMPENHE-SE. Esmurre o seu corpo, para viver de modo digno da cruz, onde você foi perdoado.

 

***

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BIBLE STUDY. Apostle Paul. Disponível em <http://www.biblestudy.org/apostlepaul/timeline-life-of-paul-from-birth-to-first-missionary-journey.html>.

BITTENCOURT, B.P. A personalidade viva de Paulo. São Bernardo: Faculdade de Teologia, 1964.

BRUCE, F.F.  Paulo: o apóstolo da graça. São Paulo: Shedd, 2003.

CAIN, Rick. The Story of Paul the Apostle and the Early Church. Disponível em <http://www.vawebworks.com/eMinistry/ApostlePaul01.asp>.

JACKSON, Wayne. Some Character Traits of Paul, the Apostle. Disponível em <https://www.christiancourier.com/articles/1385-some-character-traits-of-paul-the-apostle>.

MAHONY, Kieran. Do we still need St. Paul. Dublin: Veritas, 2009.

MEYER, F.B. The life of P: Fisherman, Disciple, Apostle. Edicao eletrônica.

PEAK, A.S. The quintessence of Paulinism; a lecture delivered at the John Rylands library on the 11th of October, 1916.

PICIRILLI, Robert E. Paul, the apostle. Chicago: Moody Press, 1986.

POLLOCK, John. The apostle. Colorado Springs: David Cook, 1986.

RUDEN, Sarah. Apóstolo Paulo. São Paulo: Benvirá, 2013.

 

 

ENCONTRO 10

TIMÓTEO, O ALUNO APROVADO

 

PARA MEMORIZAR

"Não tenho ninguém que, como ele [Timóteo], tenha interesse sincero pelo bem-estar de vocês, pois todos buscam os seus próprios interesses e não os de Jesus Cristo".

(Filipenses 2.20-21).

 

PARA PENSAR

"Mantenha viva a chama do dom de Deus que estáem você(…), pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio. Portanto, não se envergonhe de testemunhar do Senhor".

(2 Timóteo 1.6-8 NVI)

 

PARA VIGIAR

NÃO me afastarei das coisas que aprendi e das quais tenho convicção, pois sei de quem as aprendi.

(2 Timóteo 3.14 NVI)

 

PARA ALCANÇAR

Buscarei "a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão".

(1 Timóteo 6.11 NVI)

 

***

 

Pouquíssimo sabemos sobre Timóteo, o mais conhecido filho espiritual do apóstolo Paulo.  E o que sabemos vem do Novo Testamento,[136]uma vez que a tradição pouco nos legou sobre ele.

Morador e, provavelmente, natural de Listra, cidade evangelizada por Paulo em sua primeira viagem (Atos 14.6), Timóteo ajudou o apóstolo a escrever as epístolas de 2Corintios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses e Filemon.

Deve ter nascido próximo do ano 17 d.C. e morrido perto do ano 97 d.C.

Não sabemos o nome do seu pai, que era grego (isto é, não era judeu e possivelmente também não era cristão), mas conhecemos o de sua mãe (Eunice) e o de sua avó(Loide), bem como a cidade em que habitavam: Listra (Atos 16.1). A paternidade grega deve ter determinado que não fosse circuncidado.

Paulo o chama de filho na fé, indicando que sua conversão se deu por intermédio da sua palavra na primeira viagem missionária àcidade, na esteira do testemunho de sua mãe e avó(2 Timóteo 1.5). A experiência religiosa de Timóteo deve ter se dado perto dos seus 20 anos de idade

O testemunho do rapaz era tão notável, que os seus irmãos de féo recomendaram fortemente ao visitante Paulo. O apóstolo se interessou por ele e o convidou para ser seu companheiro na obra missionária. Aceito o convite, Paulo providenciou que fosse circuncidado (Atos 15.2) e viesse a se tornar um pregador do evangelho.

Em algum momento, Timóteo foi ordenado na presença do próprio Paulo (1 Timóteo 4.14; 2 Timóteo 1.6). Nos anos que se seguiram, o aprendiz acompanhou o mentor em muitas cidades, como Tessalônica, Corinto, Éfeso, Jerusalém, Roma e Filipos, entre outras, junto com outros colegas. Paulo o tinha como seu mais querido colaborador, ao lado do médico Lucas.

O autor aos Hebreus informa que ele também experimentou a prisão (Hebreus 13.23), tal como seu mentor, talvez quando foi visitá-lo em Roma.

A tradição diz que, tendo sido ordenado como pastor (ou bispo) da igreja em Éfeso, em 55, Timóteo ali continuou atéser martirizado na perseguição movida por Domiciano (81-96) ou por Nerva (96-98). Se isto procede, ele ficou àfrente da igreja por 20 ou 30 anos, podendo também ter ficado como encarregado de superintender as igrejas da Ásia Menor e da Grécia.

O livro apócrifo bem tardio (século 4) dos "Atos de Timóteo" informa que no dia 22 de janeiro de 97, quando estava com 80 anos, Timóteo tentou parar uma procissão pagãde ídolos, cerimônias e canções. Foi furiosamente atacado, arrastado pelas ruas e apedrejado atémorrer. Segundo a tradição, no século 4, seus restos mortais u ctransferidos para a Igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla.

 

FRÁGIL COMO A GENTE

Quando lemos as duas cartas a ele endereçadas, parece-nos que o pano de fundo tem a ver com algumas dificuldades espirituais de Timóteo. Pi

Podemos atéseguir este raciocínio, sempre com a advertência que se tratam de inferências, dependentes de interpretações que podem estar erradas. [137]

"Várias defeitos de caráter têm sido atribuídos a Timóteo. Esses defeitos têm sido inferidos  a partir das orientações e instruções a ele durigidas por Paulo nas Epístolas Pastorais".[138]Essas inferências também não são seguras. De qualquer modo, não podemos exagerar, porque as advertências paulinas podem ter sido fruto do seu cuidado para evitar desvios, não para corrigi-los.

Sobre sua vida, podemos afirmar, com certeza, que Timóteo tinha problemas de saúde, um deles no estômago (1 Timóteo 5.23).

Pensam alguns que ele tinha dificuldade no exercício do seu ministério, por ser considerado jovem demais para a função pastoral (1 Timóteo 4.12).

Pensam outros que ele sofria de alguma dificuldade emocional. Para esses leitores das cartas de Paulo, Timóteo era tímido. Sua timidez o deixava muito sensível e vulnerável às ameaças (1Coríntios 16.1011; 2 Timóteo 1.7-8).

Se as inferências forem precisas e se for verdadeira a tradição que ele enfrentou uma procissão de pagãos, vemos que ele venceu sua timidez. Mesmo que tenha tido estas ou outras dificuldades, podemos concluir que, diante dos problemas, ele continuou servindo a Cristo. Assim, embora tivesse que enfrentar muitas batalhas difíceis, não permitiu que as fraquezas atrapalhassem o exercício de suas tarefas.[139]

 

UM ALUNO APROVADO

A família de Timóteo se assemelha a muitas das nossas. As mulheres têm nomes,  indicando os papéis ativos que desempenhar. Os homens (pai e avô) não são mencionados, indicando que estavam mortos ou eram ausentes na formação dos filhos.

 

1. Timóteo recebeu uma herança familiar bastante positiva (Atos 16.1; 2 Timóteo 1.5)

Ele cresceu sob a influência de uma mãe e de uma avóque eram mulheres de uma fésincera. Elas lhes ensinaram a Bíblia (2 Timóteo 3.14), embora muito possivelmente seu pai não fosse um cristão.

Não hádúvida que "avós, pais e parentes podem exercer um efeito muito positivo na féde seus netos, sobrinhos e primos. Eles podem dar exemplo de fésincera. Eles podem superar o efeitos negativos de um membro da família (como o pai de Timóteo). Eles devem ser modelos no amor e no uso da Bíblia, no ensino e na oração".[140]

Mesmo que não tenhamos famílias ideais, devemos e podermos nos desenvolver nelas. Se somos filhos de pais problemáticos, não devemos nos comportar como vítimas, mas buscar alternativas. Timóteo não tinha um pai presente, mas, quando encontrou Paulo, aceitou-o como seu pai espiritual. Se o seu pai biológico estava vivo, ele o honrou, mas aprendeu com quem podia lhe ensinar uma vida que vale a pena: sua mãe e avóe seu pai espiritual (Paulo).

 

2. Timóteo tinha uma genuína féem Cristo.

Timóteo não tinha apenas a féque seus ancestrais nutriam, mas uma fépessoal, pessoal e genuína. Seus familiares foram seus pedagogos para a fé

Paulo se refere a esta fécomo sendo "não fingida", isto é, com sendo sincera (2 Timóteo 1:5). Sua fése tornou conhecida entre seus irmãos de Listra e chegou aos irmãos de Icônio (distante 96 km e que hoje fica na Turquia), pelo que deram um belo testemunho a seu respeito, impressionando o apóstolo Paulo (Atos 16.2).

Sua fidelidade também se mostrou no preço que se dispôs a pagar por sua fé. Ele tinha convicção de sua fé(2 Timóteo 3.14).

 

3. Timóteo tinha um profundo conhecimento das Escrituras.

Paulo afirma que Timóteo conhecia as Sagradas Escrituras — no caso, o Antigo Testamento (2 Timóteo 3.15). Por isto, confiou-lhe a missão de pastorear a igreja em Éfeso, ameaçada por uma heresia que o seu conhecimento bíblico poderia ser usado para estancar.

 

4. Timóteo tinha um interesse sincero pelas pessoas.

O mais completo elogio paulino a Timóteo estánesta frase, dirigida aos filipenses: "Não tenho ninguém que, como ele [Timóteo], tenha interesse sincero pelo bem-estar de vocês" (Filipenses 2.20).

 

5. Timóteo transigia no que podia e firme no que era necessário.

Um episódio marca bem o caráter de Timóteo (Atos 16.1-5). Ele conheceu o apóstolo Paulo ainda bem jovem, talvez antes dos 20 anos.

Uma visão ainda judaizadora do Cristianismo predominava. Paulo queria levá-lo como companheiro nas viagens missionárias. Como Timóteo não era circuncidado (como se exigia de um judeu) e como Paulo geralmente começava seu trabalho pelas sinagogas, decidiu circuncidar (mesmo que tardiamente) seu filho na fé, jáque seu pai biológico não o fizera.

Estamos falando de Paulo, mas estamos falando de Timóteo, porque ele, certamente, concordou com a decisão do seu mentor. A circuncisão era uma coisa menor, neste caso. Ele podia continuar como estava, mas, se o momento exigia uma concessão, ele concedeu. Timóteo se impôs um sacrifício pessoal para ter mais autoridade (sem escandalizar) para continuar servindo a Jesus, seu Senhor.

Ao mesmo tempo, pelas tarefas que recebeu, podemos concluir que era firme na defesa da fé, quando realmente ameaçada.

 

6. Timóteo se deixava pastorear.

Entre as qualidades de Timóteo, estava a de se deixar pastorear, primeiro por sua mãe e por sua avóe, depois, pelo apóstolo Paulo, que lhe levou em viagens e, distanciados, escreveu-lhes duas cartas (1 e 2 Timóteo). Pastoreável, reconhecia a autoridade moral e espiritual delas e a autoridade moral e espiritual dele.

Timóteo respeitava os mais velhos, sabendo que podia aprender com eles. Ele respeitava sua mãe e sua avóe o seu pai na fé, Paulo, que, por isto, o chamava de filho.

Timóteo, por sua característica de ouvir, tornou-se sinônimo de discípulo. Um aprendiz da fécristãéum timóteo.

Quem aprende tem o que ensinar.

 

7. Timóteo era confiável.

Timóteo conquistou a confiança do apóstolo Paulo, que tinha vários colaboradores, embora fosse um dos mais jovens da equipe.

Ele era o homem de confiança de Paulo. Para tratar da difícil igreja de Corinto, Paulo o enviou (1 Coríntios 4.17-18). Para cuidar da igreja em Éfeso, Paulo o convocou (Atos 19.22). Para lhe ditar as cartas, Paulo recorreu a ela seis das 12 epístolas escritas. Para fortalecer os tessalonicenses, Paulo chamou Timóteo (1 Tessalonicenses 3.2).

Por isto, suas palavra sobre o filho amado e cooperador fiel são verdadeiras:  "Timóteo foi aprovado porque serviu comigo no trabalho do evangelho como um filho ao lado de seu pai" (Filipenses 2.22).

 

APROVADOS COMO TIMÓTEO

 

Podemos ser dignos das mesmas palavras paulinas.

 

1. Não se deixe vencer.

Não se deixe vencer pelas palavras negativas. Talvez Timóteo ouvisse que era jovem demais para a sua missão, mas ele a recebera de Deus. Como ele, se a sua missão émesmo de Deus, siga em frente, não importa o que digam.

Não se deixe vencer pelas dificuldades, sobretudo as emocionais. Não se deixe vencer pela timidez ou pelo medo. Não se deixe levar pela vaidade ou pela presunção. Não murmure. Não reclame. Não se veja como vitima. As vítimas não vencem, porque gastam todas as energias chorando. Os murmuradores não triunfam, porque gastam muito tempo em apontar defeitos nas coisas e nas pessoas. Os reclamadores não vão adiante, porque sempre vão encontrar um obstáculo para lamentar.

Recentemente, soube de um homem que estácom uma cirrose em alto grau. Seu pai era um alcoólatra. Para aliviar seu peso, ele disse:

— A culpa édo papei.

Sua irmão lhe respondeu:

— A culpa ésua. Vocêpoderia resistir, mas se entregou.

Este homem estáolhando para trás.

Timóteo aprendeu a olhar para a frente com Paulo, que escreveu aos filipenses com sua ajuda: prossigo para o alvo (Filipenses 3.14).

 

2. Deixe-se pastorear.

Deixe-se pastorear, lendo ou ouvindo a Bíblia, mesmo ou sobretudo quando ela lhe diz o que vocênão quer ouvir.

A vida de Timóteo foi cercada por tentações, mas Paulo lhe pediu para fugir delas todas (1 Timóteo 6.11).

Timóteo deve estar consciente que, aproximando-se o final dos tempos, os tempos serão mais duros (2 Timóteo 3.1).

Cada um faz e fala o que quer. Timóteo, porém, deve suportar as aflições e ficar firme no seu trabalho (2 Timóteo 4.5).

Apesar dos desvios trilhados por colaboradores de Paulo, ele reconhece que Timóteo preferiu dar o fruto do Espírito Santo (2 Timóteo 3.10).

Hámuitas novidades, nos vários campos da moral e da teologia, mas Timóteo deve permanecer na verdade que aprendeu (2 Timóteo 3.14).

Em síntese, devemos, como Timóteo, ser sóbrios em tudo (2 Timóteo 4.50), se queremos ser dignos da missão que nos foi incumbida e que cada um de nós recebeu (pelo menos uma).

Em muitas recomendações, háum padrão mundano. Timóteo preferiu o padrão divino. Esta deve ser a nossa preferência também, nem que estejamos na contramão.

Ser pastoreado épreferir o "tu, porém" de Deus, em lugar de seguir a matilha do mundo em que vivemos.

Certa vez, uma pessoa a quem eu tentava mostrar que estava errado, disse-me:

— Eu não me submeto. Sempre direi e farei o que eu acho certo.

 

3. Pastoreie outras pessoas.

Uma das grandes qualidades de Timóteo (talvez a maior) era o seu interesse pelos outros. Isto o levou a pastorear, com Paulo e depois sozinho.

Ele aprendeu para ensinar, nesta ordem. Sim, a ordem éimportante, porque hápessoas sempre prontas a ensinar, embora não tenham aprendido.

Isto implica primeiro em praticar exercícios espirituais, vale dizer: orar, ler a Bíblia, meditar e estudar a Palavra (1 Timóteo 4.17). Precisamos de líderes espirituais que nos encorajem na fé. Num dia somos encorajados, no outro encorajamos.

Gaste tempo com pessoas, na igreja e fora da igreja.

Gaste tempo com a sua família. Os pais devem ensinar a Bíblia pessoalmente aos seus filhos, levá-los a uma igreja onde se ensine a Bíblia e viver de tal modo que eles os queiram imitar. Mesmo que um dos cônjuge não seja cristão (ou, se for, mas relapso), aquele que écristão deve assumir o pastorado do casal ou da família. Se apenas os filhos foram alcançados pela graça, devem orar e viver de tal modo que seus pais também vejam que Jesus éo Único.

 

4. Viva de modo digno.

Imagino como o adolescente Timóteo se destacava dos seus colegas no estudo da Bíblia, no interesse pelos assuntos espirituais, na atenção aos mais velhos. Suponho que causasse admiração nos demais, tanto que quando Paulo chegou, apresentaram o garoto ao apóstolo com palavras de puro elogio. Possivelmente Paulo o tenha chamado para a conversa e ficado também impressionado.

Timóteo era o que era e o que era revelava o que Jesus Cristo era. Ele vivia de um modo digno do Evangelho. Sóeste caminho pode ser o nosso.

Viva de tal modo o evangelho de Jesus Cristo, como a mãe e a avóde Timoteo, e que a partir de vocêninguém se afaste da fé.

Se for preciso perder, perca, mas não afaste ninguém da fé.

***

 

ACORDE

 

AUTOCONHEÇA-SE. Se vocêéafoito, sabia que éafoito. Se étímido, saiba que é. Conheça suas forças. Conheça suas fraquezas. Conheça, não necessariamente para continuar sendo assim, mas para mudar, se for necessário.

 

CONFESSE. Admita que, por vezes, tem permitido que seus defeitos falem mais alto que suas virtudes.

 

ORE. Se trabalha numa equipe, ore a Deus para ser leal com os seus companheiros e seus superiores. Se vocêlidera uma equipe, ore a Deus para ser justo e generoso com seus subordinados (como Paulo era com seus elogios a Timóteo e a outros cooperadores).

 

REFLITA: "Lei e evangelho andam juntas, pois a lei sem o evangelho édiagnóstico sem remédio; evangelho sem lei éapenas boas novas de salvação para pessoas que acham que não precisam delas porque nunca ouviram as más notícias do julgamento. A lei não éo evangelho, mas o evangelho não ésem lei". [141]

 

DECIDA. Decida que seráfiel a Deus atéo fim da sua vida, sempre combatendo o bom combate (1 Timóteo 1.18 e 6.12; 2 Timóteo 4.7).

 

EMPENHE-SE. Lute para vencer seus inimigos, sobretudo os internos, como (talvez) fazia Timóteo, diante da sua timidez e do seu medo. Lute para que seus defeitos não lhe levem ao fracasso.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

PENNY, Michael. The man Timothy. Reading: OBT, 2013

 

WIERSBE, W.W. Be faithful: Timothy, Titus and Philemon. Colorado Springs: David Cook, 1981.

 



[1] KIERKEGAARD , S. A. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 237.

[2] Tem razão Kierkegaard, quando diz que "a mais alta paixão do homem éa fé, e nenhuma geração começa aqui em ponto diferente da anterior, cada uma recomeça de novo; a geração seguinte não vai mais longe que a precedente, se foi fiel àsua obra e não a abandonou. (KIERKEGAARD, S.A., op. cit., p. 305). No entanto, embora comece de novo, cada geração pode e deve se inspirar nas experiências das gerações que lhe antecederam.

[3] Kierkegaard pensa que Abraão, durante todo esse tempo [da prova] conservou a fé, acreditou que Deus não lhe queria exigir Isaque, estando, no entanto, disposto a sacrificá-lo se tal fosse indispensável. Acreditou no absurdo, porque tal não faz parte do humano cálculo". KIERKEGAARD, S.A., op. cit., p. 219.

[5] Cf. WALLACE, Ronald. Aí vem o sonhador. São Paulo: Vida, 2004, p. 15.

[6]MEIER, Levi. Moses: the prince, the prophet. Woodstock: Jewish Lights, 1998.

[7]STEDMAN, Ray. Citado ad tempora por SWINDOLL, Charles. Moses: a man of selfless dedication.Nashville: Thomas Nelson, 1998.

[8]Não há um consenso sobre as datas de Moisés. A mais tradicional para o seu nascimento é 1525 A.C., com a morte ocorrendo em 1405 A.C..

[9]MOODY, D.L. Citado por SWINDOLL, Charles, op. cit.

[10]Cf. Êxodo 7.7.

[11]MEIER, Levi, op. cit.

[12]Cf. 1Crônicas 4.17.

[13]MEYER, F.B. The call of Moses. [S.l.:] Light by Design, [s.d.]. Edição eletrônica.

[14]MOODY, D.L., op. cit.

[15]MOODY, D.L., op. cit.

[16]Não temos um texto bíblico específico que nos autorize a fazer tal afirmativa, mas o contexto geral da história nos indica fortemente esta possibilidade.

[17]MEIER, Levi, op. cit.

[18]MEIER, Levi, op. cit.

[19]MEIER, Levi, op. cit.

[20]MEIER, Levi, op. cit.

[21]MEYER, F.B., op. cit., p. 100.

[22]MEYER, F.B., op. cit..

[23]MEIER, Levi, op. cit.

[24] PETERSON, Eugene H. Transpondo muralhas. Rio de Janeiro: Habacuc, 2004, p. 37.

[25]Formulam alguns a hipótese que Davi era um filho bastardo, quando diz que foi concebido em pecado no Salmo 51.5.

[26] PETERSON, Eugene H., op. cit., p. 23.

[27] Esta cronologia está baseada em GROSS, William H. Chronology of King David’s Life. Disponível em <http://livingstonesclass.org/Archive/DavidChronologyGross.pdf.>

[28] MEYER, F.B. David, shepherd, psalmist, king. [S.l.:] Light by Design, [s.d.].

[29] LICHTENWALTER, Larry. David: dancing like a king.Review and Herald, 2005. Kindle edition.

[30] PETERSON, op. cit., p. 237.

[31] PETERSON, Eugene H., op. cit., p. 185.

[32] KINGSLEY, Charles. David. [S.n.t.:], p. 10. Edição eletrônica.

[33] PETERSON, Eugene H., op. cit., p. 122.

[34] MEYER, B.F., op. cit.

[35] MEYER, F.B., op. cit.

[36] A expressão (trabalho de rei) é de Peterson e significa todo trabalho verdadeiro, que é aquele fazemos como uma obra para Deus, não importa o que seja. Afinal, "o  trabalho deriva de Deus e a representa". PETERSON, Eugene H., op. cit., p. 55.

[37] WIERSBE, Warren. Be decisive (Jeremiah). Coloroado Springs: David Cook, 1990, Kindle edition, pos. 3577.

[38]Estou seguindo a cronologia aplicada por HOLLADAY, William L. Jeremiah.Minneapolis: Fortress, 1990.

[39]ARMSTRONG, Karen. The great transformation.London: Atlantic, 2006, pos. 775.

[40] ARMSTRONG, Karen, op. cit., pos. 3319.

[41] ARMSTRONG, Karen, op. cit., pos. 3313.

[42] Jeremias 14.2-6.

[43] Jeremias 11.18-23; 15.15-19; 17.5-8; 18.18-23

[44] BAXTER, J. Sidow, loc. cit.

[45]BAXTER, J. Sidow. Citado por SHULTZ, John. Commentary to the Book of Jeremiah. Edição eletrônica, p. 1.

[46] WIERSBE, W.W.,, op. cit,. pos. 3595.

[47]Ezequiel 2.8; cf. Jeremias 15.16.

[48] Isaías 53.7 versus Jeremias 11.19.

[49] Jó 3 versus Jeremias 12.1-3; Jó 9 versus Jeremias 12.1-3.

[50] Mateus 21.13 versus Jeremias 7.11.

[51] Jeremias 35.

[52] SCHAEFFER, F. Death in the city. Citado por PARSON, John J. Jeremiah and Jesus. Disponível em <http://www.hebrew4christians.com/Holidays/Summer_Holidays/Tishah_B_Av/Jeremiah/jeremiah.html>

[53] HALLADAY, William., op. cit., p. 161.

[54]Eis a lista: Jeremias 10.6-7; 10.23; 10.24-25; 12.1-4;  14.7-9; 15.15-18; 16.19-20; 17.13-18; 18.19-23; 20.7-12 e 32.17-25.

[55]Leia-as em Lamentações 1.20-22; 2.20-22; 3.42-48; 3.55-66 e 5.1-22.

[56] Jeremias 10.6 — Bíblia Viva

[57] Jeremias 10.23

[58] Jeremias 10.24.

[59] Jeremias 12.1 — Tradução brasileira

[60] Jeremias 14.7.

[61] Jeremias 15.18.

[62] Jeremias 15.18.

[63] Jeremias 16.19.

[64] Jeremias 17.13.

[65] Jeremias 18.19.

[66] Jeremias 20.7.

[67] Jeremias 32.25.

[68] HALLADAY, William., op. cit., p. 160.

[69] Jeremias 11.5.

[70] HALLADAY, William., op. cit., p. 2.

[71] ARMSTRONG, Karen, op. cit., pos. 3325.

[72] ARMSTRONG, Karen, op. cit., pos. 3325.

[73] WIERSBE, W.W., op. cit., p. 154.

[74] ARMSTRONG, Karen, op. cit., p. 3245.

[75] WIERSBE, W.W., op. cit., pos. 3677.

[76] WIERSBE, W.W., op. cit., p. 82.

[77] SPURGEON, C.H.  Sermons and Devotionals on Daniel. Disponível em <http://www.preceptaustin.org/spurgeon_on_daniel.htm>.

[78]Este relato decorre de inferências, sendo, portanto, um esforço de ficção. Todos os nomes e datas, no entanto, são históricos.

[79]Mais tarde, em 586, Nabuconosor mandou buscar o resto dos vasos e talheres, cf. 2Crônicas 36.18.

[80] Até aqui, nesta síntese, segui GUZIK, David. Daniel: verse by verse commentary. Santa Barbora, CAL: edição do autor, 2012, pos. 1369

[81] MACNIGHT, Scot. Real Mary. Brewster, MA: Paraclete, 2007, pos. 1112.

[82]Todas as datas são estimadas. A do nascimento e a da morte não têm qualquer evidência bíblica. As demais, embora não mencionadas, estão fincadas nos Evangelhos.

[83] A tradição indica a morte de José como tendo ocorrido por volta deste ano. Os evangelhos deixam clara a inferência que, quando Jesus começou seu ministério, o marido de Maria já estava morto.

[84]Quem dá esta data é Hipólito de Tebas (no século VII).

[85] Lembremos, então, que o Evangelho de Lucas menciona Maria frequentemente, 12 vezes no contexto da infância (1.27,30,34,38,39,41,46,56; 2.5,16,19,34).

Mateus refere-se a ela pelo nome cinco vezes, quatro para contar a infância de Jesus (1.16,18,20; 2.11) e uma vez na vida adulta (13.55).

Marcos chama-lhe pelo nome uma vez (6.3) e a menciona com mãe de Jesus outra vez (3.31).

João fala dela duas vezes (João 12.1-12 e 19.25-26).

Lucas dita seu nome junto com os irmãos de Jesus, no contexto da espera pelo Pentecostes (Atos 1.14).

[86]É próximoo que Jesus faz com o bar-Mitzvah, que seria um prática ritualizada entre os judeus, mas só a partir da idade Média e, ainda assim, quando o menino faz 13 (não 12) anos. É possível seja muito antiga, no entanto, a ideia do bar-Mitzvah, quando o garoto passava a ser considerado responsável por seus atos.

[87] A tradição católica, sobretudo a romana, faz a história de Maria atravessar os séculos. A partir de crenças populares, foi tornada a rainha dos céus (título talvez herdado da Babilônia, cf. Jeremias 17.18 e 44.17-25), com a Igreja Católica elaborando quatro doutrinas a respeito dela:

1.    "Virgindade perpétua de Maria" — Maria foi virgem antes, durante e depois do nascimento de Jesus. Esta doutrina vem do século III.

2.    "Theotokos" (mãe de Deus) — Como Jesus foi gerado pelo Espírito Santo, no ventre de Maria, ela foi chamada de "Mãe de Deus", no Concílio de Éfeso (431).

3.    "Imaculada conceição" — Maria mesma foi concebida (por Ana e Joaquim) sem pecado, como ensinou o papa Pio IX (1854).

4.    "Assunção aos céus" — A exemplo do seu filho, Maria ascendeu aos céus. A doutrina foi aprovada por Pio IX, em 1950.

Para uma história da mariologia, veja-se o bem completo GRAEF, Hilda. Mary: history of doctrine and devotion. Notre Dame, IN: Ave Maria Press, 2009.

[88] As virtudes da mãe de Jesus são sublinhadas em AZEVEDO, Israel Belo. Aprendendo com Maria. Rio de Janeiro: Prazer da Palavra, 2008. (Edição eletrônica. amazon.com.br.)

[89] MACNIGHT, Scot. Real Mary. Brewster, MA: Paraclete, 2007, pos. 106.

[90] MACNIGHT, Scot, op. cit., pos. 189.

[91] MACNIGHT, Scot, op. cit., pos. 1112.

[92] MACNIGHT, Scot, op. cit., pos. 1213.

[93] LEPORI, Mauro-Giuseppe. Simon, called Peter. San Francisco: Ignatius, 2010, p. 16.

[94] MEYER, F.B. The life of P: Fisherman, Disciple, Apostle. Edicao eletrônica.

[95] Cf. AUSTIN-SPARKS, T. The significance of the person and ministry of the apostle Peter. Edição do autor, [s.d.], p. 34.

[96] KING, Robert Alan. A biography of saint Simon Peter the apostle; from fisherman to martyr. Casa Grande: King & Associates, 2012. pos. 803.

[97] RUVOLO, Carol. Footprints of the fisherman. [S.l.]: Deo Volente, [s.d.]. pos. 2791.

[98] ROSSON, M.E. Sandals in the dust. New York: BookSurge, 2005, pos. 297.

[99] KING, Robert Alan. A biography of saint Simon Peter the apostle; from fisherman to martyr. Casa Grande: King & Associates, 2012. pos. 166.

[100] LEPORI, Mauro-Giuseppe, op. cit., p. 14.

[101] RUVOLO, Carol, op. cit., pos. 143.

[102] KING, Robert Alan, op. cit., pos. 301.

[103] O perfil de Pedro foi traçado em KING, Robert Alen, op. cit.

[104] WELLMAN, Jack. Apostle Peter Biography: Timeline, Life, and Death. Disponível em <http://www.whatchristianswanttoknow.com/apostle-peter-biography-timeline-life-and-death>.

[105] LEPORI, Mauro-Giuseppe, op. cit., p. 23.

[106] WELLMAN, Jack. Apostle Peter Biography: Timeline, Life, and Death. Disponível em <http://www.whatchristianswanttoknow.com/apostle-peter-biography-timeline-life-and-death>.

[107] RUVOLO, Carol, op. cit., pos. 139.

[108]PEAK, A.S. The quintessence of Paulinism; a lecture delivered at the John Rylands library on the 11th of October, 1916.

[109] MEYER, F.B. The life of P: Fisherman, Disciple, Apostle. Edicao eletrônica.

[110] Possivelmente estudou o Midrashim, exposições das Escrituras hebraicas; o Halacha, os costumes acrescentados pelos rabinos às Escrituras, e a Haggadah, com exegese das Escrituras. Deve ter também decorado a Torah, os salmos e alguns profetas, além do Targums, os quais devia poder traduzir do hebraico para o aramaico.

[111] Damasco é a cidade mais antiga do mundo continuamente habitada, tendo participado da vida de Abraão (como atesta Gênesis 14.15)

[112]Como conclui Picirilli, "se Paulo não era membro do Sinédrio antes de sua conversão a Cristo, era, no mínimo, um auxiliar confiável deste colegiado. PICIRILLI, Robert E. Paul, the apostle. Chicago: Moody Press, 1986, pos. 781.

[113] RUDEN, Sarah. Apóstolo Paulo. São Paulo: Benvirá, 2013, p. 92.

[114] RUDEN, Sarah, op. cit., p. 11.

[115] RUDEN, Sarah, op. cit., p. 11.

[116] RUDEN, p. 205. RUDEN, Sarah. Apóstolo Paulo. São Paulo: Benvirá, 2013, p. 205.

[117]Como suporte, Paulo usava o pergaminho (cf. Timóteo 3.14) e principalmente o papiro, feito de folhas, sobre a qual se escrevia com tinta e que era mais fácil e barato. Cf. PICIRILLI, Robert E., op. cit.,. p. 1858.

[118] BRUCE, F.F.  Paulo: o apóstolo da graça. São Paulo: Shedd, 2003, p. 448.

[119] PICIRILLI, Robert E., op. cit., pos. 1630.

[120] A cronologia de Paulo é bastante discutida. Uma boa síntese encontramos em CAIN, Rick. The Story of Paul the Apostle and the Early Church. Disponível em <http://www.vawebworks.com/eMinistry/ApostlePaul01.asp. Excelente é também a tábua encontrada em Apostle Paul. Disponível em <http://www.biblestudy.org/apostlepaul/timeline-life-of-paul-from-birth-to-first-missionary-journey.html>. Em dúvida, seguimos sempre BRUCE, F.F., op. cit.

[121] Cf. BRUCE, F.F., op. cit., p. 451.

[122] As conclusões, aqui simplificadas, estão ao longo de RUDEN, Sarah, op. cit.

[123]CLEMENTE DE ROMA. Carta aos Coríntios, 5.7.

[124] A expressão feliz é de BITTENCOURT, B.P. A personalidade viva de Paulo. São Bernardo: Faculdade de Teologia, 1964. Há edição mais recente: São Paulo: Reflexão,  2013.

[125]JACKSON, Wayne. Some Character Traits of Paul, the Apostle. Disponível em <https://www.christiancourier.com/articles/1385-some-character-traits-of-paul-the-apostle.

[126] BITTENCOURT, B.P., op. cit., p. 51-52.

[127] PEAK, A.S. The quintessence of Paulinism; a lecture delivered at the John Rylands library on the 11th of October, 1916.

[128] BITTENCOURT, B.P.,  op. cit., p. 34-38.

[129] BRUCE, F.F., op. cit., p 130.

[130] BITTENCOURT, op. cit., p. 40.

[131] BRUCE, F.F., op. cit., p. 359.

[132] BITTENCOURT, op. cit., p. 42.

[133] BITTENCOURT, op. cit., p. 45.

[134] BRUCE, F.F., op. cit., p. 80.

[135] RUDEN, Sarah, op. cit., 209.

[136]Encontramos as seguintes referências diretas a Timóteo no Novo Testamento: Atos 17.14; 18.5; 19.22; 20.4; Romanos 16.21; 1Coríntios 4.17; 16.10; 2 Coríntios 1.1,19; Filipenses 1.1; 2.19; Colossenses 1.1; 1Tessalonicenses 1.1; 3.2,6; 2Tessalonicenses 1.1; 1 Timóteo 1.2,18; 6.20; 2 Timóteo 1.2; Filemon 1.1; Hebreus 13.23.

[137]RUTHERFURD, John. Timothy. Em: ORR, James, ed. International Standard Bible Encyclopedia.1915. 

[138]RUTHERFURD, John, op. cit.

[139]KACHELMAN Jr, John L. Timothy, a man of character. Disponível em <http://www.churchesofchrist.net/authors/John_L_Kachelman_Jr/phil11.htm>

[140]STONE, Bob. A Minister in the Making. Disponível em <http://www.eagleflight.org/character-studies/timothy-a-minister-in-the-making>

[141] WIERSBE, W.W. Be faithful; Timothy, Titus and Philemon. Colorado Springs: David Cook, 1981, p. 24.