CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE DE PLANTÃO

Tendemos a pensar que a crise, quando a vivemos, é a pior de nossa história, seja pessoal, organizacional ou nacional.
Precisamos nos lembrar que precisamos do tempo decorrido para compreender o tempo vivido.
No caso brasileiro de 2016, e talvez os crivos se aplicam a tantos outros contextos, dada a natureza humana, devemos pressupor que a crise decorra do encontro de alguns vetores.
O primeiro vetor é o econômico. Nossa análise do cenário em que vivemos tem a ver completamente com a largueza ou a estreiteza do dinheiro com o qual consumimos ou planejamos consumir. Ninguém precisa nos dizer que os preços dos produtos e serviços aumentaram e que impostos mais altos nos são impostos. Todo o nosso olhar crítico advenha da crise da economia. Se estivéssemos bem, em termos de empregos e salários, seriam muitos os que iríamos à praia para nos divertir e não para protestar.  
O segundo é o moral. O modo de fazer política no Brasil é imoral. A cada legislatura, nosso cansaço só aumenta. Felizmente, decidimos dar voz ao nosso então calado cansaço. Acompanhamos o julgamento do chamado "mensalão", desenrolado no palco do Supremo Tribunal Federal, liderado por Joaquim Barbosa, mas não ficamos satisfeitos com as penas. Agora acompanhamos os vereditos que vêm da primeira instância (sim, primeira instância, não nos esqueçamos) em Curitiba pela caneta de Sérgio Moro. Queremos mais: que as penas sejam duras e sejam cumpridas. A nossa história não é muito animadora neste sentido, mas o nosso clamor conta. Uma prova é a decisão do Supremo de que uma pena imposta colegiadamente (segunda instância) deve ser cumprida, enquanto os recursos (muitos simplesmente para protelar a execução) continuam sendo interpostos. Cansamos de impunidade. Dizemos que queremos uma outra forma de fazer política. Fizemos bem. Fazemos bem.
O terceiro vetor é o político. Se é verdade que as últimas eleições foram vencidas com base na mentira, também é verdade que o perdedor começou uma imediata campanha pela derrubados da vencedora, como se não aceitasse a derrota ou desqualificasse os eleitores a favor de quem venceu. A força dos perdedores gerou um cenário de desconfiança tal que a vencedora ainda não conseguiu governar, em parte por sua incompetência, em parte pela corrupção do seu partido e em parte pela desconfiança que se generalizou. O chamado "mercado" queria o outro, o que perdeu. A desconfiança do "mercado" junto com o grito acusatório do perdedor contaminaram a sociedade, começando pela psicologia e desembarcando como um pesadelo sobre a economia.
Esses três vetores poderiam gerar mudanças significativas, que pode incluir a defenestração do atual governo executivo. Se acontecer, teremos que suportar o governo legislativo, que também escolhemos.
Diante do cenário, certo ou incerto, precisamos trilhar por algumas pistas.
 
Devemos nos lembrar que mudanças não acontecem de uma hora para outra, senão as das cadeiras, quando nada muda, a não ser os nomes dos que se assentam nelas. Mudança real demora e cobra um preço. Cabe-nos perguntar se queremos pagar o preço.
Cuidemos para não heroicizar este ou aquele ator no processo de mudança no qual nos inserimos. Não vamos aplaudir porque todos aplaudem. De igual modo, encontrada uma "Geni", não vamos apedrejá-la em praça pública. Os melhores seres humanos carregam interesses menores. Os piores seres humanos podem estar cheios de boas intenções. Os heróis ou as vítimas saem de cena como entraram; é da natureza midiática da vida urbana.
Não temos que seguir a maioria. Não temos que ir aonde todos vão Não temos que pensar como todos pensam. Não sejamos julgados pela maioria, mas pela nossa consciência. Não sejamos superficiais, mas cuidadosos. Se a maioria grita "crucifica-o", não temos que entrar para o mesmo coro.
Não temos que nos pautar pelo noticiário ou pelas mensagens trocas pelas redes sociais. Na medida do possível, precisamos olhar para o que está por trás da informações, seja o comercial (a notícia precisa vender), seja o ideológico (todo ator social, inclusive o meio de comunicação, está a serviço de uma causa, desde que não prejudique o seu negócio). É da natureza das coisas. Deve ser nosso cuidado olhar a embalagem e a validade do que consumimos, de produtos a notícias, de serviços a espetáculos.
Não temos que pensar apenas no nosso bem-estar. Se dizemos que o nosso grito é o grito de todos (afinal, "somos povo" e somos mesmo), temos que visar o bem de todos, não só o da nossa classe social, por mais legítimo que o nosso seja.
Não temos que abrir mão da utopia. Não temos que aceitar ser governados pelo mercado. O mercado é um dos atores, mas não pode ser o predominante. Não temos que aceitar como natural a desigualdade, tanto de oportunidades quanto de serviços. Deve haver outro modo de fazer e distribuir os recursos naturais e econômicos. Não temos que aceitar como único o modo predominante de fazer política, onde só cabem os ricos e os famosos, não os bons e competentes. Deve haver outro modo de fazer política. Não temos que abrir mão da esperança, achando que o pior é melhor para nós. Não fomos chamados para o conformismo, mas para o radicalismo. Se é verdade que o mundo jaz nas trevas, também é verdade que somos enviados ao mundo para empurrar essas trevas para longe. O radicalismo inclui mudanças que nos incluam. É bom gritarmos "basta", mas temos que ir além do grito para os outros.
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO