GEMIDOS (Sylvio Macri)

Em um pequeno trecho da carta do apóstolo Paulo aos Romanos – capítulo 8, versículos 22 a 26 – o verbo “gemer” e o substantivo “gemidos” aparecem três vezes: nos versículos 22, 23 (gemer) e 26 (gemidos). Segundo o dicionário, gemer tem o sentido de exprimir sofrimento com sons plangentes, soltar queixas, lamentações, sussurrar, murmurar em tom plangente; gemido é o ato de gemer. Não é por acaso que essas palavras são usadas por Paulo nessa passagem. Na verdade, elas aparecem numa sequência que é interessante analisar, há uma notável progressão do gemer da criação para o gemer do crente e para o gemer do Espírito de Deus. “A situação de angústia e sofrimento do tempo presente leva a três gemidos, na esperançosa expectativa da glória divina: o gemido da criação, o nosso próprio gemido e o gemido do Espírito Santo.” (Bíblia Brasileira de Estudos, Hagnos, SP, 2016, p.1584).

Podemos considerar essa passagem sob a perspectiva de Romanos 12:1,2, em que o apóstolo Paulo diz que para termos uma comunhão correta com o Senhor não devemos conformar-nos com este mundo. Em Romanos 8.20-22, Paulo diz que a criação foi sujeita à “inutilidade” e ao “cativeiro da degeneração” e por isso “geme e agoniza até agora, como se sofresse dores de parto”. Quer dizer, a criação também não se conforma com a degeneração provocada pelo pecado, e anseia pela libertação escatológica. É interessante observar que a expressão “dores de parto” aponta para esse sentido escatológico. Após as dores de parto vem a alegria de ter dado à luz. Já em Isaías 65:17,18 aparece essa expectativa: “Crio novos céus e nova terra; e as coisas passadas não serão lembradas, nem serão mais recordadas. Mas alegrai-vos e regozijai-vos para sempre no que eu crio.” Na plenitude dos tempos Deus fará convergir em Cristo todas as coisas, no céu e na terra (Ef.1.10).

Escrevendo aos coríntios, Paulo já mencionara que os servos de Deus, enquanto neste mundo, gemem e sofrem, até que aquilo que é mortal seja revestido da imortalidade (2Co.5.4), quando soar a última trombeta (1Co.15.52). Em Romanos ele diz que juntamente com a criação nós também gememos em nosso íntimo, pois apesar de termos o selo de garantia do Espírito (são apenas primícias), ainda aguardamos ansiosamente a redenção do nosso corpo (Rm.8.23). A esperança que temos para além desta vida (1Co.15.19) nos permite aguardar essa redenção com paciência, pois fomos salvos na esperança (Rm.824,25). Por isso, “os sofrimentos do presente não podem ser comparados com a glória que será revelada em nós” (Rm.8.18). Os gemidos do presente nada mais são, portanto, do que a expressão da nossa perplexidade diante dos sofrimentos e adversidades desta vida, muitas vezes incompreensíveis, e somente aceitáveis pela fé em Cristo.

“Assim como na justificação há o paradoxo do pecador justificado pela fé, assim também aqui temos o paradoxo dos filhos de Deus em completa harmonia com a criação. As fraquezas não são meras falhas espirituais, mas descrições da condição humana.” (Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vida Nova, SP, 1983, Vol. IV, p.346). Nossa fraqueza, que são as nossas limitações no tempo presente, faz com que não saibamos como orar (literalmente, “o que orar”). O Espírito Santo, então, nos socorre nessa fraqueza, intercedendo por nós com gemidos que não se expressam com palavras (literalmente, “gemidos profundos demais para palavras”) (Rm.8.23). Por assim dizer, o Espírito corrige e conserta nossas orações imperfeitas e incompletas. Quando elas chegam ao trono da graça são aceitas por “aquele que sonda os corações” e “sabe qual é a intenção do Espírito”, pois tal intercessão as torna adequadas à vontade de Deus (Rm.8.27). No fim, tudo dá certo para aqueles que amam a Deus e são chamados segundo o seu propósito (Rm.8.28).

A criação geme, os filhos de Deus gemem, o Espírito geme, mas um dia isso acabará. “Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram.” (Ap.21.4).

Pr. Sylvio Macri