Um dos aspectos mais relevantes para a sociedade são os reflexos da pandemia nos contratos firmados pelos fiéis das Igrejas e Organizações Religiosas, que na vida civil são cidadãos brasileiros e consequentemente tem direitos e obrigações legais a cumprir diante da sociedade, na medida em que a denominada Legislação de Emergência, emitida pelo Governo Federal, tem sido direcionada para relações administrativas, tributárias, trabalhistas, fiscais etc, ou seja, na regulamentação das obrigações das pessoas físicas e pessoas jurídicas com os governos, nos nível federal, estadual e municipal, priorizando-se os deveres tributários, mas não tem resguardado as pessoas e nem as organizações, em suas relações contratuais privadas.
Neste sentido temos percebido imensas dificuldades de pessoas que estão em situação de isolamento social, sejam empresários, profissionais liberais, autônomos e/ou empregados que tiveram seus rendimentos financeiros reduzidíssimos, alguns, segundo a mídia, em nível de 30% (trinta por cento) da renda anterior a decretação do Estado de Calamidade Pública, e, outros, que tiveram seu negócio inviabilizado, contrato de trabalho suspenso, jornada reduzida, férias compulsórias, muitos induzidos a trabalhar remotamente, sem estrutura tecnológica, ou, perderam seus postos de trabalho, e estão em situação financeira precaríssima, necessitando de ajuda de terceiros, tais como Família, Igreja, ONGs, Empresas, Auxilio Governamental etc.
Entretanto, os compromissos financeiros do cidadão brasileiro não tiveram a mesma sorte de seus rendimentos, ou seja, as contas permanecem chegando, e no mesmo nível ou maior, tais como consumo de energia elétrica, telefone, gás, celular, utilização da internet, conta de água, compras caseiras, alimentação, bem como, aluguel, condomínio, carnês de aquisição de bens móveis, mensalidades escolares, planos de saúde, prestação de imóvel ou do carro, cartão de crédito, financiamento habitacional, empréstimos bancários, e, ainda, outros que, apesar da pandemia, mantiveram integralmente, sem qualquer desconto para o usuário, os preços cobrados, como combustível, passagens de ónibus, trens, metrôs, barcas, pedágios, taxas de cartórios, valores cobrados por repartições públicas para prestação de serviços virtuais, serviços funerários, custas de processos administrativos ou judiciais físicos ou digitais etc.
Daí a relevância do fiel que é cidadão de duas pátrias, tendo obrigações e prerrogativas com os negócios desta vida, estar atento para os contratos vigentes, para que, em alguns casos ter o cuidado de negociar, seja para pagar um débito, seja para receber um crédito, no período da pandemia, onde todos os agentes produtivos privados atuantes na sociedade estão tendo dificuldades de manter sua formatação para angariar recursos ou para pagar contas em dia, por isso, a importância da flexibilidade neste tempo, como o próprio Judiciário Pátrio já tem reconhecido, em alguns casos extremados, comprovado o prejuízo, reduzindo drasticamente o compromisso legal da parte devedora, mas garantindo também a sobrevivência do credor.
A sociedade brasileira está na expectativa da adoção de medidas legais, inclusive para servir de exemplo, pelos integrantes do alto escalão de representação da República brasileira, do Poder Executivo, do Poder Legislativo, e do Poder Judiciário, além de Funcionários Públicos Federais, Estaduais e Municipais etc; excetuando-se os que percebem até 02 tetos do RGPS, parâmetro adotado na Medida Provisória 936/2020, avalizada pelo Supremo Tribunal Federal, para que também deem sua importante contribuição em seus holerites, participando efetivamente neste momento de fragilidade pecuniária da sociedade, aplicando-se por extensão igualitária a todos os cidadãos brasileiros, inclusive, trabalhadores públicos, a cota sacrificial financeira aplicada aos trabalhadores privados, no princípio da equidade solidária social; destacando-se a recente Lei Federal que manteve os vencimentos dos servidores estatais nos valores atuais, vedando aumentos do funcionalismo público até dezembro/2021.
É de se destacar que não foram reduzidos tributos, em qualquer nível, nem pelo Governo Federal, nem pelos Governos Estaduais, e, nem pelos Governos Municipais, ou mesmo por Órgãos Públicos ou Privados, que prestam serviços, bem como, não houve até aqui nenhum tipo de anistia, isenção ou perdão, na cobrança de impostos, taxas ou contribuições estatais, e sim, foram adotados programas de postergação de pagamentos, tudo será cobrado, só que, em alguns casos, e são pouquíssimos, houve uma extensão ao prazo de pagamento, ou, ainda, foram criados programas de financiamentos para empresários, por banco públicos e bancos privados, que só são úteis para quem estiver com o cadastro de financeiro regular; ressaltando-se o auxílio financeiro emergencial que está sendo pago pelo Governo Federal, por alguns Governos Estaduais, e, alguns Governos Municipais aos mais vulneráveis socialmente.
Neste diapasão o Congresso Nacional enviou, em 21 de maio de 2020, ao presidente da República o Projeto de Lei n° 1.179/2020, aprovado pela Câmara de Deputados e pelo Senado Federal, que institui o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório”, o qual é uma tentativa de acomodar situações jurídicas nas relações privadas, exatamente flexibilizando direitos e deveres dos atores sociais, contudo, só direcionados praticamente para as relações entre os particulares, isentando, mais uma vez, as relações públicas com os governos, num mote de provimento de segurança jurídica, onde destacam-se alterações, entre outras, na legislação do consumidor, na relação entre locadores e locatários, numa busca da pacificação social, pois, estudiosos tem dito que as consequências legais da pandemia deverá perdurar por anos.
Um dos aspectos relevantes deste PL 1.179/2020, que aguarda sanção do presidente da República, e que se não for vetado, no todo ou em parte, interessa as Igrejas e Organizações Religiosas, é o estabelecido no: “(…) Art. 4º As pessoas jurídicas de direito privado referidas nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais até 30 de outubro de 2020, durante a vigência desta Lei, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais. Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica. Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial. (…)”.
Enfatize-se que as Organizações Religiosas, estão enquadradas no inciso IV do artigo 44 do Código Civil, porém, possuem natureza jurídica associativa, aplicando-se a todas as Organizações Associativas os regramentos específicos esculpidos nos artigos 44 a 52, e, por analogia, os artigos genéricos estabelecidos nos artigos 53 a 61 do Código Civil/2002, concernentes para as pessoas jurídicas de direito privado, e neste caso, isso é altamente positivo, especialmente para aquelas que não adequaram seus Estatutos Associativos após a nova Ordem Jurídica Nacional implementada pelo Código Civil/2002, com as Alterações da Lei 11.127/2005, ou atualizaram seus Atos Constitutivos mas não usufruíram do direito de se auto-regulamentar, fixando seu “Direito Próprio”, que é uma proposição comparativa com o Direito Canônico, este aplicável exclusivamente as Relações Eclesiásticas na Igreja Católica Apostólica Romana, e, assim, não estabeleceram em seus Documentos Legais a faculdade para realização de Reuniões Administrativas ou Assembleias Virtuais, como orientamos na obra: “O Novo Direito Associativo”, Grupo GEN, à qual presenteamos, à época do lançamento, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Marco Aurélio Farias de Melo, em Brasília/DF.
Nesta temática da promoção de encontros deliberativos digitais, neste livro de nossa autoria, publicado em 2007, registramos, à luz da Legislação Civil vigente, à partir de 2003, “(…) Num tempo em que se necessita buscar meios tecnológicos e soluções criativas como a utilização da internet, celulares, satélites etc., uma novidade vem ganhando adeptos no meio jurídico e pode superar obstáculos com tranquilidade, eis que não possui vedação expressa na lei civil: é o chamado voto eletrônico. Essa forma de votação, que deve constar do estatuto, facilita a participação dos associados em qualquer quantidade e distância, em atendimento à determinação do Código Reale. (…)”, os quais já tem sido utilizados por diversos grupos.
Prosseguimos nas considerações que, em 2007, ou seja, há quase 15 anos atrás, fizemos, sobre o uso de equipamentos eletrônicos nos conclaves assembleares das Organizações Associativas, “(…) Não será por falta de meios tecnológicos que as grandes organizações associativas, tanto em extensão territorial como em número de associados e, por consequência, com excepcionais condições de implantar sistemas de colher votos a distância, como voto digital, teleconferência, celulares programados etc., além do já utilizado voto por correspondência, para que seus associados possam efetivamente participar das assembléias deliberativas, sendo responsabilizados pelos destinos da instituição da qual são co-partícipes. (…)”.
A pandemia vai passar, mas seus reflexos no sistema público de saúde, que se demonstrou totalmente despreparado, eis que, sem os investimentos necessários das Autoridades Nacionais em todos os níveis, Federal, Estadual e Municipal, para socorrer a população, principalmente a menos aquinhoada, oportunizou que um vírus letal tenha provocado tantos doentes sem tratamento, e, um número expressivo de óbitos por todo o país, bem como, os reflexos nas relações contratuais privadas nas vidas dos fiéis, provocadas pelo necessário isolamento social por imposição legal, por todos os administradores brasileiros, competência concorrente reconhecida pelo STF, vai demorar algum tempo até a sociedade encontrar um ponto de equilíbrio, para o partilhamento dos prejuízos sociais, humanitários e econômicos.
Neste tempo o Judiciário é um dos poderes que já está sendo constantemente acionado para resolver conflitos sociais que tem ocorrido durante pandemia, e os que advirão no pós-pandemia, sendo relevante que os credores e devedores, sobretudo os privados, busquem a salutar conciliação, quando for o caso, recorrendo a profissionais do direito, para dar suporte as negociações paritárias, evitando-se litigância judicial; pois, teremos ainda muitas Ações Judiciais fruto dos dissensos contratuais públicos e privados, que necessitarão ser pacificados; e, especialmente em relação a Autoridades Públicas, sobretudo em atuações denunciadas pelos cidadãos como exacerbadas, que podem ter ensejando em “Abuso de Autoridade”, carecendo verificar-se se extrapoladas as balizas legais, asseguradas na Constituição Cidadã de 1988, que, continua vigente, apesar da pandemia, pois vivemos num Estado Democrático de Direito, fundamento estruturante, há mais de trinta anos, da República Federativa do Brasil.
“Quando possível, no que depender de vós, tendes paz com todos os homens”. (Rom. 12:18)