2020 – UM ANO (SUPOSTAMENTE) PERDIDO? (Sylvio Macri)

Um antigo sucesso do cantor e compositor Belchior, já falecido, tornou-se uma espécie de hino nas redes sociais dos jovens brasileiros. Trata-se da música “Um sujeito de sorte” e seu refrão: “No ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”, frase que, na verdade, não é originalmente dele, pois a tomou de empréstimo de Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, cordelista e repentista paraibano da primeira metade do século passado. O refrão é uma celebração do término de um ano que a maioria considera perdido e um voto de esperança para o novo ano.

Mas, será que o ano que passou foi totalmente perdido?

Com o título acima não estamos querendo minimizar as imensas perdas ocorridas em 2020, nem menosprezar o sofrimento de milhões de seres humanos nos 12 meses passados, mas queremos pensar na verdade de que nenhuma experiência humana é totalmente perdida. Aprendemos com nossas dores, nossos erros, nossa miséria, nossas derrotas, nossas impossibilidades.

Não se pode considerar como totalmente perdido um ano em que um vírus surgido do nada levou os líderes mais poderosos da terra a descer do seu pedestal e a reconhecer humildemente a sua impotência, mas ao mesmo tempo os levou (infelizmente nem todos) a dedicar-se incansavelmente a lutar por seus povos. Um vírus que levou os cientistas, tão orgulhosos de seu conhecimento, a admitir humildemente a sua absoluta ignorância a seu respeito, mas ao mesmo tempo os levou a buscar rapidamente soluções no seu campo de ação, inclusive como o desenvolvimento recorde de vacinas.

Não se pode considerar como perdido um ano em que a solidariedade humana subiu a níveis surpreendentes, em que se provou a capacidade de uma grande parte das pessoas de suportar a disciplina do isolamento social e de usar itens de proteção e higiene pessoal, tudo isso visando o próximo, mais do que a si mesmas. Um ano em que foram redescobertos os verdadeiros valores da vida, bem como as pessoas e os profissionais que realmente importam em situações de crise.

Não se pode considerar como totalmente perdido um ano em que os cristãos descobriram que para encontrar Deus não necessitam marcar hora num determinado local, por um certo período, mas que o Senhor pode ser adorado a qualquer hora, em qualquer lugar, o tempo todo. Um ano em que, mais do que nunca, se tornou realidade o princípio doutrinário do sacerdócio universal dos crentes, isto é, de que para nos relacionarmos com Deus não dependemos de nenhuma outra pessoa a não ser Jesus Cristo, único mediador entre o ser humano e Deus, e que ninguém pode substituir-nos nessa atividade.

Não se pode dar por totalmente perdido um ano em que a natureza ficou mais limpa, as cidades ficaram menos poluídas e mais calmas, as famílias redescobriram o valor do convívio e do apoio mútuo. Um ano em que que se descobriu formas novas de executar antigas tarefas, com o uso da tecnologia moderna, criando soluções que vieram para ficar, como o home-office. Um ano em que os professores, mesmo aqueles com recursos limitados, desenvolveram alta criatividade para continuar ensinando.

Certamente há muitas razões pelas quais 2020 foi um ano perdido, mas essas que listamos acima também são razões pelas quais não foi perdido.

Pr. Sylvio Macri