Mateus 5.8: CONVITE À PUREZA

CONVITE À PUREZA
Mateus 5.8; Salmo 139

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 25.4.99, manhã

1. INTRODUÇÃO
As bem-aventuranças de Jesus são um estilo de vida. Elas nos conclamam a ser pobres de espírito, a nos emocionar, a ser mansos, a nos incomodar com a injustiça, a exercitar a misericórdia e, agora, a ser puros.
A pureza pode ser considerada como a matriz de todas as outras virtudes catalogadas por Jesus Cristo.
Gostamos, nós, cristãos, de pensar nela como sendo apenas a pureza sexual. Se é verdade que a honestidade sexual está implícita, a pureza preconizada por Jesus vai muito além. Os puros desta igreja são o baluarte desta igreja. São os puros ao redor do mundo (e eu espero que estejam nas igrejas, embora não possa ter esta certeza…) que sustentam o globo.

2. SER PURO
Puro é aquele que tem coragem de se chegar para Deus e dizer, como o salmista: “Sonda-me” (Sl 139.23).

2.1. Ser puro é ter o coração vazio das trevas do eu.
Em muitos corações, mesmos corações que se pensam transformados por Cristo, só há lugar para uma pessoa: ela mesma. Por natureza, o eu é treva, porque se fecha para o outro e mesmo para Deus. O eu nos obscurece, ao não permitir que olhemos para o horizonte, em termos de necessidades e de possibilidades. Quem é escravo do seu eu não é puro. Só quem é servo de Cristo é verdadeiramente puro, por se comportar como uma pessoa que permite que Deus reine em seu coração e afasta dele as trevas do eu.

2.2. Ser puro é ser livre da tirania do eu dividido (Tasker).
Um dos males do cristianismo contemporâneo é a capacidade que muitos dos seus seguidores temos para fingir (parecer o que não é). Fernando Pessoa escreveu que o poeta é sobretudo um fingidor, no sentido que sintetiza os sentimentos do mundo, para usar uma imagem de Carlos Drummond de Andrade, e não apenas os seus. Há cristãos fingidores, mas num sentido nada poético. São capazes de uma vida pública muito diferente de uma vida íntima. Por isto, Jesus chama de felizes os puros de coração ou os de corações puros. Feliz é aquele cujo interior é puro.
A vida dupla é uma enfermidade. Será que você vive uma vida dupla? Faça o teste. Abra seu coração para Deus e diga: “Oh Deus, vê se há em mim algum caminho condenável”. Se você tiver coragem para orar assim, você é um bem-aventurado. Você é puro de coração.
Em lugar de coxear entre ser fiel ao compromisso com a santidade e ser dúplice no comprometimento com a impureza, o cristão deve ser firme e claro,  não hesitante (cf. Tg 4.8) ou morno (Ap. 3.16), em relação aos seus passos na vida.
O salmista belamente mostra qual deve ser nossa postura. Nos vv. 19 a 22, ele afirma que tem ódio completo de quem odeia ao Senhor. Ele não tem prazer em exaltar a Deus e achar interessantes os caminhos dos inimigos de Deus. Sua opção é clara.
Por isto, nossa oração deve ser sempre esta: “Oh Deus, penetre em meu coração e veja se nele faz morada outro sentimento senão o de ser verdadeiro diante de Ti”..

2.3. Ser puro é ter prazer na luz de Deus.
Pureza tem a ver com luz.
E aqui é necessária uma distinção. Todas as religiões de mistério, tanto as antigas (como o gnosticismo) quanto as modernas (como a teosofia), dão grande valor à luz. Para essas religiões, a salvação acontece na vida de uma pessoa quando ela se expõe à luz divina. Essa luz encontra a luz humana e vai libertando-a progessivamente por meio do conhecimento. Esse processo de purificação aproxima a pessoa de Deus, ao ponto de fazer com que os dois se fundam numa só pessoa.
Não é assim na revelação cristã. Deus e homem são radicalmente diferentes. Deus criou a luz e Seu filho Jesus é figuradamente (e não fisicamente) a luz do mundo. Quando convidada, essa luz invade a alma humana e revela suas impurezas. Apenas revela, não as tira. Deus espera que os homens se arrependam do seu padrão de vida e se ponham a viver segundo um novo compromisso. Quando nos pomos na luz, vemo-nos impuros; então, pedimos perdão a Deus. Até aqui fomos nós quem agimos. Então, e agora não somos os que agimos, somos perdoados. Essa é uma ação divina. Não existe autoperdão, como ensinam as religiões de mistério. Não existe autopurificação, como propõem as religiões de mistério.
A luz de Deus que nos purifica não é uma luz interior. É uma luz do Alto, que recebemos voluntariamente e pedimos para habitar e iluminar nosso interior.
Quando o salmista menciona a onipresença de Deus, ficamos com a impressão de um Deus que vigia. De fato, essa luz nos compromete. Não seria melhor que nos escondêssemos em altíssimo mar, ou que nos refugiássemos no fundo da madrugada, ou ainda mesmo que residíssemos no sótão da escuridão? Se somos da luz, não há como fugir da luz (vv. 7-9). Se não somos da luz, ela não nos incomoda.
Embora isto seja verdade, a intenção do poeta é descrever o prazer que o fiel deve sentir diante de Deus, não importam as circunstâncias e os lugares. Seu convite é claro: se somos da luz, tenhamos prazer na luz. Se você é puro de coração, você tem prazer na luz.
Essa semana uma pessoa tentou me convencer que falar palavrão e proferir gracejos inconvenientes não desagradam a Deus. Mesmo assim, disse ele, eu comungo (isto é: ele confessa seus pecados a um padre e é perdoado) todos os domingos. Fiquei imaginando se muitos de nós não fazemos como o meu conhecido. Mantemos nossos corações e nossos lábios e nos corpos na impureza a semana toda, mas aos domingos louvamos a Deus porque ele perdoa os nossos pecados. Se é assim, estamos em pior situação que meu amigo, que, pelo menos, confessa seus pecados. Nós, não, já participamos do pressupostos que somos perdoados.
O convite aqui é outro: a uma vida que tenha prazer na luz de Deus, que tenha prazer em ser habitado por esta luz. Quem não tem prazer constante na pureza não é puro. É um fingidor, no pior sentido possível. É alguém que tenta fazer magias para Deus, o grande mister M. que a todos nos desmascara.

3. VER A DEUS
A bem-aventurança promete que os puros verão a Deus.
Quem verá a Deus? O salmo 24 nos dá a resposta clara: quem for puro de coração (Sl 24.4).
De novo, o Salmo 139 nos ajuda a entender a promessa deixada por Jesus Cristo.

Verá a Deus aquele que estiver pronto para O ver. Só os puros o verão, primeiro porque sua presença exige pureza (Sl 11.7) e segundo porque só o puro não precisa se preparar para vê-lo, já que ele é aquilo que ele diz ser.
Verá a Deus aquele que hoje não tem nada a esconder. Puro é aquele cuja vida é transparente (1-3).
Verá a Deus aquele que hoje põe sua vida diante de Deus para que Deus o ilumine com seus holofotes (23-24).
Verá a Deus aquele que tem prazer na presença de Deus que tudo vê. Por isso, ele vê a Deus e Deus o vê. Sem fuga, sem medo.
Verá a Deus que tiver prazer “natural” na pureza, como algo suave e não como um fardo.

5. CONCLUSÃO
Para subir ao céu, uma pessoa precisa ser pura de coração (Sl 24.3-4a). Seja esta a escolha de cada um de nós.