ACADEMIA DA ALMA 8 — CUIDE DOS SEUS DESEJOS (7/10)

A vida em 10 atitudes, 7

CUIDE DOS SEUS DESEJOS

 

PARA MEMORIZAR

“Não adulterarás".

(Êxodo 20.13 – ARA)

 

PARA PENSAR

"O sexo é belo até perder seu contexto espiritual. O alimento e as outras formas de prazer são maravilhosos até se tornarem fins em si mesmos. Eles se  tornam deuses e os deuses se tornam tiranos e os tiranos se tornam escravizadores".

(Laura Schlesinger)

 

PARA VIGIAR

Não esquecerei que "cada um é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido" e que "esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se consumado, gera a morte". (Tiago 1.14-15)

 

PARA ALCANÇAR

Eu me deleitarei no Senhor, esperando que ele atenda aos legítimos desejos do meu coração". (Salmo 37.4)

 

 

 

1. UMA TRÍADE PODEROSA

 

Numa reportagem sobre hábitos alimentares de crianças em idade escolar, a mãe de um menino de sete anos conta que põe barrinha de cereal e suco de caixinha na sua mochila. Ouvido, o garoto diz que, se pudesse escolher, tudo seria diferente. "Eu traria chocolate, refrigerante e salgadinho toda vez." [1]

Para o bem do filho, sua mãe não atende ao seu desejo. Ela quer que ele tenha uma vida boa. Para tanto, age contra a natureza do menino.

De igual modo, todos os mandamentos de Deus para uma vida boa – não só o sétimo – são contra a natureza humana. Em certo sentido, todos os mandamentos são contra os desejos humanos, que nos querem dominar para se realizarem.

Se perguntarmos ao menino porque ele gosta de chocolate, refrigerante e salgadinho, ele não saberá responder. Apenas gosta.

Podemos não saber porque apreciamos ou rejeitamos isto ou aquilo. O fato de não sabermos as razões dos fatos não quer dizer que não elas existam.

Os nossos desejos revelam quem somos. O que somos – logo, o que desejamos – vem de uma série de fatores.

Entre os fatores que nos formam, os dois pilares são a biologia e a cultura, esse "dueto inseparável" que dificulta nossa tarefa "isolar ou detectar o peso de cada um desses componentes" de nossa vida. [2]  Se a nossa preferência por determinado time de futebol veio de nossa experiência (isto é, da nossa cultura), o nosso gosto por determinado perfume talvez esteja mais próximo de nossa biologia do que de nossa história. A alergia é um bom exemplo da força da biologia, ao exercer uma influência que alcança gostos e hábitos.

O desejo é filho da biologia e da cultura. Parte da cultura se organiza por meio da propaganda, formal e informal. O modo como nos vestimos tem centavos de biologia (por questões de gênero e compleição) e milhares de reais de propaganda. Definitivamente, nossos gostos não são autônomos.

Além destes pilares, contamos ainda com os eventos, que podem mudar parte de nossas heranças, biológicas e culturais.

Quando o futuro prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu, era ainda um menino teve o seu futuro reimaginado depois que assistiu a uma cena inusitada, como ele mesmo descreve:

— Vi um homem branco cumprimentar com o chapéu uma mulher negra. Este gesto era totalmente desconhecido em meu país. O homem branco era um bispo episcopal e a mulher negra era a minha mãe.

Desmond Tutu se tornou também um bispo episcopal e se dedicou à luta contra o apartheid pela via da não-violência.

Antes dele, Martin Luther King Jr. começou a ser preparado, sem o saber, para deixar um legado quando foi com o seu pai a uma loja comprar sapatos. O vendedor exigiu que Luther King Sr. usasse a porta dos fundos, mas ele se recusou; nascia ali, naquele momento, o grande defensor dos direitos dos negros norte-americanos: seu filho.

Nas escolhas dos seus futuros, esses eventos foram determinantes para estas pessoas. Entre os eventos, dois são poderosos negativamente: os traumas que sofremos e as mentiras que nos contam.

As experiências traumáticas ficam registradas como marcas, como se fossem tatuagens de difícil remoção e que turvam nossos horizontes, mesmo que não lembremos. Para ilustrar o poder do trauma, conto três experiências, uma delas pessoal.

Uma menina vivia com a mãe, o padrasto e irmãos de pais diferentes. Por mais de uma vez, o padrasto abusou dela, até que a mãe se separasse do marido. A menina adolesceu, mas nunca mais confiou em homens. Chegou até a namorar um rapaz seriamente, mas depois passou a se relacionar com mulheres.

O rei Davi, conta a Bíblia, estava de folga no terraço da sua casa quando viu, mais abaixo em outro terraço, o corpo de uma mulher. Este evento marcou sua vida e seu governo para sempre. O evento criou a oportunidade para o desejo aflorar e, depois, se realizar.

Estando dirigindo por uma rodovia, um automóvel em movimento por uma estrada vicinal perpendicularmente veio em minha direção. Consegui desviar, mas ele bateu contra a traseira do meu veículo que rodopiou sem controle até parar em sentido contrário. Durante muitos anos, todas as vezes que um carro fazia aquele mesmo tipo de percurso pela direita em direção ao meu, meu corpo tremia num espasmo. Esse trauma, simples, poderia ter me levado a nunca mais dirigir um automóvel, como é a experiência de tantos outros.

É o caso, por exemplo, da mulher que, dirigindo o seu carro, bate e, em lugar de ser acolhida pelo marido, dele ouve:

—Eu falei que você não devia dirigir. Você não tem capacidade para isto. Quando precisar ir a algum lugar, eu te levo.

A reação ao trauma foi uma mentira. Se a mulher acreditar, nunca mais tomará a direção de um automóvel.

Ao longo da vida, ouvimos muitas mentiras.

Meus pais contavam que uma vez foram abordados por um homem na rua, em Colatina (ES). O desconhecido queria que me doassem a ele porque eu seria uma pessoa muito importante na vida. Não sei porque me contaram isto, mas é possível que o relato contivesse uma ponta de orgulho. O homem estava completamente errado, mas o episódio pode ter deixado um traço positivo (autoconfiança) no meu jeito de ser.

Os eventos, bons e ruins, nos marcam de maneiras que sequer imaginamos.

Deste modo, podemos pressupor, em síntese, que aquilo que desejamos é gestado no útero de nossa história por meio de três vetores que se fundem num tecido inconsútil: a biologia, a cultura e os eventos. Os desejos são filhos e pais de nossa história pessoal.

 

2. NATURALMENTE INFIÉIS, ESPIRITUALMENTE FIÉIS

 

Dos desejos vêm escolhas boas. Dos desejos vêm decisões ruins.

Os desejos demandam cuidados de nossa parte. São arrebatadores, como nos lembra Miguel de Cervantes: "O desejo é o princípio original de que todas as nossas paixões decorrem, como os riachos da sua fonte; por isso, sempre que o desejo de um objeto se acende nos nossos corações, pomo-nos a persegui-lo e a procurá-lo e somos levados a mil desordens".

Um homem casado se apaixonou por uma mulher casada muito mais jovem. No auge da sua crise sobre o que fazer, comentou:

—Eu estou me sentindo menino de novo.

E foi viver com ela, cometendo o maior erro de sua vida, como reconheceria anos depois, após a destruição de sua vida.

Eis como uma senhora comentou suas dificuldades quanto à fidelidade:

"O adultério é uma ferida na alma. Às vezes, sinto-a cicatrizada, perdoada, mas, às vezes, ela volta à mente como se arrancando o cascão onde dentro ainda está ferida, doída, sofrida. Não sei porque nem como, mas, desde meus primeiros relacionamentos, o adultério sempre esteve presente na minha vida. Dizia a mim mesma que era pecado, mas nunca conseguia vencer a tentação; quanto mais difícil, mais excitante, mais desafiador. Eu encontrava o prazer extremo só em pensar no perigo. Depois de conseguido, vinha o desgosto, o arrependimento, o desapego".

 

No desejo de adulterar, a cultura joga um papel que não pode ser subestimado. Sabemos que "nossa sociedade redefine constantemente a moralidade e geralmente o faz na direção descendente, de maneira tolerante, isenta de juízos e egocêntrica". [3]Assim, o adultério se tornou uma prática disseminada entre os casais. Segundo um estudo de 1994, da Universidade de Michigan, a infidelidade é a principal causa do divórcio. O terapeuta de família norte-americano Frank Pittman disse que, nos seus 37 anos de profissão, exceto em dois casos os casamentos não terminaram por causa do adultério. [4]

No Brasil, a maioria das separações litigiosas acontece por causa do adultério, geralmente por parte do homem. Evidentemente, as explicações justificadoras são muitas, mas não alteram a clareza de sua condenação, como está no sétimo mandamento. Na verdade, "o desejo dos infiéis os aprisiona" (Provérbios 11.6).  Nada justifica o adultério.

Alguns cuidados, por isto, devem acompanhar a quem pretende não se deixar laçar:

 

1. Conheça-se a si mesmo.

Todos podemos adulterar. A infidelidade é natural no ser humano. A fidelidade é espiritual.

Conhecermo-nos assim nos torna mais realistas e cuidadosos.

Há muitos anos, um líder religioso chocou sua plateia quando, ao lado de sua esposa, proclamou:

— Eu sou um adúltero. Minha mulher sabe disso. Mas eu nunca adulterei, mas eu posso adulterar. Eu sou potencialmente adúltero. Eu preciso vigiar.

Como escreveu um jovem, recém-casado, "o adultério nasce no coração, que é o campo do desejo, das vontades e do sentimento. Por isso, temos que a todo tempo fazer cada parte de nosso coração até o íntimo dele ser conhecido por Deus. Devemos submeter nossos sentimentos a vontade de Deus. Cuidar do sentimento e ser vigilante são formas de evitar o adultério". (Marcos)

 

2. Considere a proibição.

Em Levítico, o mandamento é explicitado:

 

"Nem te deitarás com a mulher de teu próximo, para te contaminares com ela" (Levítico 18.20).

 

Como em todos os mandamentos, o sétimo é para o nosso bem.

 

3. Cuide dos seus desejos.

Jesus foi à raiz do mal, quando ensinou:

 

"Ouvistes que foi dito: 'Não adulterarás'. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela". (Mateus 5.27-28)

 

Se o desejo não for controlado, ele será realizado, menos dia, mais dia.

 

4. Conte os resultados.

Tenha em mente que o adultério, quando descoberto e não tratado, interrompe os vínculos conjugais. "Quando um casamento explode, os estilhaços se espalham rapidamente, ferindo muito mais pessoas do que as duas que se divorciaram. Pais, irmãos, vizinhos, colegas de trabalho e, acima de tudo, filhos de divorciados passam por grande dor e portam cicatrizes de longa duração por causa de um casamento fracassado". Os efeitos são mesmos brutais. [5]

Um jovem pai fala de sua dor:

"Meu pai teve muitas amantes, inclusive na minha frente, o que me causou grande sofrimento". (A.M.)

Segundo um estudo da terapeuta Lana Staneli, nos EUA, 80% dos que se separam se arrependem. Dos 10% dos que se casam com seus amantes, 60% se divorciam de novo e dos que continuam casados com eles apenas a metade se considera feliz. Para a aquela profissional, ter um amante é um convite a uma tragédia e a muitas dores. [6]

O autor de Provérbios conta uma parábola que termina com a seguinte mensagem: o adultério "é caminho para a sepultura e desce para as câmaras da morte" (Provérbios 7.27).

Olhe para a memória da sua família. Se houve traição nela, pense nas consequências e decida escrever uma história diferente. Faça como este homem que, tendo visto o pai com suas amantes, decidiu:

"Cedo aprendi que não queria isso para a minha vida, pois reproduzir tal atitude seria perpetuar a falta de autocontrole. Deve-se evitar o primeiro passo. Por outro lado, convém lembrar uma frase que ouvi de uma velha amiga de trabalho: 'O traidor não prospera'". (André)

 

5. Arrependa-se, se for o caso.

Há pessoas em relacionamentos adúlteros que querem continuar correndo o risco ou pagando o preço. Até admitem que estão erradas mas é isto que querem.

Possivelmente muitas pessoas que estão experimentando adultério queiram deixar o relacionamento e dizem que vão encerrar seus casos. Umas ficam esperando o momento, mas o melhor momento é agora. Quanto mais tempo no pecado, mais difícil é sair dele. Quanto mais tempo no erro, piores são as suas consequências.

Pode haver vida após o adultério, como o demonstra a história de Bob e Audrey Meisner. Eles se encontraram no seminário em que estudavam.

Casaram-se, mas logo Audrey percebeu que o estilo de comunicação do marido era muito diferente do que vira até então. Ele era muito duro e a confrontava em tudo.

Continuaram, sem enfrentar o problema. No decorrer do tempo, com o trabalho ocupando mais tempo de Bob, um amigo da família começou a flertar com Audrey. Um dia, esse homem a tocou e ela gostou. Ela pensou:

—Este relacionamento não vai afetar o resto da minha vida.

Pouco depois, o relacionamento se tornou sexual. O caso continuou por três semanas. Entendendo que não podia prosseguir com sua vida dupla, ela decidiu contar ao seu marido.

— Eu estava com medo. Eu tremia. Eu não tinha dúvida: eu queria o meu marido e os meus filhos. Eu não o confrontara durante 17 anos por causa de coisas menores e agora eu ia lhe dizer a mais traiçoeira notícia que eu mesma nunca imaginaria. Sentei-me muito perto dele e sussurrei em seu ouvido: "Eu fiz algo extremamente inadequado". Eu vi apenas raiva extrema e ódio entrando em seus olhos. "Eu sinto muita vergonha pelo que eu fiz e lamento profundamente".

O homem traído procurou ajuda. O conselheiro lhe perguntou:

— Bob, o que foi feito está feito. O que eu quero saber é se você vai ou não ser o homem de Deus que você precisa ser para manter sua família unida. Antes de dormir, ajoelhem-se e orem juntos.

O resultado foi, nas palavras de Audrey, que um nível de transparência nunca vista começou a acontecer.

Mas havia um segredo ainda.

Alguns meses depois, ela recebeu a notícia de que estava grávida.

Bob sabia que não era seu, porque tinha feito vasectomia.

Perguntado se queria que a gravidez continuasse, Bob disse que sim.

— Antes, dentro de mim, tudo o que eu queria era punir minha esposa. Agora, eu compreendia que ela carregava um bebê e precisava de minha ajuda. O bebê precisava de pais e eu queria ser o pai.

A família mudou de cidade.

Cinco meses depois, o casal estava na maternidade. Eis como Bob se lembra deste momento:

— Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Este bebê era simplesmente um presente, um presente absoluto. Quando nosso filho nasceu, dei-lhe meu nome: Robert. Robert Theodore Meisner. Eu não queria que algum dia meu filho tivesse alguma dúvida do que ele significava para mim. Theodore (Teodoro) significa "dom de Deus".

Esta história foi contada num programa de televisão, dez anos depois dos fatos.

As últimas falas são do casal. Audrey disse:

— Nosso relacionamento tornou-se dinâmico, como nunca tinha sido. Agora eu sou honesta e ele é honesto.

Bob acrescentou:

— É necessário que haja transparência e vulnerabilidade para estarmos prontos para sermos conhecidos pelo outro. Aquele foi o nosso novo território. [7]

 

3. O PODER DO PRINCÍPIO DO PRAZER

 

Se o primeiro sentido do verbo tem a ver com o ato sexual com a esposa do outro, adulterar é mais amplo. A "esposa" do outro pode ser a dedicação idolátrica ao trabalho, a busca insana pela promoção, o tempo dedicado a um paassatempo ou qualquer outro compromisso que rouba o coração. Podemos adulterar com o trabalho, com a desejada promoção, com uma obsessão ou com um passatempo preferido. É difícil lidar com essas coisas porque esse tipo de imoralidade acaba sendo aceita como algo moral. [8]

Na língua portuguesa, quando uma balança é fraudada se diz que foi adulterada ou que não é fiel. O peso declarado é diferente do peso real. É como o marido que diz amar uma mulher e tem relação afetiva com outra. Infidelidade é duplicidade.

Por que um comerciante adultera sua balança? É para ter o que não lhe deve pertencer. Vem da insatisfação com o que ganha; para ganhar mais, mente, engana, frauda, adultera, corrompe. Ele acha que pode usar o outro para ganhar mais dinheiro.

Por que uma pessoa bajula a outra? É para tirar algum proveito: deseja apenas ser aceito pelo outro ou receber dele algum benefício.

O infiel é infiel ao parecer o que não é, ao fazer o que não pode ser visto por todos, ao dizer o que não pensa, ao trair a quem jura amar. O infiel é um apóstata, que, etimologicamente, é quem se afasta de algo ou de alguém de quem ou de que antes estava próximo. O infiel troca o Deus verdadeiro por outros deuses, seu amor por outros amores, seus valores por outros valores.

Adulterar "é explorar o parceiro, é vitimizar narcisisticamente o outro, seja sexualmente, emocionalmente ou psicologicamente, em benefício próprio". [9]"Adulterar é usar as pessoas para benefício pessoal sem intenção de compromisso, sem a disposição de morrer em seu lugar". [10]

O adultério, seja qual for o seu objeto, é sempre a ponta visível de uma fragilidade. "O sexo é belo até perder seu contexto espiritual. O alimento e as outras formas de prazer são maravilhosos até se tornarem fins em si mesmos. Eles se tornam deuses e os deuses se tornam tiranos e os tiranos se tornam escravizadores". [11]

O ser humano é regido pelo princípio do prazer. O jogador tem prazer em vencer, seja na loteria ou num campo de futebol. Todo jogo tem regras. Diante delas, o ser humano deve segui-las, mas pode também adulterá-las, procurando, por exemplo, colocar a mão na bola sem que o juiz veja ou simular uma falta que não recebeu.

Quando o princípio do prazer se torna absoluto, as regras são relativizadas e, depois, adulteradas. Primeiro as regras são subestimadas. Depois são adulteradas. Para adulterá-las, a pessoa faz suas próprias regras.

Fazer as próprias regras pode parecer uma indicação de força, mas é de fraqueza.

Quando estamos frágeis, o instinto é forte. Por natureza, o ser humano quer ter prazer. Se puder ser dentro das regras, ele as seguirá. Se for preciso romper as regras, ele as quebrará. O instinto é muito forte.

Quando estamos frágeis, o ambiente é forte. Como ser honesto, se a maioria dos seus colegas frauda? O meio em que vivemos vem sobre nós como uma onda gigantesca difícil de surfar. Só os fortes se mantêm íntegros. Andar como os outros andam é uma demonstração de fraqueza.

Quando estamos frágeis, a sedução é forte. Diante de uma vitrine os objetos brilham. Quanto mais frágeis estamos, mais brilharão, embora tenham a mesma intensidade; mais precisaremos deles, embora possamos dispensá-los; mais os desejaremos. Quando a Apple lançou o primeiro Ipad, eu o desejei. Ele estaria à venda à meia-noite de uma determinada data. Com ansiedade, esperei o dia e a hora diante do computador para a telecompra e fui um dos primeiros. Meu coração disparava. Meia-noite. Entrei no site. Agora eu podia comprar. Preenchi os dados. Parcelei o valor. Conferi. Era só bater o "enter" da finalização e esperar chegar o produto. No entanto, eu fiz uma autocrítica do meu comportamento. Vieram as perguntas: eu preciso mesmo deste produto? Não é melhor eu esperar o modelo posterior? Não comprei. Resisti à sedução. Eu só teria o meu um ano depois, certo de que precisava dele e que ele correspondia à minha expectativa.

Quando estamos frágeis, a paixão é forte. O amor passageiro é tornado definitivo, como se fosse uma oportunidade que nunca voltará. O desejo transformado em paixão se torna uma forma de ver que deixa cego o apaixonado, que só tem olhos para seu objeto; o apaixonado é cego para o tempo, é cego para a moral, é cego para o perigo, é cego para a razão.

Nossas emoções desorganizadas são o espaço propício para o triunfo dos desejos, inclusive os destrutivos.

Cada um dos Dez Mandamentos nos foi legado para nos ajudar em nossa caminhada, como auxílio para que "levemos vidas santas, santificando nossos desejos e apetites humanos de forma que elevam seu significado acima daquilo que corresponde aos animais e ao mundano". [12]

 

4. CONTROLANDO NOSSOS DESEJOS

 

O conselho bíblico vai à raiz, quando preconiza:

 

"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida". (Provérbios 4.23)

 

Sejam de realização, nunca de destruição os nossos desejos.

 

1. Examine seus desejos

Por que você deseja o que deseja?

Um pai que, na infância, nada teve, dá tudo para o seu filho. Ele o ama. Por não ter tido o que precisava ter deseja dar ao seu filho o que não teve, mesmo que o filho não precise. O que ele dá ao filho é menos por amor, que não se realiza em coisas, e mais por medo de privar como foi privado. Pode ser um sentimento de vaidade: quero ser melhor pai que o meu pai foi. Esse pai precisa saber que o seu filho precisa de afeto e talvez precise aprender a demonstrá-lo. Ele dizia que era amor.

Uma filha perdeu seu pai cedo. Ela nunca compreendeu. Não chegou a se revoltar explicitamente, mas sempre cultivou interiormente um sentimento de revolta. Num certo momento, para externar sua raiva passou a tomar bebida alcoólica, coisa que nunca fizera. Ela dizia que era para relaxar, mas era para abafar seu sentimento de culpa.

Uma filha foi tirada cedo do pai, por causa de uma separação litigiosa. Para ela, seu pai, que era bom, lhe foi arrancado, sem sequer ter o direito de se despedir dele. Ela nunca mais viu o pai e jamais perdoou a sua mãe. Quando chegou à idade adulta, afastou-se da igreja, para tristeza da sua mãe. Era a forma de a menina punir a sua mãe pela crueldade contra ela na infância. Ela dizia que se afastar de Deus era algo racional, mas era emocional.

Precisamos examinar nossos desejos, como parte de um processo de autoconhecimento, que nos leva a saber porque decidimos e como a decidir melhor.

 

2. Assuma o controle dos seus desejos.

Quem controla a sua vida: você ou os seus desejos?

"Precisamos assumir o controle de nossos pensamentos, submetendo-os a Deus, junto com tudo o mais em nossas vidas. E nós temos uma boa parcela de controle sobre o que fazemos com esses pensamentos, uma vez que eles vêm a nós. Quando um pensamento vem, temos que fazer uma escolha". [13]

Viver deve incluir meditar. Precisamos refletir nas razões de nossos desejos, para não permitir que eles, como se tivesse vida própria, nos controlassem. Somos os nossos desejos, mas não apenas nossos desejos. Somos também razão, e ela precisa desempenhar o seu papel.

 

3. Escolha o que vai desejar.

Nossos desejos não precisam ter vida própria. Nós devemos nos empenhar em os controlar. O domínio próprio é parte de uma vida guiada pelo Espírito Santo (Gálatas 5.23).

Podemos escolher amar. Podemos escolher odiar. Podemos desejar amar. Podemos desejar odiar. Sabemos que "o desejo dos justos tende somente para o bem, mas a expectação dos perversos redunda em ira" (Provérbios 11.23).

Somos instruídos a desejar as coisas do alto (Colossenses 3.2). É-nos oferecido "o leite espiritual puro", que, quando o bebemos, crescemos saudáveis (1Pedro 2.2 — NVI).

Precisamos respirar um ar bom, que é inspirado pelas boas companhias, formadas por conversas santas e leituras de valor. Precisamos de amigos de classe espiritual. Precisamos de livros que nos fazem pensar, de modo a não nos iludirmos com promessas que parecem boas.

A quem estamos ouvindo?

Precisamos escolher como vamos realizar o nosso desejo. Imaginemos o menino da rua. Ele espera o sinal fechar para os carros e se posta para fazer algum tipo de malabarismo. Seu objetivo é ganhar algum dinheiro. Ele conhece um colega que faz isto e ganha dinheiro. Ele o imita. Um dia se aproxima alguém mais velho e lhe diz que pode ganhar muito mais dinheiro se, em lugar de pedir, exigir. Explica-lhe como exigir, usando uma arma. O menino quer dinheiro. Ele tomará uma decisão: continuará pedindo, com as mãos livres, ou passará a exigir, com as mãos armadas? Desejar o dinheiro não é errado. Errada pode ser a forma de o obter.

 

4. Procure realizar os bons desejos.

O nosso Deus não é contra os desejos. Ele sabe que "a esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida" (Provérbios 13.12).

Há desejos legítimos, que são aqueles que temos quando andamos com Deus.

Como saber quais são legítimos, se somos seres corrompidos pelo pecado?

Para nos ajudar na decisão, temos a perfeita lei de Deus, codificada na Bíblia, e temos as leis dos homens, sedimentadas em códigos. Todos nos deixam seus "sim" e seus "não". Precisamos conhecer essas leis.

Desejos vêm e vão. Os bons devem se tornar projetos claros, que demandarão esforço em sua obtenção. Uns são realizados no curto prazo, mas outros são para a vida toda.

Deseje bem. Deseje com Deus.

Esforce-se bastante, mas não fira as leis de Deus, as quais você deve carregar debaixo do braço como manual de operação oferecido por um amigo.

 

 

5. Cuide de quem você ama.

O sétimo mandamento nos chama a cuidar das pessoas a quem dizemos amar. Não as traiamos. Não as usemos. Não as exploremos. Não as ignoremos. Não as dominemos. Não as manipulemos em benefício de nossa própria satisfação. "As pessoas não são brinquedos ou troféus a ser colecionados e abandonados. As pessoas a quem amamos são aquelas com quem compromissamos nossas vidas, confiamos nossos futuros e compartilhamos nossos corações para que nós e elas cresçamos plenamente como pessoas que se amam. [14]

 

6. Negue as mentiras.

Desde a infância, somos cercados por mentiras. Até hoje mentem para nós.

Na maioria das vezes, as pessoas mentem para justificar seus fracassos.

O adúltero mente quando diz que traiu porque a sua vida conjugal estava monótona. Ele fracassou em tornar sua vida dinâmica e culpou a monotonia, como se a monotonia não fosse o resultado de suas ações.

O adúltero mente quando diz que trai porque todos traem. Primeiro, nem todos traem. Segundo, ele é o único responsável por ter traído, mais ninguém.

O adúltero mente quando diz que não pode reprimir seus desejos. Ele ouve a mentira ("não se reprima") e a toma como verdade. Ele é o protagonista da sua história, não o autor primeiro da mentira. Será dele o prejuízo, não do conselheiro.

Negue as mentiras que lhes foram ditas, como aquela que adultera a sua verdadeira identidade (a de amado por Deus), ao lhe dizer que você atrapalhou a vida dos seus pais quando nasceu.

Negue as mentiras que lhes são ditas, como a que "o importante é ser feliz, não importa o preço". Não há prêmio que compense o preço do adultério.

 

7. Lembre-se dos seus compromissos.

Quando se comprometeu a amar a alguém, você não foi obrigado a fazê-lo. Foi por amar que prometeu amar, sendo fiel e companheiro. Seu compromisso de amar nasceu do desejo de continuar amando.

O amor se apoia no compromisso. Seu propósito é servir, satisfazer e suprir a pessoa amada. [15]Não nos comprometemos para ser servidos, satisfeitos e supridos. O adultério vem quando achamos que não estamos sendo servidos, satisfeitos e suprimidos. O adultério é uma inversão do desejo que nos levou a formular o compromisso.

O problema do ser humano é achar que a vida é uma caça ao tesouro. A amizade acaba quando a recompensa que era buscada não é dada. A amizade que acaba não era amizade.

 

8. Vigie os desejos que destroem.

Como os desejos vêm de nossa biologia, da nossa cultura e dos eventos de que participamos, eles são muito sutis.

Como uma guarda da fronteira, precisamos enxergar longe, deixando que se aproximem os bons desejos e afastando os ruins.

Na família, aprendemos, com ou sem palavras, a promover as pessoas. E na família aprendemos a competir umas com as outras. Os pais podem disputar quem traz mais dinheiro para casa ou quem é mais inteligente. Os filhos, possivelmente, serão egoístas e insuportáveis em sua arrogância.

Quem de nós não teve em sua família um parente que se considerava desprezado. Convivi desde cedo com um tio, pouco mais velho que eu, a quem meu avô — assim achávamos — dava tudo. Um dia ele saiu de casa e veio parar na nossa, em outra cidade. Andei com ele pela cidade e fiquei sabendo que ele achava que era melhor morrer, porque seu pai não lhe dava atenção e não o amava. Talvez meu avô nunca lhe tivesse dito que o amava e desenvolveu a convicção — que meus outros tios não tinham — de que não era amado. Ele queria ser aceito afirmando-se como fraco.

Não deixe que os desejos ruins prosperem. Não seja vítima deles. Estude o seu passado. Construa o seu futuro.

 

9. Negue-se a si mesmo.

Como me escreveu um jovem advogado, devemos ter em mente que "adulteramos quando trocamos a segurança que Deus nos dá pela 'segurança' do mundo que se baseia em riqueza e bem material. Adulteramos quando deixamos os princípios de Deus para, visando colher os frutos deste mundo, aceitamos e agimos conforme os princípios deste mundo (corrupção, desonestidade, imoralidade). Adulteramos quando trocamos nossa fé pela crença no consumismo e no utilitarismo. Adulteramos quando buscamos o Deus abençoador não porque ele é o grande Eu Sou mas sim pelas bênçãos que pode nos dar, invertendo assim nossa busca daquele que nos abençoa pelas bênçãos que podemos receber. Adulteramos quando deixamos de fazer a vontade de Deus e fazemos só as nossas vontades. Adulteramos quando não nos negamos a nós mesmos". (Marcos Heleno Lopes)

 

10. Seja fiel aos desejos bons.

O sétimo mandamento, como os demais, é um bom desejo de Deus para nós. Ser fiel deve ser o nosso desejo também.

Com o "não adulterarás", Deus "quer evitar que sejamos frustrados com a ilusão de viver em função de instintos e sem provar a bênção que é ter uma família que se desenvolve em clima de amor e de confiança". [16]

Você quer se casar? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que o projeto pareça impossível.

Você quer continuar casado? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que surjam outros desejos.

Você quer valorizar seus amigos? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que eles falhem.

Você quer ser honesto em tudo o que faz? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que viva num meio corrupto.

Você quer amar a Deus acima de todas as coisas? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que a resposta dele o surpreenda.

Você quer ser generoso? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que seu egoísmo grite.

Você quer ser equilibrado? Seja fiel ao seu desejo, mesmo que suas emoções se agitem.

Você quer ser fiel? Seja fiel.

Pastoreie suas emoções.

Cuide dos seus desejos.

Cultive bons desejos.

 

ACORDE

1. Qual é o maior desejo da sua vida, em torno do qual tem reunido todas as suas forças? (AUTOCONHECIMENTO)

2. Que desejos você tem acolhido no seu coração e que não são legítimos? O que tem feito para eles não dominarem você? (CONFISSÃO)

3. Como tem chamado a Deus para pastorear a sua vida, de modo a levar você a desejar as coisas que são do alto? (ORAÇÃO)

4. Quais têm sido os resultados, positivos e negativos, na busca pela satisfação dos seus desejos? (REFLEXÃO)

5. O que você decide fazer com seus desejos? (DECISÃO)

6. O que você fará para realizar os bons desejos e se afastar dos ruins? (EMPENHO)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARNETT, David Louis. The Heart of the Commandments; Delving the Depths of the Divine Decalogue. [S.l., s.ed.], 2012.

CHITTISTER, Joan. The Ten commandments: laws of the heart. Maryknoll, NY: Orbis, 2006.

FOSTER, John. Dinheiro, sexo e poder.  São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

GIKOVATE, Flavio. Mudar. São Paulo: MG, 2014.

 


[1]"De salgadinhos ao shushi, crianças contam o que gostariam de comer no recreio". Folha de S. Paulo, 6.6.2015, caderno Folhinha.

[2]GIKOVATE, Flavio. Mudar. São Paulo: MG, 2014, posição 243.

[3]SCHLESSINGER, Laura C. Los Diez Mandamientos. Traducción por Ana del Corral. New York: HarperCollins, 2006. Edição eletrônica, posição 3798.

[4]SCHLESSINGER, Laura C., op. cit., posição 3831.

[5]BARNETT, David Louis. The Heart of the Commandments; Delving the Depths of the Divine Decalogue. [S.l., s.ed.], 2012, posição 2362.

[6]STANELI, Lana. Citada por SCHLESINGER, Laura, op. cit., posição 4019.

[7]Para ler a história, acesse <http://www.cbn.com/700club/features/amazing/JRC17_Bob_Audrey_Meisner.aspx>. A entrevista do casal pode ser assistida em < https://m.youtube.com/watch?v=8JOiRaVUsLY>. A história é detalhada em MEISNER, Bob e Audrey. Casamento debaixo de proteção. São Paulo: Universidade da Família, 2007.

[8]CHITTISTER, Joan. The Ten commandments: laws of the heart. Maryknoll, NY: Orbis, 2006, posição 856.

[9]CHITTISTER, Joan, op. cit., posição 805.

[10]CHITTISTER, Joan, op. cit., posição 825.

[11]SCHLESSINGER, Laura C., op. cit., posição 1156.

[12]SCHLESSINGER, Laura C., op. cit., posição 4063.

[13]  SCHLESSINGER, Laura C., op. cit., posição 1333.

[14]CHITTISTER, Joan, op. cit., posição 815.

[15]MEHL, Ron. A ternura dos Dez Mandamentos. São Paulo: Quadrangular, 2000, p. 162.

[16]COELHO FILHO, Isaltino Gomes. A atualidade dos Dez Mandamentos. São Paulo: Exodus, 1997, p. 101.