Mateus 26.18: Deus sabe todas as coisas

Deus sabe todas as coisas
(Mateus 26.18)

Um detalhe nos chama a atenção na primeira celebração da Ceia memória de Jesus Cristo: é o seu planejamento.

Ouçamos o relato de Mateus:
“No primeiro dia da festa dos pães sem fermento, os discípulos dirigiram-se a Jesus e lhe perguntaram:
— Onde queres que preparemos a refeição da Páscoa?
Ele respondeu dizendo que entrassem na cidade, procurassem um certo homem e lhe dissessem:
O Mestre diz: “O meu tempo está próximo. Vou celebrar a Páscoa com meus discípulos em sua casa”.
Os discípulos fizeram como Jesus os havia instruído e prepararam a Páscoa.
(Mateus 26.17-19)

Juntando as narrativas sinóticas (Mateus 26.17-19, Marcos 14.12-17, Lucas 22.7.13) vejamos mais detalhadamente o que aconteceu:

“Finalmente, no primeiro dia da festa dos pães sem fermento, quando se costumava sacrificar o cordeiro pascal, os discípulos dirigiram-se a Jesus e lhe perguntaram:
— Onde queres que vamos e preparemos a refeição da Páscoa?
Então ele enviou seus discípulos Pedro e João, dizendo-lhes:
— Vão preparar a refeição da Páscoa. Entrem na cidade e procurem um homem carregando um pote de água que virá ao encontro de vocês. Sigam-no e digam ao dono da casa em que ele entrar: O Mestre diz: “O meu tempo está próximo. Vou celebrar a Páscoa com meus discípulos em sua casa. Onde é o meu salão de hóspedes, no qual poderei comer a Páscoa com meus discípulos?” Ele lhes mostrará uma ampla sala no andar superior, toda mobiliada e pronta. Façam ali os preparativos para nós”.
Pedro e João se retiraram, entraram na cidade e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. E prepararam a Páscoa.
Eles saíram e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. Então, os discípulos fizeram como Jesus os havia instruído e prepararam a Páscoa”.

1. Esta é uma história que nos mostra que devemos nos relacionar com um Deus que sabe todas as coisas.

Os discípulos não conhecem suficientemente a Jesus. Nunca O conhecemos suficientemente. Nosso convívio com Ele vai aumentando o nosso conhecimento. Quanto mais perto dEle, mais O conhecemos. Quanto mais distantes, menos O conhecemos.
Os discípulos conviviam com um Emanuel (Deus-conosco) que se limitou, para ser plenamente humano, que não sabia de antemão todas as coisas. Ele mesmo o disse, ao afirmar que não sabia a hora em que Deus O enviaria de volta à terra para levar os seus para a Casa definitiva. (Eis o que lemos: “Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão. Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai” — Mateus 24.35-36). Quando se ajoelhou para orar no Getsêmani, orou sofrendo pelo que viria, mas pedindo para que a vontade de Deus fosse manifesta em Sua vida.
Esta humanidade de Jesus levou os discípulos a se esquecerem de sua divindade. O mesmo ocorre conosco, nos dois sentidos. Hoje, para nós, Jesus é o Jesus da história, andou entre Maria, Pedro e João, e também o Jesus assentado à direita de Deus, cheio de glória.
Por mais que O coloquemos no alto, incapaz de nos incomodar em nossos pecados ou inefável demais para se importa com as nossas dores, Ele se importa conosco e desce e se encarna e chora e ri e sofre conosco.
O Jesus histórico se limitou para que O víssemos em Sua plenitude. Mesmo nesta limitação voluntária e transitória, era Deus. Nesta história, vemos este Deus em ação, mostrando a sua Presciência e Onisciência, marcas claras de Deus ao longo da Bíblia. Só um poema de Jó nos baste agora:

“Deus conhece o caminho; só ele sabe onde ela habita,
pois ele enxerga os confins da terra
e vê tudo o que há debaixo dos céus.
Quando ele determinou a força do vento
e estabeleceu a medida exata para as águas,
quando fez um decreto para a chuva
e o caminho para a tempestade trovejante,
ele olhou para a sabedoria e a avaliou;
confirmou-a e a pôs à prova.”
(Jo 28.23-27)

Minha oração é que o meu Deus seja o Deus de Jó. Não quero passar por suas aflições, mas, passando ou não, quero que a minha fé fique firme sempre, vivenciando a verdade que Deus conhece o meu caminho. Não só o conhece como o faz comigo.

Por isto, eu canto:

Deus conhece o meu caminho
porque o faz comigo.
Deus sabe onde habito
porque mora comigo.

A força do vento que me derruba
e me anima,
o volume da água que me arrasta
e me satisfaz
é Ele quem determina
e à luz traz.

Posso pôr tudo à prova,
quando a chuva destrói,
o trovão amedronta,
a onda se agiganta,
mas, sei que, em sua soberana sabedoria,
ele todas as coisas, uma a uma, avalia
e, por elas, uma a uma, minha vida renova.

2. Esta é uma história que nos mostra que devemos nos relacionar com um Deus que sempre faz mais.

Os discípulos fizeram uma uma pergunta simples: onde Jesus iria festejar a Páscoa? Era só indicar a casa e eles fariam o resto. A resposta foi uma aula sobre a soberania de Deus, uma demonstração de que os discípulos de Jesus não precisam se preocupar com coisa alguma.
Mesmo quando nossa pergunta é simples, a resposta de Deus é completa. O que aconteceu depois foi uma inesquecível aventura. Quando olhamos para Deus, Ele nos abre os olhos para ver a beleza da natureza e da graça.
Pedro e João não tinham idéia do que lhes aconteceria. Na cabeça deles seria mais uma, entre tantas, Páscoas. Mas Deus é sempre surpreendente.
Olho para mim mesmo e me pergunto se tenho perguntado a Deus onde Ele quer festejar comigo? Também me pergunto se Deus vê o meu coração como de Pedro e João, dispostos a agir. Será que Deus, que me conhece profundamente, olha para mim e diz:”nem vou pedir algo ao Israel, porque sei que não poderei mesmo contar com Ele. Ele vai dizer que está ocupado. Ou vai condicionar a sua ação a alguma ação minha. Ou nem vai ouvir, tão seduzido em seus pecados”.
Será que Deus pode contar mesmo comigo agora, ou só depois que eu resolver os meus problemas, pagar todas as minhas contas, ter de volta a minha saúde, ter restaurado o meu casamento, conseguir um emprego de novo?

3. Esta é uma história que nos mostra que devemos nos relacionar com um Deus que conhece o nosso presente.

Deus interage com o nosso presente. Tanto para nos sustentar quanto para nos corrigir.
Falemos primeiro do sustento. Quando leio os profetas, encanto-me com o modo com que começam suas mensagens: “veio a mim a palavra do Senhor”. Ainda hoje a palavra do Senhor vem aos pregadores que O buscam. Hoje temos toda a Revelação divina como uma imensa biblioteca a ser consultada.
Quando planejei este sermão, imaginei sublinhar o fato de que Deus nos conhece, depois de ter lido os detalhes da preparação ao Ceia do Senhor. Meu propósito era salientar a presciência e onisciência de Deus. Então, li novamente os textos desta mesma história. Li e deixei o texto me falar e começaram a brotar idéias.
É por isto que quando alguém me pede se pode usar meus sermões em outros lugares, sempre respondo: “use e abuse”. Eu os publico na internet toda semana. Quando me perguntam se não temo que sejam copiados, digo que não me importo. Na verdade, eles não são apenas meus. Sou apenas coautor. Sem querer apelar para nenhum recurso ad autoritatem (apelo à autoridade de alguém, no caso), Deus é o autor, exceto dos erros e das construções ruins, que são inteiramente meus. Na minha vida, Deus está presente sobretudo neste processo de preparar as mensagens que prego. Não há glória, mas peso.

Agora mencionemos a presença desafiadora de Deus. No passado fomos assombrados com a idéia de um Deus que nos vigia. No quadro “Os dois caminhos” o olho de Deus permanece no alto como a nos vigiar. Com o tempo o quadro desapareceu de nossas salas e junto se foi a idéia de que Deus nos acompanha. Quando crianças, aprendemos a cantar:

“Cuidado, olhinho, o que vê:
o Salvador do céu está olhando pra você”.
 
Com toda razão, vieram e nos disseram que esta canção passava uma idéia de um Deus aterrorizador. E aí fomos para o outro extremo: para um Deus que não tem vontade própria, um Deus que não se entristece com o pecado, com um Deus que não está nem aí para nós, com um Deus que nos deixou sozinhos por aí soltando as rédeas do mundo. Perdemos a noção de que Deus é um juiz justo.
O resultado é um exército de cristãos que vivem como se Deus não existisse. Se todos os cristãos vivessem como se Deus os visse, criariam menos casos com seus parentes, embora vendam na igreja a imagem de pessoas afáveis. Se todos os cristãos vivessem como se Deus os visse, não estariam em lugares onde não gostariam de serem vistos. Se todos os cristãos vivessem como se Deus os visse, não consumiriam programas e produtos que atentam contra a santidade.  Se todos os cristãos vivessem com se Deus os visse, não haveria cristãos duplos, porque Deus vê as duas faces: a real e a “mercadológica”. Jesus advertiu aos fariseus nos seguintes termos: “Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece o coração de vocês” (Lucas 16.15a).
Não adianta esconder o que somos. O que nós somos é conhecido de Deus, que quer nos restaurar. O que somos muito provaelmente será conhecido de outras pessoas, para nossa vergonha.
O Antigo Testamento celebra:

“Deus é um juiz justo,
um Deus que manifesta cada dia o seu furor.
Se o homem não se arrepende,
Deus afia a sua espada, arma o seu arco e o aponta,
prepara as suas armas mortais
e faz de suas setas flechas flamejantes.
Darei graças ao Senhor por sua justiça;
ao nome do Senhor Altíssimo cantarei louvores.”
(Salmo 7. 12, 13 17)

Alguns dirão: isto é o Antigo Testamento. Estamos na graça”.

Temos uma visão limitada. Ou Deus nos olha para consumir. Ou Deus nos olha para proteger. Deus é completo. Deus nos olha para nos proteger, mas seu cuidado se exerce também no olhar que julga. Uma teóloga e missionária brasileira escreveu: os olhos de Deus “não me vigiam para me acusar, me perscrutar ou me envergonhar. Eles não me desnudam impudicos, como os olhos dos homens sentados em um bar fazem com as distraídas que passam. Eles não me consomem em demanda egoísta de prazer pessoal, se é que a metáfora ainda cabe. Eles me vêem inteira, com bondade e respeito”. (RIBEIRO, Bráulia. Orgulho e preconceito. |Ultimato, maio-junho de 2008.)
Concordo. Ao mesmo tempo, Deus me olha como Quem me quer bem e isso pode incluir a repreensão, a orientação, a “cara” feia. Há um desejo de Deus para mim: que eu ande na trilha que me preparou. O mesmo Deus da cruz é o Deus do tribunal. Como escreveu o apóstolo Paulo, “todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más. (…) Nós [conhecemos] o temor ao Senhor” (2Coríntios 5.10-11a).

Tiago nos lembra:

“Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir” (Tiago 4.12a)

Devemos viver no modelo do apóstolo Paulo:

“Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda” (2Timóteo 4.7-8)
Ao morrermos, estas palavras poderão ser inscritas na nossa lápide?

4. Esta é uma história que nos mostra que devemos nos relacionar com um Deus que conhece o nosso futuro.

O relato bíblico nos mostra que, aproximando-se a data da festa da Páscoa, os discípulos tiveram a iniciativa de prepara-la. Por isto perguntaram a Jesus onde ele queria passar aquela data? O que Jesus disse revela que Deus conhece o futuro.
Viver com esta convicção na mente nos leva uma certeza no coração: não precisamos temer. Aprendemos isto Salmo 46.

“Deus é o nosso refúgio e fortaleza,
socorro bem presente na angústia.
Pelo que não temeremos,
ainda que a terra se mude
e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares;
Ainda que as águas rujam e se perturbem,
ainda que os montes se abalem pela sua braveza”.
(Salmo 46.1-3 – ARC).

A expressão que mais me toca neste poema é “pelo que”, que outras versões trazem como “por isto”. Prefiro “pelo que”. Fica mais claro porque não precisamos ter medo. O futuro é assombroso por não o conhecermos, mas Deus o conhece. Não precisamos perder tempo nos esforçando para conhecer o futuro, porque o nosso Amigo (Deus, nosso Senhor) já o conhece.
Podemos confiar que Deus não nos mandará para uma “furada”. Quando os discípulos entraram na cidade, estava tudo certinho; o futuro foi como Jesus lhes disse no passado.
Podemos confiar que Deus estará conosco no nosso futuro. Jesus ficou, os discípulos foram, mas, na hora da Ceia, Jesus estava lá, comendo com eles. Pode ser que o futuro não seja risonho, mas Deus estará lá conosco.
Confiança foi a atitude que tomou conta dos corações de Pedro e João. Quando Jesus revelou Sua vontade, eles fizeram tudo o que deviam fazer. Eles não acharam estranha a palavra de Jesus (“como é que ele sabe que vamos encontrar um cara carregando um pote de água vindo ao nosso encontro?”). Eles não pensaram na cara-de-pau que teriam de ter, ao usarem a casa de um estranho para a festa. Eles não tomaram a tarefa como peso mas como prazer.
Por causa da confiança, desejaram ir onde Jesus lhes disse para ir. Por terem desejado ir onde Jesus lhes disse para ir, planejaram. Por terem planejado ir, agiram. Por isto, na hora da refeição, estava tudo pronto.
Eles sabiam que as coisas não vão acontecer como queremos, se não desejarmos, planejarmos e agirmos.
Precisamos desejar o que Deus aprova. Não devemos desejar longe do desejar de Deus. Tem sido comum o desejo pela bênção de Deus. Um canal de televisão promove uma espécie de jogo com várias pessoas confinadas numa casa, em busca de um prêmio muito alto em dinheiro. Os obstáculos até a chegada à casa do e lá dentro são imensos. Antes e durante, é comum ouvir-se: “Foi Deus quem me trouxe aqui”. Ou: “Deus vai me abençoar e serei o escolhido para participar”. Ou: “Deus esteve comigo ate agora e não vai me abandonar agora”. A questão primeira é se aquelas pessoas perguntaram se Deus as queria naquela casa. Nosso maior pecado é fazer as coisas sem perguntar, mesmo coisas boas, para depois Deus consertar. Precisamos perguntar o que Deus quer que façamos.
Precisamos planejar nossas ações. A companhia de Deus conosco não é um convite à irresponsabilidade, ao-fazer-de-qualquer-jeito-que-Deus-garante. Todas as grandes vitórias concedidas por Deus aos seus filhos são precedidas de MUITO planejamento. Os discípulos de Jesus estavam com Jesus. Qualquer lugar estava bom, mas queriam estar com ele na Páscoa. Procuraram um lugar, compraram os ingredientes (e não eram poucos), arrumaram a casa. Planejaram tudo nos mínimos detalhes. E deu tudo certo. Planejar é também um exercício de confiança.
Precisamos agir, sempre em parceria como Aquele que conhece o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro. Esta é uma história que nos mostra o que acontece quando o poder de Deus se encontra com a disposição dos discípulos para a ação.
Jesus tinha um projeto e contava com seus discípulos. Deu certo. Eles foram recíprocos.
Deus tem um projeto e espera que participemos dele. Estamos prontos para ser Pedro e João?
A fé só é quando entra em ação.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO


REPRODUÇÃO — Autorizamos a reprodução deste conteúdo com a condição que se seja citada a fonte nos seguintes termos: “Reproduzido do site “Prazer da Palavra”, de Israel Belo de Azevedo”, que pode ser ser acessado em
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